O Homem e o Direito[1]

 


Jacy de Souza Mendonça é Livre Docente em Filosofia do Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ex-professor de Filosofia do Direito do curso de Pós-graduação da PUC-SP.


 

      

Três são as propriedades essenciais, inerentes à natureza humana: a liberdade, a racionalidade e a sociabilidade. Liberdade é a possibilidade que exclusivamente o homem tem de optar entre alternativas, até mesmo entre o bem e o mal – a possibilidade de escolher o que corresponda ao seu interesse e rejeitar o que não lhe corresponda; racionalidade é a possibilidade também só a ele assegurada de, a partir de verdades genéricas iniciais, evidentes por si mesmas, chegar ao conhecimento objetivo do que lhe era antes desconhecido; sociabilidade é a faculdade de (con)viver, de forma inteligente e livre, com seus semelhantes. A rigor, não são meras possibilidades, mas necessidades, porque o homem é obrigatoriamente livre, inelutavelmente racional e não pode apenas viver, necessita conviver. Autêntica vida humana é relação com outro – livre e inteligente – e autêntica ação humana é relação social.

Dentro deste quadro, que sintetiza o resultado de investigações antropológicas, o mercado é um complexo de relacionamentos também inteligentes e livres no qual estão, de um lado, aqueles que, em conseqüência à divisão do trabalho, dispõem de bens ou serviços e estão dispostos a oferecê-los no convívio aos demais, em regime de concorrência mediante compensação econômica; e de outro, estão aqueles que, necessitando, material ou psicologicamente, desses bens e serviços ofertados, estão dispostos a adquiri-los. Antes de qualquer coisa, portanto, mercado é um complexo de relacionamentos, o que exclui ab initio toda e qualquer forma de monopólio e suas variantes. Em segundo lugar, ele decorre da necessidade da divisão do trabalho em sociedade – como ninguém pode produzir tudo aquilo de que necessita, deve adquirir dos outros o que lhe falta, o que é possível dentro de um processo de troca de bens in natura ou pela utilização da moeda como intermediário. Além disso, para caracterizar-se como mercado, o relacionamento deve ser livremente exercido – e não imposto a qualquer uma das partes da relação. Resulta daí a necessidade da livre concorrência, que só poderia ser dispensada se não houvesse o pressuposto da liberdade no mercado ou se nem todos fossem livres para dele participar. Sem livre concorrência não há liberdade no mercado e sem liberdade não se estrutura o mercado. Este, todavia, há de sobreviver, mesmo nestas condições adversas, apenas sob a forma do mercado paralelo. O motor que move o mercado é o objetivo de lucro. O fornecedor, no exercício de sua liberdade, estipula as condições de oferta que lhe são convenientes e cada interessado na aquisição decide se está ou não disposto a aceitá-las. No outro extremo da relação, portanto, estão os adquirentes de bens e serviços que, exercendo também sua liberdade, optam por adquirir o objeto da oferta e escolhem o fornecedor e as condições de seu agrado. O Estado participa desta relação, fundamentalmente, com a obrigação de proporcionar e assegurar a seus dois termos condições que possibilitem o exercício da livre concorrência, da livre oferta e da livre aquisição, sem prejudicar o bem comum. Ele jamais deveria participar do mercado como fornecedor porque o desequilíbrio gerado pela força de sua presença inviabiliza o pressuposto da livre concorrência; historicamente está mostrado e demonstrado que ele só tem condições de praticar atos típicos do mercado, como fornecedor, em regime de monopólio, ou seja, destruindo a livre concorrência e, portanto, o próprio mercado. Pode, porém, operar como adquirente de bens e serviços. Seu papel fundamental é o de fiscal do cumprimento das leis, do respeito à liberdade de oferta por qualquer interessado e da fidelidade às promessas feitas ao consumidor. Sob a ótica do adquirente, deve cuidar no sentido de que sejam cumpridas as obrigações por ele assumidas na aquisição dos bens e serviços e protegê-lo quanto ao cumprimento das obrigações legais e contratuais a que está sujeito. Por tudo isso, o livre mercado é incompatível com abusos como o monopólio, a cartelização, as reservas, subsídios e todas as formas de benefícios e privilégios a alguns em detrimento dos demais.

Todas as relações humanas são naturalmente presididas por regras, que podem, com maior ou menor dificuldade, conforme sua complexidade e a aptidão do investigador, ser descobertas pela razão. Estas regras traçam limites dentro dos quais opera a liberdade individual. Outra vez, para que se assegure a liberdade, tais regras não podem ser gratuitas e arbitrárias, fruto do alvedrio de quem as edita, mas devem emergir essencialmente da natureza da própria relação de mercado. Em certas relações humanas, a origem natural da norma é plenamente evidente. As relações pai-mãe, pais-filhos, por exemplo, são estabelecidas por regras naturais absolutamente evidentes a qualquer um. Mas há relações cuja disciplina não se apresenta tão nitidamente emergente de sua natureza, mais parecendo resultarem de decisão arbitrária dos detentores do poder, da vontade do mais forte. De qualquer forma, elas devem resultar e traduzir as normas naturais da relação humana. Admitidos os pressupostos de liberdade, racionalidade e sociabilidade da natureza humana, elas adquirem satisfatório grau de evidência para o investigador.

Além de sua origem natural, tendo em vista que as regras que disciplinam o relacionamento humano devem ser aplicáveis e exigíveis de todos, faz-se necessário, ou pelo menos conveniente, editá-las por escrito, torná-las positivas, acessíveis ao conhecimento de todos, formando o sistema das leis positivas. Na verdade, porém, esta concretização sob a forma do Direito Positivo é normalmente apenas uma explicitação ou complementação do que está disposto na natureza das coisas. O não matarás, por exemplo, emana imediata e evidentemente da natureza humana, apesar disso, é traduzido também sob forma positiva nos códigos penais para tornar mais fácil e mais efetiva sua exigibilidade.

As normas que regulam as relações humanas (inclusive as relações de mercado) são, assim, naturais – evidentes por si mesmas – ou positivadas, isto é, descritas e implantadas pela autoridade, direta ou indiretamente, como explicitadoras ou complementares das leis naturais. Por isso, a partir da investigação das normas positivas, a razão humana é capaz de descobrir e desvelar a essência de todas as regras, isto é, sua origem natural.

As normas que disciplinam o relacionamento humano variam também quanto à natureza de seu conteúdo, podendo ser jurídicas, éticas ou de etiqueta.

Regras jurídicas são as que, decorrentes da natureza do relacionamento ou promulgadas pelos encarregados de gerir a comunidade, disciplinam as relações humanas com o escopo de adequá-las às exigências do convívio. É a finalidade do Direito: fazer com que o comportamento individual esteja sempre em conformidade com as exigências da sociedade, com as condições que proporcionam a todos e a cada um sua realização integral como pessoa. Regras éticas são aquelas que norteiam o agir humano no sentido de fazê-lo conforme à natureza do agente. Normas de etiqueta (ou pequena ética) são as convencionadas e adotadas pelos usos e costumes de uma comunidade, variáveis no tempo e no espaço e sem a gravidade das sanções das duas anteriores.

Distingue-se ainda moral de moralidade, que é a forma como as pessoas, em um determinado lugar e em uma determinada época, vivem habitualmente as normas morais.

Como todas as relações sociais são ou podem ser objeto de disciplina jurídica, também o mercado pode sê-lo. Discutível, porém, é a afirmação de que o mercado seja regido também por normas éticas. Mas certamente, em cada comunidade, há preceitos convencionados e reiteradamente aplicados às relações de mercado, ou seja, normas que correspondem à moralidade do mercado.

Mercado não é uma realidade concreta, mas a tessitura de um conjunto de relações humanas que têm como objetivo a distribuição concorrente e livre de bens e serviços segundo as leis da divisão do trabalho e da oferta e procura. Como ocorre com todas as demais, destas relações resultam naturalmente normas que devem ser obedecidas em seu exercício. A História do Direito revela à saciedade como as regras jurídicas de mercado surgiram espontaneamente, como exigência da prática comercial, a tal ponto que, na ciência do Direito, a origem do Direito Comercial é apontada sempre como consuetudinária, isto é, como resultante dos usos e costumes na prática do mercado. Seriam normas jurídicas naturais do mercado misturadas a normas de moralidade ou etiqueta nele vigentes. A partir delas, graças a um esforço racional, são elaboradas as regras positivas que disciplinem esta modalidade de relacionamento humano, buscando sua adequação às exigências do convívio, ou do bem comum. Portanto, não são e não poderiam ser também, normas arbitrárias, pois devem necessariamente decorrer da natureza do relacionamento e ser apenas explicitação, complementação, detalhamento das regras essenciais.

As pessoas que atuam no mercado não visam direta e imediatamente nem os fins da natureza humana (questão ética), nem os fins da sociedade na qual ele se desenvolve (questão jurídica). Visam vantagem econômica que, do lado do fornecedor, se traduz como lucro compensatório e, do lado do comprador, em preço conveniente. Nenhum vendedor deseja ganhar menos do que pode e nenhum comprador deseja pagar mais do que pode. No entanto, como o mercado se desenvolve no todo da convivência social, o comportamento de todos os participantes do mercado deve compatibilizar-se com as exigências gerais deste – ou seja, sujeitar-se às regras jurídicas vigentes na comunidade em que se desenvolvem. O mercado é praticado em liberdade, isto é, todos podem dele participam ou não, se quiserem, e nos limites deste querer, mas o campo de exercício desta liberdade está delimitado pela regra jurídica que aponta o que pode e o que não pode ser feito para que seja preservado o bem comum a todos os que convivem.

Falso, portanto, definir o livre mercado como sistema que preconiza sua prática sem sujeição a qualquer regra, pois regra sempre haverá. O laissez- faire, laissez-passer foi bandeira utópica daqueles que estavam exaustos, em razão do esmagamento determinado pelo intervencionismo estatal em todas as relações humanas, inclusive nas relações de mercado. Não resistiu à crítica, porém, exatamente por negar algo inegável, que é a necessidade de sujeição da prática de mercado à disciplina jurídica. Mas o que se afirma com o livre mercado não é nem o mercado sem regras do utópico laissez-faire nem o intervencionismo onipotente do Estado. Livre mercado significa apenas que às pessoas deve ser assegurada a possibilidade de nele ingressarem ou não, oferecendo e adquirindo, ou não, o que lhes aprouver, nos limites estipulados pela lei, nunca sujeitas ao arbítrio dos poderosos. Nem a deificação de um fictício mercado sem regras, portanto, nem a deificação de um Estado todo poderoso capaz de substituir a vontade dos participantes do ato econômico. O que há de caracterizar a liberdade no mercado é sua sujeição exclusivamente às regras legais, ou seja, aos princípios genéricos previamente editados na sociedade por quem recebeu atribuições para fazê-lo, com vistas a assegurar as condições indispensáveis à convivência. A liberdade dos agentes do mercado se exercerá, então, nos limites da lei e só nestes limites. Isto é livre mercado. O que repugna aos defensores desta idéia é a intromissão do poder político, determinando arbitrariamente o que pode ser feito ou não, de acordo seus interesses momentâneos ou suas ideologias políticas, substituindo a vontade livre dos cidadãos, desconhecendo as necessidades dos adquirentes na relação de mercado e sem condições, portanto, de supri-las. Só a lei, em sentido específico, pode traçar as fronteiras do ato comercial.

As regras éticas visam a conduzir a ação humana no rumo dos fins da natureza humana. Para serem aplicadas, não exigem relação humana: basta-lhes a ação individual – o comportamento de um homem isolado pode ser qualificado de moral ou imoral, ético ou antiético; as regras morais não estão também focadas na defesa e realização dos fins e das exigências gerais do convívio – seu norte é apenas a realização integral da natureza humana.

Os dois termos, ética e moral, têm origem etimológica comum, pois derivam de costume, no primeiro caso a partir da língua grega (etos) e no outro do latim romano (mos). Algumas distinções entre os dois, um pouco mais sofisticadas, têm sido tentadas: segundo uma delas, as normas morais teriam inspiração religiosa, seriam fruto da fé e da revelação divina, enquanto as da ética emanariam de um processo puramente racional; segundo outra, o adjetivo moral deveria ser empregado para apontar o caráter normativo da regra, enquanto o adjetivo ético seria utilizável para apontar sua dimensão teórica. Utilizados, porém, como sinônimos, o bem moral ou ético corresponde ao ato humano (não necessariamente inter-humano) conforme às exigências, aos fins da natureza humana, enquanto o mal moral ou ético se caracteriza como desvio destes fins. Com freqüência confunde-se também moral com moralidade social. As pessoas, ao conviverem, adotam como habituais comportamentos objetivamente obrigatórios (jurídicos) ou, apesar de não jurídicos, obrigatórios em consciência. Forma-se um sistema de regras que, apesar de não serem jurídicas, são também eficazes na comunidade. O complexo destas normas práticas de convívio, de natureza ética ou moral, é chamado moralidade social que, ao descer na escala hierárquica de importância e coercitividade, passa a ser conhecido como etiqueta.

Direito e Ética, assim, nem conflitam nem se excluem: apenas se distinguem. O primeiro exige relacionamento humano e a segunda não; o primeiro visa a assegurar o respeito às exigências do convívio e a segunda visa muito menos (ou muito mais, conforme o enfoque): a plena realização da natureza humana. A questão jurídica, portanto, é social e a questão ética é essencialmente pessoal e só acidentalmente social.

Fala-se, é verdade, em Ética Social, com o propósito de definir o conjunto de regras que presidem a conduta de um grupo ou a conduta de uma categoria de pessoas. São, por exemplo, as regras a que estão submetidas as pessoas que exercem certas atividades, sendo por isso rotuladas também como Ética Profissional ou Moral Especial. Respeitada essa liberdade semântica, o que importa é enfatizar que o comportamento ético (ou moral) é essencialmente individual. Para a definição da ação moral, não é fundamental se ela ocorre no relacionamento com o outro e pouco importa se está ou não referida à comunidade, referências que são exigências essenciais, no entanto, quando se trata da qualificação de um comportamento como jurídico ou não, pois o comportamento jurídico, à diferença do ético, só ocorre na relação com o outro e é sempre referido aos fins do convívio – por natureza, jurídica é a ação conforme aos fins sociais da vida; antijurídica aquela que conflita com eles.

Sendo certo que o mercado está sujeito a regras jurídicas, o que se discute, agora, é a aplicabilidade de normas éticas a ele.

O desejo de pautar o mercado segundo regras morais, confrontado com o fato de que elas seriam distintas das demais regras morais, gerou inúmeras correntes de pensamento e teorias éticas especiais. O utilitarismo, por exemplo, defendeu a existência de uma ética do interesse ou moral do mercado distinta da ética deontológica geral. A aproximação das duas designações (moral do interesse ou moral do mercado) decorre da tendência dos adeptos desta corrente de reduzir todas as relações humanas a algo assemelhado às relações de mercado, a um aparente comércio no qual jogariam sempre, em busca de equilíbrio, de um lado o desejo e, de outro, a satisfação. Seria bom aquilo que preenchesse de forma mais acabada a busca de satisfação. Um retorno, portanto, ao hedonismo, à busca do prazer, como justificador da conduta humana. Outra variante deste posicionamento, igualmente equivocada, consistiu em colocar a felicidade como finalidade justificadora da conduta, como foi pretendido até pelo genial filósofo grego ARISTÓTELES, sem perceber que a felicidade ou infelicidade nada mais são do que resultantes psicológicas da consciência de satisfação ou insatisfação.  A supervalorização do interesse individual pode, além do mais, conflitar com a necessidade de atendimento do interesse público. Pode ser considerada moralmente boa a ação que atende ao interesse particular, mesmo quando atente contra o interesse geral? Certamente não seria lógico chegar a este individualismo exagerado! Por outro lado, o que deve ser considerado interesse comum? A soma dos interesses individuais? Impossível, porque haverá sempre situações conflitantes entre os múltiplos interesses particulares. Ou seria a maioria dos interesses individuais? Uma solução alternativa que estaria justificando a injustiça contra um ou alguns. Na verdade, interesse e satisfação não conduzem à solução do problema ético, o que foi demonstrado de maneira mordaz, porém plasticamente pedagógica, por J. STUART MILL: é preferível um homem infeliz a um porco satisfeito, um Sócrates descontente a um imbecil feliz (Utilitarismo, 1863).  

Sendo o comportamento ético pessoal, daí resulta que não se pode aplicá-lo ao mercado, que é aético, sujeito apenas a regras jurídicas. Por isso, não cabe falar-se em preço ou lucro moralmente bom, como não há forma de oferta moralmente boa. Produto economicamente correto é aquele que atrai o maior número de adquirentes; preço economicamente correto é aquele que consta da oferta e é aceito pelos adquirentes; lucro economicamente correto é aquele que o fornecedor pode obter no jogo da oferta sob regime de livre concorrência.

Partindo-se da idéia segundo a qual bem é aquilo que corresponde à natureza, aos fins do agente, pode-se afirmar então, apesar da aparência provocativa da tese, que bom para a empresa é aquilo que lhe proporciona o maior lucro possível. Esta seria a única base na ética do mercado, porque, se a empresa não gerar lucro, o produto sairá do mercado, ela irá à falência, os investidores arcarão com o prejuízo, os empregados perderão seus empregos e toda a sociedade sofrerá as conseqüências desta situação. Esse é o mal para a empresa, o mal para uma ética do mercado. As pessoas não gostam, normalmente, de ouvir tais afirmações porque sonham com a volta de um éden terrestre, uma sociedade em que todos seriam anjos antes da queda e todos procederiam de forma santificada e santificante. Nestas condições, o mercado seria também não só ético como também caridoso; seria movido não pela vantagem econômica de parte a parte, mas por uma generosa troca de cortesias.

Movidos por essa utopia, enfatiza-se hoje a responsabilidade social da empresa, como se lhe coubesse praticar atos de caridade ou substituir as deficiências e incompetências das instituições religiosas e das políticas governamentais. A chamada questão social e a denominada responsabilidade social surgiram na história do pensamento humano somente após o aparecimento das grandes empresas e tudo leva a crer que exatamente com o invejoso propósito de que elas não fossem ou não continuassem a ser tão grandes. Mas não corresponde aos fins da empresa, em princípio, o suporte à educação, à saúde, à previdência, à cultura, à arte, ao esporte, a menos que se trate de empresas cujo objeto específico seja exatamente uma dessas atividades. Uma sociedade empresarial pode ter como finalidade a educação, a saúde etc., mas, nesta hipótese, exercerá tais atividades com objetivo de lucro, pois a verdadeira e única responsabilidade social da empresa é ter sucesso econômico, atingir os fins para os quais foi constituída, sobreviver aos cataclismos do mercado em geral, lucrar, enfim. O resto pode ser apenas um plus de generosidade voluntária gratuita por parte de empresários exitosos, agindo como mecenas, ou as mesmas atividades podem ser utilizadas também, em caráter secundário e paralelo, a serviço de seus fins empresariais específicos, por exemplo, em atividades de marketing.

 Se o mercado é aético, a conduta das pessoas que nele atuam, no entanto, pode e deve ser classificada, além de jurídica ou antijurídica, como ética ou não. Além de cumprirem, em primeiro lugar, as regras jurídicas – tanto aquelas que o são por natureza, porque proporcionam a todos sua realização no grupo, quanto as regras positivas, através das quais os legisladores traçam o comportamento por elas devido – os agentes do mercado estão obrigados ao comportamento moral, como todos os demais cidadãos. Moralmente, em consciência, podem rejeitar a norma jurídica positiva injusta, mas externamente, devem cumpri-la, sob pena de arcarem com suas sanções. Sua conduta será antijurídica se dificultarem ou impedirem ao todo social a realização de seus fins e será, da mesma forma, antijurídica se descumprirem as leis vigentes na comunidade na qual estão inseridos.

Estão obrigados também a cumprir as regras éticas, que proporcionam a todos sua realização integral como pessoas. Conduta antiética para o agente econômico atuante no mercado, prevista nos cânones da moral religiosa ou apreensível pelo esforço racional, é, em primeiro lugar, aquela que lhe dificulta ou impede, assim como a seu parceiro na relação econômica, de se realizarem como pessoas.

Mas o justificado anseio de lucro não é ilimitado. Nas relações dos empresários com suas empresas é imperioso seja obedecido um comportamento de respeito, de forma a não impedi-la de poder realizar sua finalidade. Nas relações do empresário com seu pessoal, o lucro não pode ser obtido à custa do sacrifício desumano, da desconsideração das necessidades fundamentais de todas as pessoas – historicamente exemplificadas nos salários ínfimos, nas jornadas extenuantes e nas condições precárias de trabalho. Com respeito aos participantes da outra extremidade da relação de mercado, cumpre ao empresário a lisura da comunicação, a honestidade do produto, a correção de suas deficiências, o tratamento respeitoso. No que diz respeito ao Estado, deve, enfim, o empresário cumprir as leis em vigor.

Estas obrigações têm, para os empresários, sanções predominantemente interiores, em consciência, como ocorre com todas as pessoas a respeito das regras morais. Enquanto a conduta antijurídica está sujeita às penas estabelecidas pela legislação, a conduta antiética sofrerá sanções naturais como o remorso e o repúdio social, embora este, muitas vezes, seja mais terrível que as sanções habituais do Direito.

        A ética no mercado, portanto, é redutível à ética dos empresários, que devem cumprir as regras morais, respeitando os demais de forma a proporcionar-lhes condições de realização pessoal.