Ensaio sobre
o Direito Natural
Alexis Couto de Brito. Mestre em Direito
Penal pela PUC/SP. Doutor em Direito Penal pela USP/SP. Pós-graduado pela
Universidade de Castilla La-Mancha de Toledo/Espanha. Professor de Direito Penal
e Processual Penal da Universidade Mackenzie/SP.
INTRODUÇÃO
A
exigência
do
ser
humano
em
explicar
o
universo
que
o
cerca
se transfere
em
igual
proporção
ao
mundo
jurídico.
Nesta
corrida
intelectual
várias
são
as
correntes,
e
não
menos
sortidas as
conclusões
que
atingimos.
Todavia,
alguns
se distanciaram das
origens
do
Direito,
de
seu
inerente
conteúdo
axiológico e,
principalmente,
do
fato
de
que
sua
aplicação
é direcionada aos
homens.
Embora
muitos
se norteiem
por
estes
princípios,
infelizmente
por
vezes
são
necessárias
catástrofes
mundiais
que
despertem os
indolentes
aos
reais
objetivos
da
vida,
transcendentes
às
conquistas
materiais
e aos
interesses
egoísticos.
A
discussão
sobre
o
Direito
Natural
como
proposta
perene
de
orientação
nunca
saiu do
cenário,
e
sempre
recebe oxigenação
em
momentos
de
graves
comoções
nacionais
e
internacionais.
Em
um
planeta
tomado
pelos
ideais
de
globalização,
cada
vez
mais
se discutem
causas
como
a
soberania
dos
Estado
e a
criação
de “tribunais
da
humanidade”,
pregando-se
pela
elaboração
de
um
direito
cosmopolita,
universal,
primando
pela
dignidade
humana.
Mas
isto
pode
ser
alcançado?
Alguns
céticos
duvidam.
Então,
o
ponto
de
partida
é a
análise
do
conhecimento,
tornando-se
indispensável
conhecer
sua
formação
e o
que,
e de
que
forma,
podemos
conhecer.
Diante
das
conclusões
gnosiológicas passamos a
considerações
acerca
dos
seres
e,
por
exigência,
aos
valores
que
se mesclam
em
sua
essência,
principalmente
em
suas
condutas.
Na continuidade o
destaque
pertence
ao
centro
das
atenções
do
Direito,
o
homem,
formador
da
sociedade.
Neste
âmbito
deve
ser
tratado
o
agrupamento
social,
a
dita
sociedade
de
homens,
bem
como
a
presença
estatal
encarregada
de conduzi-los a
determinado
objetivo,
podendo
ser
este
nomeado de
fim
ou
bem
comum,
e
alguns
dos
instrumentos
de
que
se prestam, tendo
relevante
sobressalto
a
legislação
positivada e
sua
capacidade
coatora.
Para
que
todos
estes
conceitos
sejam
mais
bem
retratados,
antes
se faz
necessário
um
breve
apanhado
histórico,
resumindo os
pensamentos
de filósofos
marcantes,
destacando-se o
mérito
de
suas
doutrinas
nos
contextos
e
épocas
em
que
foram apresentados e a
fim
de transportá-los aos
princípios
atuais
de
forma
a
situar
o
nível
em
que
se
encontra
o jusnaturalismo.
Reconhecendo a
amplitude
do
assunto
escolhido, preterindo
maior
amplitude
acerca
de
aspectos
de
apreço
como
o
livre
arbítrio,
a
pessoa,
os
direitos
subjetivos
e a
moral,
dentre
outros,
que
por
si
só
demandariam uma
monografia
autônoma,
desde
já
protestamos
pela
simples
colaboração
das
linhas
abaixo
como
um
despertar
à
reflexão
acerca
de
importantes
elementos
de
caráter
filosóficos,
sem
jamais
possuir
a
pretensão
de
esgotar
o
tema.
1.
POSIÇÕES
HISTÓRICAS
De
forma
explicitamente
sucinta
e somada à
arbitrariedade
da
escolha,
propomos a
seguir
uma
explanação
de
alguns
pensamentos
considerados
importantes
e
que
influenciaram e
ainda
influenciam as
doutrinas
do
Direito
Natural,
seja corroborando
suas
premissas
ou
seja desmoronando
seus
cânones.
Se é
certo
que
nem
todas se coadunam, é
certo
que
suas
investigações
colaboraram
para
o
entendimento
de
alguns
termos
como
“natureza”,
“valor”,
“direito”
e “justiça”
dentre
outros,
alvos
polêmicos dos
juristas
quando
associados
ao
conteúdo
de
suas
pesquisas.
Mais
uma
vez,
em
que
pese o
talento
e a
cultura
de
outros
autores,
no
interesse
do
tema
foram escolhidos
aqueles
que
proporcionam
um
desenrolar
concatenado ao
desenvolvimento
das
idéias
principais.
1.1.
ARISTÓTELES (384 – 322 a.C.)
Na
visão
aristotélica,
tudo
aquilo
que
existe
encontra
um
fim
definido
que
lhe
é
próprio.
Exatamente
esta é a
razão
da
sociedade
encontrar
seus
fundamentos
na
natureza,
tendo surgido
como
caminho
necessário
a
ser
potencializado
pelo
ser
humano,
como
ser
gregário
que
é. Avança-se de
um
estágio
primário
a
outro
mais
complexamente
estruturado, racionalizando-se as
forças
sociais
em
direção
a
um
ideal
de
vida,
ideal
inerente
ao
ser.
Este
ideal
é a
felicidade,
e
como
conseqüência
da
natureza
humana,
tem-se
que
uma
vida
feliz
só
se perfaz no
meio
social[i].
Ainda
analisando o
ser,
ARISTÓTELES
encontra
fundamental
importância
em
suas
virtudes,
e encara a
justiça
como
a
virtude
total
ou
perfeita,
contendo
em
si
todas as outras
virtudes
justamente
por
ser
a
medida
eqüidistante
entre
o
demasiado
e o
pouco,
e a
injustiça
como
o
vício
integral[ii].
Aparece
assim
de
forma
real
e
não
somente
racional
o
pensamento
aristotélico,
enfatizando a
necessidade
do
atuar
humano
de
forma
virtuosa,
o
atuar
de foram
justa.
Preocupando-se
ainda
com
a
atuação
do
homem
dentro
da
sociedade,
da polis[iii],
em
sua
“Ética”
avalia a
conduta
guiada de
forma
dupla,
em
função
da
gênese
interna,
ou
pela
exteriorização adotada
pelo
meio
de
vivência:
a
justiça
política
é
em
parte
natural
e
em
parte
legal.
A
parte
natural
é aquela
que
tem a
mesma
força
em
todos
os
lugares
e
não
existe
por
pensarem os
homens
deste
ou
daquele
modo.
A
legal
é o
que
de
início
pode
ser
determinado
indiferentemente,
mas
deixa
de sê-lo
depois
que
foi estabelecido[iv].
O
que
se percebe é uma
nítida
separação
entre
ambos,
o
que
BOBBIO interpretou
como
uma delimitação
aristotélica
da
matéria
tratada
pelos
dois
ramos:
o
direito
natural
corresponderia aos
comportamentos
bons
ou
maus
em
si
mesmos,
e o
direito
positivo
teria
seu
início
a
partir
deste
ponto
onde
cessa o
direito
natural,
ou
seja, regulando as
ações
a
ele
indiferentes[v].
Assim
reconhece a
lei
natural
e a
lei
escrita,
ou
legal,
como
chamou.
A
lei
positiva
tem
sua
origem
na
vontade
do
legislador,
de
acordo
com
o
tempo
e o
lugar.
A
lei
natural
tem
sua
essência
no
justo,
na
natureza,
sendo,
portanto,
imutável,
independentemente
da
lei
positiva
que
a retrate[vi].
Mas
se
por
um
lado
ARISTÓTELES evidenciou de
certa
forma
uma
separação
entre
os
conceitos
de
direito,
por
outro
lado
não
ignorava
que
na
aplicação
de
um
sistema
de
leis
podem
surgir
situações
em
que
da
generalidade
e da
rigidez
da
norma
legal
redunde
um
gravame
individual.
A equidade seria
então
aplicada
para
retificar
a
deficiência
da
generalidade
frente
à
particularidade,
e
assim
fazer-se
justiça
ao
caso
único[vii].
A
lei
positiva
pode
ser
imperfeita,
e
não
se
aplicar
a todas as
hipóteses,
exigindo
sua
adequação
ao
caso
concreto
em
função
da
justiça
natural[viii].
O
estagirita -
por
ter
nascido
em
Estagira -
não
teria declarado
expressamente
a
solução
diante
da
colisão
entre
a
norma
de
direito
natural
e a
norma
de
direito
positivo.
Mesmo
admitindo a possibilidade de uma
lei
“injusta”
não
se
manifesta
pela
sua
inobservância,
tanto
pelo
judiciário
como
pelo
povo[ix].
Mas
há
muitos,
como
BOBBIO,
que
interpretam uma
clara
inclinação
de ARISTÓTELES à
supremacia
das
leis
naturais
quando
em
conflito
com
as
leis
escritas,
e uma
amostra
desta
inclinação
é a
revelação
da
passagem
de Antígona,
que
para
enterrar
o
irmão
morto
invoca as
leis
do
coração,
desobedecendo as
leis
escritas
e contrariando a Creonte[x].
1.2.
SANTO
TOMÁS DE AQUINO (1227-1274)
Em
um
momento
de redescoberta e reinterpretação dos
escritos
aristotélicos,
do
catolicismo
desponta
um
dos
mais
profundos
estudiosos
do
Direito
Natural.
Sua
doutrina
ainda
hoje
conserva
extrema
atualidade
e
coerência,
e serve de
influência
inegável
às
correntes
modernas.
Em
uma
obra
incomensurável
e de
grande
alcance
filosófico, o
foco
incide
sobre
“a
verdade”.
Relacionando
seu
conceito
de
verdade
e harmonizando-o
com
a
concepção
realista do
mundo,
assevera
que
a
verdade
lógica
não
está
somente
nas
coisas
ou
na
razão,
mas
sim
na
adequação
entre
a
coisa
e a
razão.
Em
sua
Summa Theologica,
dentre
outros
assuntos,
SANTO
TOMAS discorre
acerca
das
espécies
de
lei,
que
classificou
em
quatro:
a
eterna
(a
razão
divina
que
a
tudo
dirige), a
natural
(guiada
pela
razão
humana),
a
divina
(revelada pelas sagradas
escrituras)
e a
humana
(escrita
pelo
tutor
da
comunidade,
ou
seja, o
direito
positivo).
Dentro
de
suas
limitações,
o
homem,
através
da
faculdade
da
razão
da
qual
foi dotado
por
Deus,
pode
ter
uma
noção
parcial
da
lei
eterna
e de
sua
verdade,
e a
isto
SANTO
TOMAS definiu
como
o
Direito
Natural[xi].
Ele
(o
homem)
é
capaz
de
assimilar
alguns
princípios
da
lei
eterna,
de
caráter
geral,
onde
fundamentalmente
o
bem
deve
ser
praticado, e o
mal
evitado. Unindo-se a
razão
aos
demais
aspectos
físicos
e
psicológicos
dos
seres
humanos,
estes
são
guiados à
consecução
do
bem[xii].
Com
o
advento
do
cristianismo
e a
importância
de
Deus
nos
pensamentos
filosóficos,
não
conteriam
outra
fórmula
os
escritos
do Doctor Angelicus. A
lei
natural
identifica-se
com
a
lei
de
Deus,
pois
assim
como
estabeleceu as
leis
que
regulam o
movimento
dos
corpos,
igualmente
estabeleceu as
leis
que
regulam a
conduta
do
homem[xiii].
Este
excepcional
filósofo,
ainda
preocupando-se
com
a
verdade,
trata
do
confronto
entre
a
verdade
natural
(racional)
e a
verdade
sobrenatural
(de
fé),
dissipando-o e unificando as
verdades
em
uma
só
figura:
Deus.
Portanto,
tais
verdades
se identificariam
em
sua
origem
- a
divina
- e
por
isso
não
podem se
contradizer.
Estando
em
harmonia,
a
verdade
da
razão
e a
verdade
da
fé,
embora
não
se confundam,
também
não
se contradizem, e a
sobrenatural
não
exclui a
natural,
senão
a fortalece e
fundamenta.
Interessante
ressaltar
que
SANTO
TOMAS concede à
razão
humana
a
capacidade
autônoma
para
o
conhecimento
da
verdade,
independentemente
da
revelação
divina,
exaltando o
valor
da
pessoa
humana
em
sua
plena
integridade
natural.
Para
este
pensador,
o
fim
do
homem
é o aperfeiçoamento de
sua
natureza.
Analisando a
natureza
humana,
conclui
que
o
homem
é
um
animal
social
e,
portanto,
forçado
a
viver
em
sociedade
com
os
outros
homens.
A
primeira
forma
da
sociedade
humana
é a
família,
de
que
depende a
conservação
do
gênero
humano;
a
segunda
forma
é o
Estado,
de
que
depende o
bem
comum
dos
indivíduos.
Sendo
que
apenas
o
indivíduo
tem
realidade
substancial
e
transcendente,
compreende-se
que
o
indivíduo
não
é
um
meio
para
o
Estado,
mas
este
um
meio
para
o
indivíduo.
Segundo
AQUINO, o
Estado
não
tem
apenas
função
repressiva
e
econômica,
mas
também
organizadora e
espiritual.
Embora
o
Estado
seja
completo
em
seu
gênero
fica,
porém,
subordinado,
em
tudo
quanto
diz
respeito
à
religião
e à
moral,
à
Igreja,
que
tem
como
escopo
o
bem
eterno
das
almas,
ao
passo
que
o
estado
tem
apenas
como
escopo
o
bem
temporal
dos
indivíduos.
E
este
perfeccionismo
colimado
pela
sua
natureza
somente
seria encontrado
em
Deus[xiv].
1.3.
HOBBES
(1588-1679)
É
importante
que
dediquemos algumas
linhas
a
este
autor.
Seus
pensamentos
proporcionaram uma
severa
depreciação
e
enorme
repulsa
ao
que
por
ele
foi convencionado
por
estado
natural,
o
que
afetou
diretamente
o
Direito
Natural.
Em
suas
linhas,
encontram-se
motivos
alavancadores
rumo
ao
positivismo
e ao
despotismo,
mostrando-se
como
o
mais
radical
dos chamados contratualistas.
Como
bem
notado
por
BOBBIO, pode
até
revelar-se
um
naturalista no
ponto
de
partida,
mas
é
certamente
um
positivista
no
ponto
de
chegada[xv].
Nos
primeiros
séculos
da
Idade
Moderna
tem
início
a
consagração
da
ruptura
entre
o
direito
e a
teologia,
campo
fertilizado
por
TOMAS DE AQUINO, e florescem
doutrinas
enaltecedoras do
Estado
absolutista
– raison d’etat – reivindicando
um
Estado
forte,
mesmo
que
alcançado
através
da
opressão
e
manipulação
dos
súditos.
É o
que
se pode
perceber
nos
textos
de MACHIAVELLI:
quanto
seja louvável a
um
príncipe
manter
a
fé
e
viver
com
integridade,
não
com
astúcia,
todos
o compreendem;
contudo,
observa-se,
pela
experiência,
em
nossos
tempos,
que
houve
príncipes
que
fizeram
grandes
coisas,
mas
em
pouca
conta
tiveram a
palavra
dada,
e souberam,
pela
astúcia,
transtornar
a
cabeça
dos
homens,
superando,
enfim,
os
que
foram
leais[xvi].
A
primeira
vista
HOBBES
não
se distancia dos
conceitos
anteriores
de
Direito
Natural:
é
aquele
que
Deus
comunica aos
homens
por
meio
da
razão
e
vige
no
estado
de
natureza[xvii].
Porém,
um
importante
conceito,
o da
natureza
humana,
mostra-se transfigurado
em
HOBBES,
que
qualifica o
homem
como
um
ser
intrinsecamente
mau,
egoísta,
brutal
e
agressivo[xviii],
sentimento
que
o
autor
talvez
tenha adquirido
por
ter
vivenciado a
guerra
civil
ocorrida na Inglaterra. Homo hominis lupus – o
homem
é o
lobo
do
homem,
é a
frase
que
retrata
sua
confiança
na
natureza
humana.
O
estado
de
natureza
do
homem
está dominado
pelo
egoísmo,
mirando
cada
qual
pela
sua
conservação,
onde
todos
têm
direito
a
tudo,
e o
que
se mantém é a
violência
e o
engano[xix].
Ainda
sim
enumera as “leis
da
natureza”
(p.ex.,
todos
podem
fazer
o
que
a
natureza
lhes
permitir,
os
contratos
devem
ser
cumpridos,
não
se deve
injuriar
o
semelhante,
não
devemos
fazer
aos
outros
o
que
não
desejamos a
nós,
etc[xx]),
e
que
seduziriam as
condutas
individuais,
se pudessem
ser
garantidas.
Estas
leis,
embora
naturais,
não
podem
ser
praticadas
por
todos
enquanto
o
homem
se
conservar
em
seu
estado
natural,
onde
a
guerra
é uma
constante.
Somente
através
da
celebração
de
um
pacto
onde
cada
qual
entregue
seu
poder
ao
ente
soberano
– o
Leviatã
– a
paz
e a
segurança
poderão
ser
mantidas[xxi].
Por
meio
de
um
contrato
tácito
cada
um
renuncia ao
direito
natural
e o transfere a
um
poderoso,
o
soberano
absoluto
e ilimitado, renunciando
inclusive
a
sua
própria
liberdade
individual.
Consagra-se
então
a
existência
de
um
direito
natural
subjetivo:
a
liberdade
que
tem o
homem
de
fazer
tudo.
Este
seu
posicionamento
quanto
ao
direito
subjetivo
inverte o
sistema
jurídico.
O
Direito
Natural
do
indivíduo
se
mostra
o
princípio
do
sistema,
e do chamado
direito
subjetivo
se deduziria a
ordem
jurídica
e
posteriormente
o
sistema
de
leis
jurídicas, conduzindo
assim
a
lei
a
um
segundo
plano[xxii].
Mas
seria
inócua
a
permissão
de “fazer
tudo”
se
em
seu
estado
de
natureza,
onde
a
guerra
é
permanente,
o
homem
não
pudesse aproveitá-la. Daí a
fuga
do
estado
natural
para
o
estado
civil,
que
será
capaz
de
garantir
os
direitos
subjetivos
e torná-los
efetivos,
através
da
força
pública[xxiii].
A
situação
natural
então
se
mostra
como
algo
ruim,
prejudicial
ao
ser
humano,
que
deve
buscar
a
constituição
de
um
poder
civil,
de
leis
editadas
pelo
Estado.
Contudo
a
sua
doutrina
possui
um
paradoxo
inexpugnável.
HOBBES afirma
que
a
única
lei
natural
que
vigeria no
estado
civil
é aquela
que
obriga a
todos
a
obedecer
ao
soberano.
Isto
reverte a
função
da
lei
natural,
que
é
exatamente
a de
restringir
os
poderes
do
soberano.
Em
seu
sistema
ela
se presta
justamente
ao inverso:
fundamentar
o
poder
absoluto
do
Estado[xxiv].
Assim,
mesmo
que
o
soberano
edite
leis
tirânicas
não
será
legítimo
ao
povo
negar-lhes
cumprimento,
a
não
ser
quando
o
governante
perder
sua
capacidade
de
preservar
a
paz
e a
segurança
dos
cidadãos[xxv].
Enquanto
exercer
suas
funções
não
existem
limites
para
seu
poder,
pois
HOBBES coloca a
lei
natural
apenas
como
um
guia
moral,
já
que
as
leis
civis, editadas
pelo
soberano
é
que
consistem nas verdadeiras
determinações[xxvi].
1.4.
LOCKE
(1632-1704)
JOHN
LOCKE mantém algumas
semelhanças
com
a
doutrina
de
seu
tempo,
principalmente
com
o contratualismo
desenvolvido
por
HOBBES.
Contudo,
como
observa VILLEY, de uma
forma
muito
menos
sombria[xxvii].
Não
faz
como
seu
predecessor
que
intitula o
egoísmo
como
a
lei
suprema
da
vida
humana,
pois
as
leis
naturais
se identificam
com
a
lei
divina,
de
ordem
ética
e
racional,
donde o
útil
aos
indivíduos
assimila-se ao
bem
comum[xxviii].
O
homem
em
seu
estado
natural
é
livre
e
senhor
de
seus
atos,
e tem
para
governá-lo as
leis
da
natureza,
que
a
todos
obriga, sendo
todos
iguais,
independentes
e,
sobretudo,
originados de
um
mesmo
Deus.
Por
sua
gênese
divina,
um
ser
não
deveria
prejudicar
a
seu
semelhante,
justamente
pela
parelha
situação
em
que
se encontram.
Mas
na
realidade
não
pode
exaurir
seus
direitos
por
se encontrarem
sempre
sob
a
ameaça
de
violação
por
terceiros,
por
esta
mesma
situação
igualitária
de potestade, e sendo
assim,
sem
compromisso
com
a equidade e a
justiça.
Por
isto,
abdica desta
condição
natural,
repleta
de
temores
e
procura
a
união
em
sociedade
para
possibilitar
a mutua
preservação
de
suas
vidas,
liberdades
e
propriedades[xxix].
Mas
as
conclusões
de
autoridade
de LOCKE diferenciam-se do
pacto
hobbesiano. Ao
passo
que
neste o
poder
transferido ao
Leviatã
é
supremo
e permite
tudo
ao
soberano,
no
contrato
de LOCKE
alguns
direitos
naturais
são
intransferíveis,
como
a
vida,
a
liberdade
e a
propriedade.
Esta
lei
da
natureza
não
pode
ser
tocada, e deve
ser
respeitada
por
todos,
mesmo
pelos
que
governam[xxx].
O
mister
do
governante
é a
defesa
dos
direitos
e a
sanção
de
seus
violadores.
Em
seus
Tratados
sobre
o
Governo
pode-se
encontrar
a
referência
ao
termo
propriedade
de
forma
a
agrupar
os
demais
direitos
como
a
vida
e a
liberdade.
Mas
o
que
é
relevante
destacar
é o
fato
de LOCKE
associar
este
termo
(propriedade)
em
sentido
lato
ao “bem
comum”,
e a
necessidade
do
governo
buscá-lo
dentro
dos
limites
da
concessão
de
poder
que
recebe,
ou
seja,
que
nunca
poderá superá-los.
Por
fim,
sempre
se poderá
contestar
o
soberano,
e
sempre
será
legítimo
aos
titulares
dos
direitos
– os
cidadãos
– resistirem às
leis
positivas opressivas e tirânicas, e se
necessário,
por
meio
de
revolução,
na
defesa
de
seus
direitos.
1.5.
ROUSSEAU
(1712-1778)
Afinando-se a tradicional
escola
clássica
do
Direito
Natural,
ROUSSEAU
também
acreditava na
existência
dos
direitos
naturais.
Mas
discordante
em
um
ponto
crucial:
o
homem
é
bom
e
inocente
por
natureza,
e
não
egoísta e
corrupto
como
pregado pelas
doutrinas
antecedentes.
Seu
estado
natural
é
diverso
do de HOBBES,
pois
o
homem
não
se
encontra
em
constante
disputa,
mas
é associável,
feliz,
bom
por
ter
a
natureza
lhe
proporcionado
todo
o
necessário
para
que
se considerem
livres
e
iguais[xxxi].
Em
seus
primeiros
escritos
invoca uma
exaltação
à
natureza
humana,
citando a
necessidade
de se
voltar
às
origens,
acusando a
cultura
avançada
de
corromper
a
civilização,
proporcionado a
ganância,
as
lutas
e o
egoísmo,
causando desigualdades
sociais,
escravidão
e a
sufocação
da
espontaneidade
natural[xxxii].
Mas
é
preciso
esclarecer
que
este
“retorno
à
natureza”
pregado
por
ROUSSEAU
não
significa a
negação
da
civilização
e da
cultura,
com
o
homem
regredindo a
seu
estado
selvagem,
mas
sim
uma
espécie
de
libertação
do
homem
dentro
da
sociedade,
de
tal
forma
que
a interioridade
humana
se sobreponha ao
exterior,
o
sentimento
à
inteligência,
a
consciência
à
ciência.
Partindo-se destas
premissas,
ROUSSEAU
busca
explicar
e
construir
um
sistema
social
ideal,
que
concilie o
estado
primitivo
e
natural
de
liberdade
com
a
cultura
adquirida
pela
civilização.
Encontrar
uma
forma
de
associação
que
defenda e proteja de
toda
a
força
comum
a
pessoa
e os
bens
de
cada
associado
e
pela
qual
cada
um
se unindo a
todos
obedeça,
todavia,
apenas
a
sim
mesmo
e permaneça
livre
como
antes[xxxiii].
Surge
seu
contrato
social.
O
ser
humano
nasce
livre
e
em
toda
parte
está a
ferros.
Aquele
que
mais
crê
senhor
dos
outros
não
deixa
de
ser
mais
escravo
do
que
eles[xxxiv].
Esta é a
tônica
de
seu
contrato
social.
Os
seres,
livres
por
natureza,
unem-se
em
um
contrato
imaginário,
cada
um
entregando
seus
direitos
naturais
ao
governante
que
os
retorna
em
forma
de
direitos
civis.
Por
outro
lado,
o
soberano
está
obrigado
a
manter
estes
direitos
de
acordo
com
a
vontade
geral
do
povo,
a
vontade
da
maioria,
pois
nada
mais
é do
que
a
resultante
desta
vontade,
e
nunca
poderá
defender
interesse
contrário.
Cada
indivíduo,
obedecendo à
vontade
geral
está na
verdade
obedecendo a
si
mesmo,
pois
a
vontade
individual
se funde na
vontade
de
todos,
consenso
unânime
dos
cidadãos.
A
lei
não
poderá
ser
injusta
pois
ninguém
é
injusto
consigo
mesmo,
e
todos
serão
livres
mesmo
devendo
obediência
às
leis,
já
que
estas
não
passarão de
registros
da
vontade
de
todos[xxxv].
Embora
no
decorrer
de
sua
obra
tenha convertido
suas
“leis
naturais”
à
vontade
geral,
é
indiscutível
sua
colocação
como
naturalista,
desde
o
reconhecimento
do
estado
natural
superior
até
a
negação
da
imposição
da
força
como
direito.
1.6.
KANT
(1724-1804)
Seu
pensamento
parte
da
dicotomia
entre
a causalidade e a
finalidade.
O
homem
fazendo
parte
do
mundo
empírico,
suas
ações
ficam sujeitas às
leis
da causalidade (NEWTON).
Mas
sua
experiência
interior
e
sua
razão
prática
da
vida
moral
o constroem
livre,
capaz
de
escolher
entre
o
bem
e o
mal.
Existe,
pois,
uma
contradição
entre
a
razão
teórica
da
ciência
natural
e a
razão
prática
da
vida
moral[xxxvi].
O
pensar
é
formular
juízos,
atribuir
algum
predicado
a
algum
objeto.
Analisando criticamente o
conhecimento
encontra
dois
juízos:
um
analítico
(universal),
onde
o
predicado
está na
essência
do
objeto
e
outro
sintético
(particular),
onde
se acrescente
um
predicado
ao
objeto.
Conclui
que
o
pensamento
sintético
se
mostra
melhor,
enquanto
acrescenta
algo
mais
ao
objeto
observado.
E o
método
para
se
conseguir
este
acréscimo
é o
empírico,
já
que
o
pensamento
analítico
é o
simples
exercício
da
razão.
Este,
portanto,
revela-se a priori,
enquanto
o
sintético
mostra-se a posteriori.
Estas
conclusões
o levam a uma aporia. Trabalhando a
ciência
com
a
experiência
e chegando a
conhecimentos
sintéticos,
ou
seja,
particulares,
como
poderia
ela
se
propor
a
revelar
conceitos
universais,
que
são
analíticos?
Todo
a
sua
lógica
vem
abaixo.
Em
sua
Crítica
da
razão
pura
teórica
tenta
demonstrar
a possibilidade de
juízos
sintéticos
de
qualidades
universais,
e analisando
como
se realiza o
conhecimento,
esquece-se do
objeto.
Assim,
conhecer
algo
somente
é
possível
através
da
sensibilidade
(experiência),
e conhecemos as
coisas
uma
após
a
outra,
como
se uma ao
lado
da
outra,
de
acordo
com
as
condições
do
sujeito
cognoscente. O
conhecimento
é
então
subjetivo,
pois
não
se pode
conhecer
as
coisas
como
elas
são,
mas
da
forma
que
cada
sujeito
as pode
conhecer.
E possuindo a
mesma
natureza,
todos
os
seres
humanos
experimentam as
coisas
da
mesma
forma,
e a
isto
se deve a possibilidade de
conceitos
universais
fornecidos pelas
ciências.
A
principal
conseqüência
do
pensamento
kantiano é a
ruptura
entre
o
ser
e o
pensar.
Não
se pode
conhecer
o
ser
como
ele
é,
mas
apenas
em
relação
as
condições
subjetivas do
ente
cognoscente.
Essência
e
existência
são
incomunicáveis[xxxvii].
Indiretamente
destrói
alguns
postulados
basilares
do
Direito
Natural.
Esta
ruptura
elaborada
por
KANT, colocando a impossibilidade do
pensamento
humano
atingir
o “ser”
exerceu uma
voraz
influência
no
pensamento
de
sua
época.
O “ser”
está restrito as
condições
subjetivas do
pensamento,
restando à
vontade
humana
impor
o “dever-ser”. Os filósofos do
Direito
após
KANT dividem-se
em
dois
grupos:
os
que
passam a
adotar
suas
posições,
reduzindo o
Direito
a
um
mero
“dever-ser”; e os
que
tentam
superar
esta
dicotomia,
tentando
deduzir
o “dever
ser”
do “ser”,
impossível
para
KANT.
Somente
em
HUSSERL e REINACH é
que
se
parte
a uma
nova
concepção
através
da fenomenologia
jurídica,
e se
tenta
reunir
os
mundos
separados do “ser”
e do “dever-ser”,
ou
entre
o
ser
e o
pensar[xxxviii].
De
qualquer
forma,
a
erupção
causada
pelo
pensamento
kantiano afetou
direta
e
indiretamente
aos
juristas
que
lhe
procederam, dando-lhes
fundamentos
inigualáveis
para
a
negação
tão
pretendida do
Direito
Natural.
1.7.
KELSEN
(1881-1973)
Após
as
rupturas
kantianas e a
sublimação
do
positivismo,
o
Direito
Natural
sofre
um
duro
golpe,
e tem
seu
momento
de
maior
amargura. As
doutrinas
influenciadas
por
HUME, COMTE e KANT, e
principalmente
a
necessidade
“científica”
pela
qual
passava a
humanidade,
distanciaram os
juristas
e filósofos da
metafísica
e
também
do
Direito
Natural.
Um
marcante
pensador,
cientista
da
mais
alta
capacitação
e colaborador
incontestável
para
a
evolução
do
Direito,
HANS KELSEN, tentou
construir
uma
teoria
jurídica
desprovida
de
todo
condicionamento axiológico[xxxix].
O
que
chamou de
Teoria
Pura
do
Direito
aceitava
como
dogma
à
incapacidade
de se
conhecer
a
justiça,
o
ato
justo,
e
assim,
o
Direito
em
si.
Grávido do
pensamento
kantiano de
limitação
do
conhecimento,
KELSEN ridicularizou o
Direito
Natural
- a
natureza
é
um
mau
lugar
para
o
Direito
- e o
conceito
de
Justiça,
exaltando a normatização
positiva
como
o
único
direito
válido
e reconhecido.
Para
ele,
é
direito
o
que
for
definido
pelo
Estado,
positivado e formalizado,
não
interessando o
seu
conteúdo,
ou
até
mesmo
a
falta
dele: o
Estado
é a
lei.
Seu
fundamento
de
validade
é
simplesmente
à
vontade
do
Estado,
que
em
sua
norma
fictícia
fundamental
sustentaria a
validade
de todas as
demais
normas
positivadas. Desprendeu do
Direito
a
sua
condução
maior,
a
Justiça.
Atendia
assim
a
contingência
do
momento
histórico
em
que
vivia,
onde
a
necessidade
da qualificação de
Ciência
era
fundamental
ao
reconhecimento
do
labor
do
jurista.
A “pura”
Ciência
do
Direito
não
poderia
ser
influenciada
por
aspectos
sociais
ou
filosóficos.
Assim,
o
estudo
dos
fatos
sociais
caberia à
Sociologia
jurídica
e a
Justiça
seria
tarefa
da
Filosofia
do
Direito.
Mesmo
assim,
a
Justiça
apenas
poderia
ser
conceituada
relativamente
aos
anseios
do
Estado
ou
da
sociedade.
Neste
ponto
KELSEN
chega
a
identificar
alguns
dos
efeitos
alcançados
pela
Justiça
-
como
a
paz
e a
segurança
-
com
o
próprio
conceito
de
Justiça[xl].
A
qualidade
dos
textos
de KELSEN somada a
sua
magnífica
eloqüência
seduziram a
muitos
em
seu
tempo,
uma
alinhada
luva
para
mãos
sedentas de
poder,
e
que
até
hoje
impregna
livros
doutrinários
e
decisões
judiciais,
pela
simplicidade
e conveniência de
minimizar
os
esforços
intelectuais.
2.
O
DIREITO
NATURAL
Quando
se
fala
de “Direito
Natural”,
devido
às
distorções
que
a
expressão
adquiriu ao
longo
dos
tempos,
se faz
imprescindível
um
esclarecimento
quanto
ao
que
se
quer
hastear
neste
momento.
Desde
já,
como
demonstrado pelas
doutrinas
alhures,
não
se pode considerá-lo
como
uma “invenção”
contemporânea
ou
até
mesmo
da
Revolução
Francesa.
Seu
conceito
precede a estas
ocasiões.
O “Natural”
que
qualifica o
Direito
deriva
da
natureza,
mas
não
da
exclusiva
ótica
de
conjunção
dos
elementos
existentes e perceptíveis
que
circundam o
homem.
Não
se
trata
da
simplória
captação da
natureza
sob
o
ponto
de
vista
das classificações biológicas, geológicas
ou
de quaisquer
outros
ramos
científicos
que
estudem os
seres
animados
ou
não,
existentes
sobre
a
face
do
planeta.
Esta
ótica,
de
descoberta
e
colheita
do
direito
como
que
inscritos
nos
elementos
da
natureza
(uma
pedra,
um
arbusto,
uma
árvore)
utilizada
por
alguns
como
ponto
referencial de
desprezo
e
descrédito,
não
pode
ser
adotada
como
arrimo
por
pensadores
naturalistas.
O
predicado
“Natural”
da
corrente
filosófica
que
se defende surge da
gênese
do
ser
humano,
de
sua
origem,
de
sua
natureza,
e
em
direção
a
ela.
Natural
ao
homem
é
fazer
o
bem,
cumprir
seu
papel.
O
homem
é o
ponto
de
partida,
chegada
e
razão
do
que
se pretenda
atingir
quando
se predisponha a
estudar,
qualificar,
positivar
ou
enunciar
o
que
é “Direito”.
É,
nos
dizeres
de SACHERI, é o
que
se deve ao
homem
em
virtude
de
sua
essência,
isto
é,
pelo
simples
feito
de
ser
homem[xli].
É
assim,
reconhecendo a
existência
de uma
natureza
humana
uniforme
e dotada de
inteligência
que
conduz os
homens
a
seus
objetivos
que
MARITAIN afirma a
necessidade
destes
mesmos
objetivos
concordarem
com
os
fins
exigidos
por
esta
natureza
humana.
O
Direito
Natural,
no
seu
entender,
é uma
disposição
que
a
razão
humana
pode
descobrir,
e
segundo
o
qual
a
vontade
humana
deve
agir
a
fim
de se
por
de
acordo
com
os
fins
necessários
do
ser
humano[xlii].
Por
estes
postulados
reforça-se a
idéia
de
que
é no
plano
ontológico
que
se deve
situar
o
natural,
como
sendo o
que
pertence
à
essência,
tal
qual
como
se
manifesta
em
suas
propriedades,
forças,
e
ainda
o
que
está relacionado ao
seu
desenvolvimento,
evolução,
aperfeiçoamento. É o
fundamento
do
comportamento
humano
como
tal[xliii].
Assentindo a estas
posturas,
VANDYCK DE ARAÚJO acrescenta
algo
mais
- o
espírito
- e defende
que
a
razão
de
ser
do
Direito
Natural,
além
da
grandeza
moral,
é
também
a
grandeza
espiritual
do
homem,
construída de uma
realidade
ética
que
estabelece o
primado
do
valor
e repudia o subjetivismo
ético
que
contaminou as
filosofias
modernas,
especialmente
no
meio
jurídico[xliv].
Na
visão
deste
autor,
a
moral
deve se
projetar
na
vivência
jurídica
do
ser
humano,
para
que
o
Direito
não
entre
em
crise,
pois
caso
isto
ocorra, equipara-se a
crise
jurídica
à
crise
do
próprio
homem[xlv].
É
preciso
despertar
ao
jurista
a
importância
de se
manter
o
Direito
Natural
no
posto
perene
e
eloqüente
de
fonte
de
conteúdo
das
normas
sociais,
independentemente
da
forma
que
adquiram. O
homem,
como
é esperado e corroborado, se utiliza das
normas
positivadas
dentro
de
sua
comunidade,
e a
todo
o
momento
deve se
valer
destes
conceitos
na
elaboração
de
suas
leis,
para
que
estas
não
se distanciem de
sua
função
maior
– a
justiça
– e sirvam de
orientação
na
sua
jornada.
Concordamos
com
a
idéia
de ERIK WOLF de
que
mesmo
que
não
se tenha
certeza
do
que
se
busca
conceituar
como
Direito
Natural,
cada
um
sente e tem a
certeza
de
que
ele
existe e
que
é
possível
encontrá-lo
em
alguma
parte,
em
algum
momento,
de
algum
modo[xlvi].
Existem
alguns
conceitos
que
auxiliam na
compreensão
e na afirmação do
Direito
Natural.
Inicialmente
precisamos
aceitar
as
capacidades
do
conhecimento
humano,
identificar
a
objetividade
dos
valores
e
culminar
pela
importância
da
realização
do
homem
como
razão
final
da
existência.
2.1.
A
GNOSIOLOGIA
A gnosiologia preocupa-se
com
o
conhecimento:
sua
possibilidade,
origem,
essência
e
forma.
E se fazem
imprescindíveis
algumas
considerações
sobre
o
conhecimento,
para
que
aceitemos os
ditames
do
Direito
Natural.
O
ser
humano
efetivamente
possui a
capacidade
de
conhecer,
apesar
de
alguns
pensamentos
céticos,
como
o subjetivismo e o relativismo
não
aceitarem a possibilidade do
conhecimento
de uma
verdade
universalmente
válida.
O subjetivismo
cerceia
o
conhecimento
aos
limites
de
cada
sujeito
cognoscente,
sua
capacidade
pessoal
e
interna
de
apreensão.
O relativismo
também
limita o
conhecimento
e o condiciona a
elementos
externos
ao
sujeito
conhecedor.
Mas
ambos
incorrem no
mesmo
vício.
Explica-o HESSEN: .se a
verdade
existe deve
significar
a
concordância
do
juízo
com
a
realidade.
Se existe, deve
existir
para
todos
e
não
pode
ser
limitada a
um
número
determinado
de
indivíduos.
Ou
o
juízo
é
falso,
e
então
não
é valido
para
ninguém,
ou
é
verdadeiro,
e
então
é valido
para
todos,
é
universalmente
válido.
Quem
mantenha
um
conceito
de
verdade
e afirme,
apesar
disso,
que
não
há nenhuma
verdade
universalmente
válida,
contradiz-se,
portanto,
a
si
próprio[xlvii].
E o
conhecimento
possível
é
ainda
atividade
concatenada da
razão
e da
experiência,
como
já
ARISTÓTELES se esforçava
para
demonstrar
quando,
objetando a PLATÃO, unificava os “mundos”
sensível
e
inteligível
em
uma
só
realidade[xlviii].
Captamos as
expressões
dos
objetos
em
um
primeiro
momento,
e utilizando a
razão
somos
capazes
de
elaborar
imagens
e
apreender
sua
essência.
Não
se pode
situar
o
conhecimento
apenas
racionalmente,
a
exemplo
das
doutrinas
de DECARTES e LEIBNIZ, e
nem
tampouco
somente
na
experiência,
como
desejava HUME e STUART MILL. O
que
se percebe é
que
se
trata
de
um
processo
onde
a participação da
realidade
do
objeto,
seja
ele
material
ou
ideal,
precisa
ser
trabalhada
pela
razão,
para
que
o
conceito
universal
seja atingido.
E
qual
a
essência
deste
conhecimento?
Não
pode
ser
outra
que
o
conhecimento
do
objeto
em
si,
de
sua
essência,
o
seu
“ser”.
Como
já
visto,
contrário
a esta assertiva encontra-se
como
mais
notório
e impactuante o
pensamento
de KANT. O
conhecimento
na
visão
kantiana corresponde a uma
correlação
entre
o
sujeito
e o
objeto.
Nessa
relação
os
dados
objetivos
não
são
passíveis
de captação
em
si,
mas
somente
de
acordo
com
a
sensibilidade
e o
entendimento
do
sujeito.
Assim,
a
coisa
em
si,
o
absoluto,
é
incognoscível.
Só
apreendemos o
ser
das
coisas
na
forma
que
nos
apresentam e no
limite
em
que
podemos,
ou
seja,
enquanto
fenômeno[xlix].
Tal
impostação,
que
se aproxima do subjetivismo
já
exposto
acima
encontra
um
grande
contra-senso:
se
não
captamos a
coisa
em
si,
como
ela
realmente
é,
não
somos
igualmente
capazes
de
captar
a
verdade,
que
se mostrará uma a
cada
ser
cognoscente, de
acordo
com
suas
limitações.
E
isto
não
foi
suficientemente
convincente
nem
ao
próprio
KANT,
que
em
determinado
ponto
de
sua
obra
viu-se a
aceitar
dogmaticamente
verdades
como
a
existência
de
Deus,
da
liberdade
e da
imortalidade[l].
Quando
se
fala
em
Direito
Natural,
não
podemos
desconsiderar
estas
conclusões
por
relacionarem-se
com
o “ser”
e
suas
expressões
e,
por
conseguinte,
com
a
expressão
axiológica norteadora do
direito
- a
Justiça
-
porquanto
na
pretensão
de praticá-la devemos
ter
em
consciência
de
que
podemos conhecê-la,
como
um
dos
valores
condicionantes do
direito,
seja
este
escrito
ou
não.
Como
bem
pontuado
por
BIDART
CAMPOS,
por
vezes
o
que
falta
ao
homem
é uma
certa
dose
de
otimismo
e
confiança
em
sua
própria
razão,
para
que
descarte
o relativismo e admita
que
o
alcançar
a
verdade
–
também
no
campo
dos
valores
– é
sempre
possível,
apesar
de
nem
sempre
ocorrer[li].
E
como
fomento
a esta desconfiança no
conhecimento
une-se o
fato
de
sua
onerosidade,
ou
seja, dos
penosos
esforços
que
o
homem
deve
empreender
para
adquirir
o
conhecimento
preciso
e
rigoroso[lii].
Neste
diapasão
impõem-se
importantes
algumas
notas
acerca
dos
valores.
2.2.
O
VALOR
Como
foi
visto,
sendo o
conhecimento
objetivo,
o
que
se conhece possui
relações,
estados
em
que
se apresenta e
que
podem
ser
captados
pelo
ente
cognoscente. E no
processo
teleológico o
sujeito
que
tende à
realização
de uma
finalidade
atribui a esta
um
valor
positivo[liii].
Os
valores,
o
valor
do
que
se conhece,
igualmente
pode
ser
apreendido,
enquanto
integra o
próprio
ser,
como
“uma
posição
do
ser,
uma
relação”.[liv]
O
valor
assim
se apresentaria
como
uma exteriorização do
ser,
uma
posição
sua,
uma
relação
polarizada
entre
o
ser
e
seu
fim.
Não
se separa dele,
não
se opõe a
ele,
mas
se
encontra
nele
como
uma
dimensão
sua,
uma
manifestação
de
não
indiferença
do
sujeito
observador.
A
não
indiferença
é a
essência
do
valer[lv].
E no
contexto
do
Direito
Natural,
o
objeto
a
ser
observado
encontra-se nas
relações
sociais,
pois
a
conduta
humana
é o
arrimo
onde
se suporta o
valor
Justiça.
É na
conduta
do
ser
em
relação
a
seu
próximo
que
se pode
identificar
a
justiça
do
ato
– o
ato
justo
–
como
uma de
suas
“qualidades”.
Não
se entenda
aqui
o
termo
qualidade
como
um
acessório,
destacável do
todo.
A
relação
de
qualidade
deve
ser
entendida
como
conformidade,
do
ser
em
relação
a
seus
fins.
Não
existiriam
assim
condutas
indiferentes
ao
valor
justiça,
condutas
não
passíveis
de valoração.
Como
igualmente
a
totalidade
de
condutas
justas
não
esgotaria a
essência
da
justiça.
O
valor
Justiça
não
é
temporal,
espacial
ou
relativo[lvi].
Caso
contrário,
se a
justiça
não
se mostrasse
transcendental
e houvesse
fundamento
sua
relatividade,
não
seria a
justiça,
mas
sim
esta
ou
aquela
justiça.
Faria,
portanto,
sentido
a afirmação de WITTGENSTEIN de
que
no
mundo
tudo
é
como
é e
tudo
acontece
como
acontece; nele
não
existe
qualquer
valor
- e se existisse
não
teria
qualquer
valor.
E
conseqüentemente
o
termo
justiça
não
representaria
nada
verificável, sendo uma
palavra
vazia,
sujeita
a
ser
definida[lvii].
Assim
também
se posiciona GERMAN BIDART
CAMPOS,
concluindo
que
se
não
há
justiça
como
valor
objetivo,
absoluto
e
transcendente,
e se
tal
valor
não
pode
ser
conhecido
pelo
homem,
as
condutas
alcançariam uma
justiça
relativa,
esta
determinada
subjetivamente,
conforme
cada
juízo
individual[lviii].
Portanto,
não
se pode
confundir
o
valor,
objetivo
e
transcendental,
com
o
juízo
de
valor
que
cada
indivíduo
venha a
fazer,
quando
tenta
captar
no
objeto
o
seu
valor.
Estes
juízos
podem
ser
verdadeiros
ou
falsos,
pois
o
cenário
nos
quais
se realizam os
valores
dependem de
fatores
fenomenológicos
ou
culturais
que
podem
não
se
adequar
à
realidade
ideal
do
valor,
pois
este
depende de
muitos
fatores,
como
o
conhecimento
humano
ä
seu
respeito,
da
capacidade
ou
possibilidade de realizá-lo, etc[lix].
Se os
juízos
de
valor
nem
sempre
são
certos,
sua
correção
somente
pode se
dar
de
acordo
com
um
critério
objetivo,
pois
se
não
se dispõe de uma
fórmula
infalível
para
se
captar
em
toda
a
completude
os
valores
tal
fato
não
demonstra a impossibilidade de
que
se o faça
um
dia
[lx].
Mas
distanciar
o
valor
Justiça
da
natureza
do
Direito
é o
mesmo
que
considerá-la
um
evento
raro
na
experiência
jurídica,
e
isto
desnatura a
essência
“jurídica”
do
fenômeno
observado.
A
Justiça,
que
deve se
mostrar
como
a
meta
da
atividade
essencial
do
jurista
passa
a
ser
considerada
como
um
acidente
de percurso[lxi].
Quando
se assevera
que
o
Direito
foi instituído
para
se
lograr
os
valores
e
em
particular
a
Justiça
pretende-se
indicar
como
elemento
estrutural de
sua
ordem
a
sua
finalidade,
justamente
esta
realização
axiológica,
essência
do
jurídico[lxii].
Como
alude
GARCIA MÁYNEZ: hacer
que
la justicia reine es y debe
ser
aspiración de los
credores,
aplicadores y
destinatários
de sus
normas,
porque
‘la justicia es
valiosa’,
y lo
valioso
‘debe
ser’
[lxiii].
2.3.
O
HUMANISMO
Uma
contribuição
negativa
do
avanço
científico
foi o
desprezo
das
causas
finais
e a
exaltação
das
causas
eficientes
como
instrumento
lógico
para
a
pesquisa
da
natureza,
mesmo
quando
sabemos
que
o
cientista
apenas
detecta
aspectos
que
já
existem na
natureza,
e
mais,
orientados a
realização
de
suas
finalidades
intrínsecas pré-existentes[lxiv].
Daí surgirem
correntes
de
pensamento
que
substituíram os
fins
do
direito
por
sua
capacidade
eficiente
de
apaziguar
os
conflitos
sociais.
Desta
substituição
à
conclusão
de
que
o
Estado
ou
o
governante
é
quem
deve
determinar
o
Direito
foi uma
simples
contratura
mental.
Porém,
nem
todos
os
pensadores
abraçaram esta
idéia.
E
freqüentemente
ecoam
brados
de
alerta
tentando
acordar
os “cientistas
do
direito”
acerca
de
seu
objeto
real,
e
qual
a
finalidade
de
sua
pesquisa:
o
homem.
Quando
se
fala
desta centralização da
atividade
jurídica
na
natureza
humana,
costuma-se
pregar
o
Humanismo.
Seja
com
a
súplica
de SÓCRATES (conhece-te a ti
mesmo),
ou
seja
com
o
conselho
de
SANTO
AGOSTINHO (não
saias
de ti, volta-te
para
ti
mesmo,
a
verdade
habita no
homem
interior),
por
mais
redundante
que
se possa
parecer,
por
vezes
se faz
indispensável
este
conclame de
retorno
do
pesquisador
ao
seu
objeto
de
estudo.
O
Humanismo
pode
ser
conceituado
como
a
tendência
a
tornar
o
homem
mais
humano,
manifestando
sua
grandeza
original,
concentrando o
mundo
no
homem
e dilatando o
homem
ao
mundo,
como
dizia SCHELLER.
Isto
não
implica de
forma
alguma
um
individualismo
desenfreado, e
reconhecer
os
valores
individuais
como
superiores
aos
sociais
não
pressupõe necessariamente a impossibilidade de
cessão
aos
sentimentos
egoísticos
em
favor
do
bem
estar
geral[lxv].
No
campo
jurídico
não
deve
ser
de
outra
forma.
O
homem,
ipse
ser
social,
é
levado
a
constituir
uma
sociedade.
Mas
muito
mais
do
que
apenas
um
ser
dotado de
matéria,
é o
homem
uma
pessoa,
dotada de
um
espírito
que
participa de
sua
essência.
Assim,
esta
sociedade
que
deve
formar
é uma
sociedade
de
pessoas,
e de
pessoas
humanas, e
nada
mais
coerente
que
os
produtos
e
finalidades
desta
associação
as tenham
como
epicentro.
Esta
definição
do
homem
como
pessoa
orienta-se predominantemente
em
sentido
ético,
denotando
que
o
homem
é
sujeito
de
um
mundo
moral,
de
valores[lxvi].
Como
bem
dizia MARITAIN, a
sociedade
implica na
realização
de uma
obra
em
comum.
Ela
é
um
todo
formado de
partes
que
em
si
mesmas
são
outros
todos,
feitos
de
liberdades
e
não
de
células
vegetativas. Tem
por
finalidade
um
bem
que
lhe
é
próprio
e
distinto
dos
bens
individuais,
contudo
devem
ser
por
essência
humanos[lxvii].
Não
é
outra
a
sua
razão
de
existência.
Os
homens
se reúnem
para
algo,
um
objetivo
a
alcançar[lxviii].
E o
que
importa a esta
sociedade,
à
sua
obra
política,
é a
vida
humana
do
todo
social,
formado
pela
individualidade
de
cada
um,
voltada aos
fins
da
vida.
Capitular
outro
objeto
da
sociedade
que
não
a
própria
vida
humana
e as
atividades
voltadas ao
seu
aperfeiçoamento
interno
é
desnaturar
a
sua
constituição[lxix].
Quando
fala
do
progresso
interno
da
vida
humana,
MARITAIN,
autor
de
cunho
cristão,
não
ignora o aperfeiçoamento das
condições
de
vida
material,
mas
enaltece a
preponderância
do enriquecimento
moral
e
espiritual.
Essencialmente,
o
homem
se une
em
comunidade
para
perseguir
o
bem
comum,
não
somente
de uma
categoria
e
sim
de
toda
a
massa,
mas
durante
o
convívio,
progressivamente,
deve
expandir
sua
vida
moral
e
racional[lxx].
A
pessoa
tem a
razão
como
característica
que
a distingue,
centro
da
sua
dignidade,
e é
em
virtude
desta
sua
racionalidade
que
possui
valor
absoluto,
descartada
como
meio
e promovida ao
fim
em
si
[lxxi].
O
homem
e
sua
manifestação
de
alteridade
deve
ser
o
ponto
de
partida
e de
chegada
do
que
se tipifica
como
jurídico,
ou
seja, do
que
se deve
considerar
no
contexto
do
que
é
Direito
e da
aplicação
da
Justiça.
Deve-se
colocar
a
natureza
humana
em
prioridade,
enquanto
a
sociedade
é constituída de
pessoas
humanas. A
personalidade
de
cada
indivíduo
somada à
sua
igualdade
enquanto
pessoa
é o
fundamento
da
Justiça
na
concepção
de HELMUT KUHN[lxxii].
Forja-se
outro
sentido
à
frase
de PROTÁGORAS
que
não
o
individualismo
contemporâneo:
o
homem
é a
medida
de todas as
coisas.
3.
A
SOCIEDADE
Após
as
considerações
acima,
afoitamente
poderiamos
chegar
a
conclusões
que
certamente
entrariam
em
choque
com
o
modelo
atual,
com
as
opções
sociais
em
que
vivem a
maioria
dos
indivíduos.
O
que
se
falar
então
da
necessidade
de
leis
positivadas, de
máquinas
estatais
constituídas?
Não
raro
encontramos
pensamentos
que
questionaram o
modelo
social,
criticando a
necessidade
do
direito
positivo,
e
até
mesmo
da
estrutura
estatal,
a
exemplo
do
socialismo
de KARL MARX.
Porém
a
sua
“sociedade
perfeita”
nunca
chegou a
ser
alcançada,
por
diversos
fatores,
mas
principalmente
pela
liberdade
humana
e,
por
conseguinte,
do
livre
arbítrio
de
cada
ser
pensante.
Impende-se,
portanto,
um
breve
desenvolvimento
acerca
das
leis,
do
Estado
e do
bem
comum,
tão
presentes
e,
porque
não
dizer,
necessários,
para
o atendimento dos
escopos
da
sociedade.
3.1.
A
NORMA
POSITIVADA
Esta é a
seara
de
maiores
ataques
e
discussões
contrárias ao
Direito
Natural.
Os positivistas apontam a
ineficiência
de se
utilizar
um
“código
natural”,
recolhido na
natureza,
sem
poder
coativo,
para
orientar
os
membros
da
sociedade.
E
por
outro
lado,
criticam de
forma
pejorativa
a
existência
destas
leis,
de
tal
sorte
que
se existissem, as
normas
positivadas seriam desnecessárias,
como
que
“ascender
uma
luz
na claridão do
dia”,
porquanto
todo
homem
poderia
captar
o
Direito
naturalmente.
Pode-se
começar
as
argumentações
com
uma
visão
sociológica. EUGEN EHRLICH pondera o
fato
dos
princípios
naturais
não
terem
poder
de
intimidação
para
o
homem,
com
sanções
reais
e
ser
apenas
no
plano
da
moral
que
ele
pode se
ver
pressionado a obedecê-los.
Mas,
mesmo
apresentando uma
perspectiva
social,
EHRLICH aponta
que
não
é
exclusivamente
por
medo
das
leis
civis
ou
penais
que
o
homem
não
comete
crimes
ou
deixa
de
pagar
suas
dívidas,
pois
mesmo
quando
as
normas
positivas perdem
sua
eficácia
–
como
em
casos
de
convulsões
internas –
são
poucos
os
que
se cometem a
participar
de
assassinatos,
assaltos,
depredações;
e
em
períodos
de
calmaria,
o
devedor
procura
cumprir
seus
compromissos;
se
por
um
lado
não
fica provada a motivação
interna,
de
outro
se demonstra
que
não
é a
coação
da
lei
que
determina as
condutas[lxxiii].
É o
que
assevera GARCIA MÁYNEZ
como
adesão
espontânea.
Nela o
medo
do
castigo
não
representa
nenhum
papel
e o
comportamento
do
indivíduo
se conduz
pela
convicção
da
realização
dos
valores[lxxiv].
O
homem
é
um
ser
limitado,
sujeito
à
ignorância
e ao
erro
e
apesar
dos
conhecimentos
que
possui,
ainda
que
estreitos,
torna-se
por
vezes
servo
de
suas
inúmeras
paixões[lxxv].
Mas
a possibilidade dos
homens
viverem
apenas
seguindo
suas
paixões
é
deveras
arriscada,
pois
ainda
que
todos
fossem,
por
natureza,
iguais,
esta
mesma
natureza
possui
algo
capaz
de
orientar
as
condutas,
tanto
no
caminho
correto
como
no
seu
reverso.
A
este
“privilégio”
concedido ao
ser
humano
chama-se
livre
arbítrio,
sempre
presente,
conforme
nota
RECASÉNS SICHES: a
vida
é
sempre
um
fazer
algo
concreto,
positivo
ou
negativo[lxxvi].
O
homem
está “condenado” a
ser
livre,
disse SARTRE. E esta
liberdade
o permite
atuar
de
acordo
com
sua
vontade.
Video melliora proboque, deteriora sequor – “vejo o
bem,
estimo-o, e sigo o
pior”
- disse OVÍDIO. O
homem,
dotado de
livre
arbítrio,
é
capaz
de
escolher
seu
caminho,
direcionado
ou
não
para
o
bem.
Ele
enxerga, diz
OVIDIO,
mas
pode
não
segui-lo. Prefere distanciar-se de
sua
natureza.
E é
este
livre
arbítrio
que
justifica a
elaboração
das
leis,
sua
positivação,
para
orientar,
e
até
coagir,
aqueles
que
não
enxergarem,
ou
que
enxergando, insistirem
em
se
distanciar
do traçado do
bem
comum.
Neste
sentido,
MARITAIN se posiciona: O
Estado
tem o
direito
de
me
punir
se,
minha
consciência
tendo ficado
cega,
eu
cometo, seguindo
minha
consciência,
um
ato
em
si
mesmo
criminoso
ou
delituoso[lxxvii].
A
maior
vantagem
proporcionada
pela
norma
positivada é,
sem
dúvida,
a
segurança
que
irradia à
comunidade
a
qual
se aplica.
Segurança
que
mantém a
ordem
jurídica,
protegendo as
estruturas
do
poder
e dos
direitos
individuais,
autonomia
do
Judiciário,
dentre
outras
formalidades
e
liberdades
inerentes
ao
convívio
social[lxxviii].
Então
são
elas,
as
leis,
mandamentos
certeiros
e confiáveis
para
o
alcance
das
finalidades?
Infelizmente
não.
Como
obras
dos
seres
humanos,
imperfeitos
que
são,
também
as
leis
poderão se
mostrar
visões
deturpadas,
vítimas
de
circunstâncias
conturbadas vivenciadas
pela
sociedade.
Apesar
de
sua
importância,
o
direito
não
se resume a
elas,
ao legalismo, e o
dogma
do encarceramento no
conjunto
das
leis,
de
onde
devem
ser
deduzidas as
soluções
judiciárias, causou e
ainda
causa
prejuízos[lxxix].
Mesmo
assim,
despontam
como
tentativas
de
mostrar
o
caminho
correto,
tanto
um
castigo
quanto
uma “mão
estendida”,
necessária
à
trajetória
do
ser
social,
desde
que
se mantenha
em
evolução
e
atento
à possibilidade de
enxergar
além,
um
pouco
mais
no
rumo
certo,
e esteja
pronto
para
quando
necessário,
movimentar
as
forças
para
transpassá-la. A
natureza
humana
não
é
imutável,
e existem
peculiaridades
universais
relacionadas à
evolução
dos
seres
humanos,
tanto
entre
homens
primatas
como
de
civilizações
avançadas,
que
trazem
consigo
adaptações
das
sensibilidades
e das
reações
humanas[lxxx].
O
homem
civilizado pode
considerar
alguns
princípios
gerais
como
imperativos
racionais
para
a
condução
da
conduta,
que
um
primata
morador das
cavernas
ainda
não
tenha considerado
necessários
e
entre
estes
princípios
fundamentais
poderão
estar
incluídos
tribunais
e
leis
positivadas.
Assim
como
MONTESQUIEU enunciou
que
As
leis,
na
mais
ampla
acepção,
são
as
relações
necessárias
que
derivam da
natureza
das
coisas[lxxxi]
(grifo
nosso),
EHRLICH rogou
ser
necessário
acostumar-se
que
as
intenções
daquele
que
escreve uma
lei
não
deve
ter
importância
para
suas
conseqüências,
e
que
o
essencial
é
que
tal
lei
se mostre
um
meio
adequado
para
se
alcançar
o
objetivo[lxxxii].
Os
ensinamentos
de
SANTO
TOMAS DE AQUINO descrevem
que
as
leis
devem
ser
sempre
um
ordenamento da
razão
para
o
bem
comum
e
sempre
que
se distanciem do
direito
natural
se revelarão injustas e desarrazoadas,
não
mais
podendo
ser
chamadas
de
lei,
mas
somente
de uma “corrupção”
da
lei.
Aborda
um
tema
polêmico,
pois
acreditava num
legítimo
direito
de
resistência
e de
desobediência
às
leis
promulgadas
por
tiranos,
que
prescrevessem
algo
contrário
à
lei
divina[lxxxiii].
O
que
soa
como
relíquia
ideológica pode
ser
mais
atual
do
que
parece,
pois
ainda
hoje
encontramos
autores
e
textos
que
discutem esta possibilidade,
principalmente
no
tocante
aos intitulados
Direitos
Humanos[lxxxiv].
Como
ilustração
apresenta-se
um
trecho
do
escrito
de CARLOS S.
OLMO
BAU relacionado ao
que
chamou de
desobediência
civil:
es posible
negar
la identificación
entre
Justicia y Ley o, utilizando otra terminología,
entre
Derecho y Ordenamiento
jurídico
(sin
por
ello caer en las
garras
del iusnaturalismo).
Como
apuntara hace ya años Javier de Lucas, la ley -el ordenamiento- es derecho, pero
no es
todo
el Derecho y puede contradecir a
este,
colisionar con él.
Desobedecer
la ley, entonces, no tiene
por
que
ser
sinónimo de
desobedecer
al Derecho. Es más, es posible
desobedecer
la primera
precisamente
para
no
desobedecer
o
para
defender
al
segundo[lxxxv].
3.2.
O
ESTADO
É
comum
associarmos à
idéia
de
Estado
à de
máquina
administrativa,
à de
superestrutura
criada
pelo
homem
para
reunir
determinado
povo,
ocupante
de
um
determinado
território,
sobre
um
governo
soberano,
como
classicamente indicou MALBERG.
Quase
sempre
quando
se
pensa
em
Direito
implicitamente se
pensa
em
Estado
como
instância
objetiva
que
impõe
coercitivamente
o
cumprimento
dos
preceitos
jurídicos
positivos.
Por
outro
lado,
como
destaca RECASÉNS SICHES,
quando
se
pensa
em
Estado
também
se implica a
referência
ao
Direito,
sendo
aquele
o
órgão
deste[lxxxvi].
Em
uma
reflexão
filosófica somos
levados
a
reconhecer
um
conceito
mais
profundo,
referente
a esta
gênese.
Iniciando esta
reflexão
observamos
que
os
ditos
“elementos”
de MALBERG (povo,
território,
governo
soberano)
nem
sempre
se encontram
presentes
e
que
tampouco
a
vontade
é
fundamental
para
o
surgimento
desta
reunião.
Foram os contratualistas
que,
conscientemente
ou
não,
incluíram a
idéia
de
vontade
para
a
formação
do
Estado.
O
ser
humano,
necessitando da
conservação
de
seus
direitos,
salta
de
seu
estado
inicial
de
solidão
e une-se aos
semelhantes,
voluntariamente abdicando de
seus
direitos,
ou
de
sua
total
liberdade,
em
função
da
criação
do
Estado.
LOCKE, HOBBES e
mesmo
ROUSSEAU explicitam esta
vontade
como
fomentadora
estatal.
A
verdade
é
que
nenhum
homem
se
encontra
ou
já
se encontrou
sozinho
no
mundo,
completamente
isolado dos
demais.
A
idéia
de
natureza
humana,
como
a citada
por
HOBBES
como
o
estado
de
natureza,
esta,
sem
contato
com
a
sociedade,
nunca
existiu[lxxxvii].
Por
outro
lado
existiram
também
os filósofos
como
ARISTÓTELES e
SANTO
TOMAS
que
apontaram a
natureza
gregária,
social
do
ser
humano,
levado
naturalmente
à
associação,
como
forma
de
realização
pessoal.
Desta
forma,
o
Estado,
antes
de se
constituir
a
máquina
superior
ou
centro
de potestade, constitui-se uma
reunião
finalística. Lê-se
em
SANTO
TOMAS DE AQUINO
que
sendo o
homem
um
animal
político
por
natureza
o
Estado
revela-se
em
uma
necessidade
natural
para
sua
vida.
Esta
estrutura
é de
suma
importância
de
tal
sorte
que
caso
tal
Estado
constituído
não
estivesse a
conduzir
seus
integrantes
ao
bem
comum
e respeitando os
direitos
da
pessoa
humana
seria
passível
de uma
derrocada,
justificando-se a
revolução,
se
necessária,
empunhando-se as
armas[lxxxviii].
O
Estado,
sociedade
perfeita,
possui
um
fim
próprio,
ou
seja, a
realização
do
bem
comum,
que
torna
possível
a
plena
realização
do
homem,
o
que
deve
ser
acatado
pelos
que
são
encarregados
de
sua
condução.
Aos
positivistas e aos
adoradores
do
estrito
normativismo, o
Estado
se
fundamenta
na
força,
e se revela
como
um
agrupamento
em
direção
a
um
fim.
Todavia,
este
fim
deve
ser
determinado
pelo
próprio
Estado.
Mesmo
em
correntes
mais
humanitárias,
como
a
doutrina
de LEON DUGUIT,
não
se subtrai a
força
como
o
fundamento
do
Estado.
Aos
menos
DUGUIT reconhece
que
esta
força
deve
ser
legitimada, sendo exercida
em
conformidade
com
o
direito,
ainda
que
se refira ao
direito
positivo[lxxxix].
O
que
nem
sempre
se tem
em
evidência
é o
fato
de
não
se
poder
mitigar
a
justiça
sobre
pretextos
díspares.
Os
juizes,
aclamados
para
praticá-la,
não
podem
ser
substituídos
por
uma
espécie
de
administração,
descarregando
suas
obrigações
nos
ombros
de
peritos
e inquisidores[xc].
Em
decorrência
da
sua
racionalidade
é o
homem
um
ser
social.
Ao
lado
da
sua
individualidade,
é o
homem
também
fundamentalmente
social.
E o é
por
sua
ontologia
e
pelo
seu
anseio
de
plenitude.
Nenhuma
pessoa
humana
se realiza
sem
a intersubjetividade e
sem
a participação
em
um
plano
envolvente e
solidário
a todas as
pessoas[xci].
O
Estado
então
é
inevitável,
mas
isto
não
lhe
qualifica
como
a
finalidade
última
da
existência
humana.
Ao
contrário,
deve
ser
ele
o
meio
pela
qual
cada
ser
consiga
atingir
sua
plenitude.
E a
ele
somente
devem
ser
entregues
as
atividades
essenciais
e indispensavelmente colimadas
diante
de
sua
própria
razão
criadora,
ou
seja, daquilo
que
individualmente
seja
penoso
de se
consumar.
Esta
associação
chamada
Estado
existe
porquanto
cada
ser,
buscando o
seu
bem,
converge
em
determinados
momentos
do
seu
único
trajeto
em
direção
ao
bem,
o
que
confere a
certas
situações
apresentadas
como
individuais
a
característica
de coletivas,
portanto,
de
bem
comum.
O
Estado
não
é uma
realidade
já
feita
e apresentada
como
algo
que
se possa
colher
e
usufruir
e,
muito
menos
uma
invenção
artística
do
homem;
ele
é “vivido”
por
este
como
sinal
essencial
de
sua
natureza
humana[xcii].
E sendo a estatalidade
algo
inerente
a esta
natureza
o
bem
especial
que
forma
e justifica o
Estado
deve fundar-se no bonum humanum[xciii].
3.3.
O
BEM
COMUM
Estamos
em
caminho,
disse BASAVE DEL VALLE.
Estar
em
caminho
é uma
dimensão
ontológica
do
ser,
embora
nenhum
homem
possa se
considerar
realizado
enquanto
viva[xciv].
Neste
caminho
deve-se
ter
sempre
em
mente
a
essência
e
existência
social
do
homem,
pois
é
dentro
de
seu
convívio
em
sociedade
que
cada
qual
deverá
buscar
a
realização
dos
seus
fins.
Conseqüentemente,
sendo o
convívio
algo
inerente
a
sua
realização
como
ser,
enquanto
procura
alcançar
seu
bem
individual,
participa da
busca
do
bem
social,
ou
também
chamado
bem
comum.
É
certo
que
quando
se
fala
em
bem
comum
logicamente
não
se
deseja
equipará-lo à
soma
dos
desejos
individuais,
pois
alguns
destes
desejos
podem se
revelar
desarrazoados
ou
prejudiciais
à
coletividade,
e
nem
tampouco
se pode identificá-lo
com
os
desejos
dos
governantes
ou
grupos
dominantes[xcv].
O
que
se deve
destacar
é a compatibilidade de
diretrizes
que
o
fim
individual
de
cada
ser
humano
deve
conferir
ao
bem
comum.
Quando
se
fala
da
realização
dos
fins
fala-se
em
convergência
da
realização
do
fim
da
pessoa
humana,
de
cada
valor
absoluto
buscado
pela
natureza
do
homem,
pois
tudo
o
que
vai de
encontro
a esta
finalidade
não
pode
ser
favorável
à
realização
do
bem
comum.
De
acordo
com
este
pensamento
RECASÉNS SICHES destaca
que
não
pode
existir
contradição
entre
os
valores
individuais
e os
coletivos,
pois:
dentro
de uma concepción personalista o
humanista,
em
la cual la realización de los
valores
sociales
y
estatales
es interpretada
como
la condición o el
instrumento
para
que
puedam
ser
cumplidos los
individuales,
no hay oposición
entre
esos dos
tipos
de
valores[xcvi].
Com
autoridade,
o
eminente
filósofo
trata
da
necessidade
da
organização
social
como
o
meio
para
a
realização
do
que
chama
de “supremo
fim”,
consistente na
realização
dos
valores
individuais,
não
somente
por
um
indivíduo,
mas
por
todos
os participantes[xcvii].
É
tendendo a
realizar
o
eu
lhe
parece
ser
o
bem,
em
harmonia
com
seus
semelhantes
que
o
homem
se revela a
si
mesmo
e aos
outros[xcviii].
Não
é
outro
o
pensamento
de BASAVE DEL VALLE.
Em
obra
de
indispensável
leitura,
afirma
que
o
homem,
no
seu
desejo
de
plenitude,
é
essencialmente
social[xcix].
E sendo
assim,
a
sociedade
humana
é a
união
dos
esforços
dos
homens,
de
um
modo
estável,
para
a
realização
de
seus
fins
individuais
e
comuns,
que
não
são
outros
senão
a
consecução
do
bem
próprio
e do
bem
comum[c].
A
vida
humana
não
se
esgota
na
vida
individual,
senão
transcende
esse
âmbito
e se configura
como
existência,
como
alteridade[ci].
O
mesmo
autor
enfatiza a
concepção
tomista-aristotélica das
causas
da
sociedade,
apontando o
bem
comum
como
sua
causa
final:
bem
obtido
individual
e
simplesmente
por
todos
os
seus
membros.
Mas
o
bem
comum
é
um
fim
intermediário
– “finis a quo” –
em
virtude
do
qual
cada
membro
do
corpo
social
obtém o
seu
bem
pessoal.
O
bem
comum
deve
ser
a
satisfação
de todas as
necessidades
do
homem:
físicas,
intelectuais,
morais
e religiosas[cii].
No
desfecho
de
seu
raciocínio,
o
autor
destaca o
fato
do
desenvolvimento
da
vida
espiritual
do
homem
tomar
corpo
enquanto
coexiste
com
os
outros.
Indivíduo
e
sociedade
são
duas
faces
da
mesma
moeda,
aspectos
essenciais
da
pessoa.
A
tentativa
de
destruição
de
qualquer
um
deles é
um
atentado
quanto
à
própria
pessoa.
Antes
de
qualquer
outra
apetência,
o
homem
acha-se destinado,
desde
as
maiores
profundidades
de
seu
ser,
a
viver
socialmente[ciii].
Resta-nos,
ainda,
algumas últimas
considerações
quanto
ao
bem
comum,
situando a
relevância
do
direito
e da
justiça
para
sua
concreção.
GARCÍA MÁYNEZ enfoca o
tema
com
presteza
quando
diz
que
sem
justiça
o
bem
comum
não
pode
existir,
pois
aquela é
condição
necessária
da
sua
realização[civ].
E ao
seu
lado
MIGUEL REALE confere
como
valor
do
Direito
a
Justiça,
não
simplesmente
fórmula
aritmética
e
formal
das
condutas
individuais,
mas
sim
como
uma
unidade
de
atos
de
modo
a constituírem
um
bem
intersubjetivo,
ou
bem
comum[cv].
CONCLUSÃO
Quando
se
fala
do
Direito,
logo
nos
surge a
idéia
de ordenamento
jurídico,
conjunto
de
leis
de
um
determinado
povo
em
um
determinado
território.
Obviamente
tal
conclusão
não
se aproxima de
um
conceito
filosófico,
ontológico
do
que
é o
direito.
O
próprio
termo
“direito”
nos
aproxima do
que
é “certo”,
“correto”.
O
grande
dilema
é
saber
“o
que
é
certo”,
“o
que
é
correto”,
em
suma,
“o
que
é
direito”.
Ao
longo
dos
tempos
vemos o
termo
direito
sendo utilizado
ora
sozinho,
ora
predicado,
e neste, na
maior
parte
das
vezes,
é
tratado
como
coisa
distinta,
em
decorrência
do
predicado
atribuído.
Assim
o
Direito
Positivo
é
tratado
com
diversidade
do
Direito
Natural,
do
Direito
Divino,
do
Direito
dos
homens,
do
Direito
Ideal,
do
Direito
Racional,
e
assim
por
diante.
Teria
fundamento
uma
distinção
desta
estirpe,
quem
sabe, se encarássemos o
Direito
apenas
em
sua
forma
adquirida
por
conveniência
pontual,
seja
por
motivos
didáticos,
científicos
ou
egoísticos. É o
que
se
mostra
mais
comumente
nos
linguajares
jurídicos,
nas
peças
judiciais,
nos
bancos
escolares
e
até
nos
discursos
parlamentares,
sem
mencionar
poderosos
oportunistas,
destinados a se
manter
na potestade
ou
a adquiri-la.
Por
vezes
o
discurso
se repete
por
ignorância
ou
deficiência
intelectual,
ou
por
vezes
pela
simples
preguiça
mental
de
desenvolvimento
filosófico, preferindo o palestrante
permanecer
na
comodidade
e conveniência da
posição
da “maioria”.
É,
portanto,
necessário
um
predicado
para
se
pronunciar
o
Direito?
Aos
que
apenas
identificam
sua
forma,
seu
aspecto
formal,
talvez.
Mas
a
partir
do
momento
em
que
se tenha a
coragem
de
admitir
seu
conceito
material,
seu
conteúdo,
o
predicado
se
torna
supérfluo,
pois
independentemente
da
forma
que
se pretenda
adotar,
o
conteúdo
sempre
deverá
ser
o
mesmo:
a
Justiça.
A
partir
desta
declaração
poderá se
pensar
que
somente
a
finalidade
comum
perseguida
justamente
é
suficiente
para
fundamentar
o
Direito.
Mas
o
que
se deve
ter
à
frente,
como
meta
a
ser
alcançada,
como
fim
comum
a
ser
atingido
não
é
qualquer
um,
determinado
pela
vontade
de
um
ou
alguns.
A
vontade
mostra-se
como
fator
importante
no
processo,
pois
deverá se
voltar
à
consecução
dos
escopos.
O
homem
faz
uso
da
vontade
para
orientar
seus
movimentos,
mas
mesmo
ela
deve se
guiar
por
algo
maior.
Não
é,
portanto,
a
vontade
que
elege o
fim
a
ser
galgado.
Ele
já
existe, no
interior
de
cada
ser
que,
para
se
completar,
deve
buscar
durante
toda
a
sua
existência
a
realização
deste
fim.
Mas
qual
é
este
fim?
E
como
realizá-lo?
Todo
ser
possui
sua
natureza.
E de
acordo
com
esta deve-ser,
para
cumprir
seu
objetivo,
aquilo
para
o
qual
existe. O
ser
humano,
no
entanto,
possui
um
diferencial: a
razão.
E
junto
a
ela,
defeitos
e
virtudes
inerentes,
e
que
se apresentam
em
seu
caminho
à
completa
realização.
O
homem
é
livre,
para
direcionar
seus
atos
a
qualquer
ponto,
mesmo
que
o
leve
por
caminhos
errados,
contrários
a
sua
natureza.
O
livre
arbítrio
pode
fazer
com
que
o
ser
humano
enxergue a
direção
correta,
aquela
que
o levaria
mais
próximo
de
seus
fins,
e
mesmo
assim,
renegando
sua
origem,
posicionar-se
em
direção
oposta,
percorrendo, se
assim
for
sua
intenção,
percursos distorcidos e
penosos,
que
em
ultima
instância,
podem levá-lo
até
mesmo
à
sua
destruição.
Ao tratarmos de
sua
realização
como
ser,
nota-se
como
evidente
sua
gênese
social.
O
homem
é
não
apenas
por
necessidade,
mas
por
origem,
um
ser
gregário,
social,
relacionável,
que
precisa
do
convívio
em
sociedade,
da
fraternidade
de
seus
semelhantes
para
alcançar
o
objetivo
de
sua
vida,
de
tal
sorte
que
quando
busca
o
bem
comum
determinado
pela
comunidade
da
qual
participa, na
verdade
busca
igualmente
o
seu
bem
individual,
pois
este
somente
será possivelmente atingido
com
a participação de
seus
iguais.
O
bem
comum
assim
se orienta
pela
finalidade
da
natureza
humana.
Neste
contexto
de relacionamento
entre
os
seres
humanos
na
busca
do
bem
comum
fala-se do
Direito.
As
relações
sociais
devem
ser
orientadas à
exaltação
dos
valores
humanos,
valores
que
são
identificáveis
nos
seres,
e
capazes
de serem apreendidos. E o
valor
norteador dos
atos
sociais,
fundamento
e
preocupação
do
Direito,
não
é
outro
que
a
Justiça.
Quando
se
fala
dos
valores
encontra-se uma
forte
oposição
quanto
a
sua
gênese,
se
subjetiva
ou
objetiva.
Coloca-se a
questão:
são
os
valores
expressões
do
ser,
um
estado
de
sua
natureza,
ou
ao
contrário,
são
eles
sentimentos
internos,
subjetivos
do
observador?
O
que
se pode
depreender
do
estudo
acerca
dos
valores
é a
sua
objetividade.
Eles
são
na
verdade
expressões
do
ser.
Não
se coloca o
valor
nas
coisas,
elas
já
o possuem. O
observador
é
capaz,
através
de
sua
razão,
de captá-los e identificá-los,
objetivamente,
ou
seja, no
objeto.
E
aqui
não
se confunda o
que
se tem
por
valor
e o
que
se tem
por
preço,
que
é na
verdade
uma aferição da
utilidade
do
objeto
de
acordo
com
sua
necessidade
momentânea.
Fala-se do
valor
inerente
ao
objeto,
no
curso
de
sua
existência,
e
que
não
pode
ser
subjetivamente
determinado.
Não
existirá
então
momento
subjetivo
na
concepção
dos
valores?
Obviamente existe a participação do
sujeito
no
processo
valorativo.
Mas
o
que
se pretende
afirmar
é
que
mesmo
entre
povos
e
culturas
diferentes,
os
valores
das
coisas
são
os
mesmos,
pois
integram o
objeto.
O
que
se
processa
subjetivamente
em
verdade
é a
escala
individual
de
valores.
Portanto,
o
que
pode
acontecer
com
determinado
povo
em
determinada
época
é uma alteração na
escala
de
valores
da
sociedade,
devido
a conturbações
ou
pacificações
históricas,
em
acordo
com
o
momento
vivenciado
pelos
seus
membros.
Ao
conceito
de
Direito,
necessariamente refere-se o
seu
condicionamento axiológico,
ou
seja, a
Justiça,
valor
buscado
por
aquele.
E sendo a
Justiça
um
valor,
pode
ser
apreendido
no
objeto
que
qualifica. O
observador
é
capaz
de
identificar,
no
ato
praticado,
sua
justiça.
Porquanto
o
homem,
na
busca
de
sua
realização,
a faz
em
convívio,
manterá
constantemente
com
seu
semelhante
certas
relações.
Na
busca
do chamado
bem
comum
deverá comportar-se
em
conformidade
com
a
escala
de
valores
de
sua
época
e de
sua
comunidade,
e
orientar
suas
condutas
de
acordo
com
estes
fins
eleitos,
que
deverão
estar
em
harmonia
com
sua
natureza
humana,
para
que
seus
atos
sejam qualificados de
justo,
e
assim,
conforme
ao
direito.
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