Os Direitos Fundamentais
do Homem
Jacy de Souza Mendonça é Livre Docente em Filosofia do Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ex-professor de Filosofia do Direito do curso de Pós-graduação (strictu senso) da PUC-SP.
(Palestra proferida na Faculdade Mineira de Direito, da PUC Minas, em Poços de Caldas, no dia 19/10/2009)
O
Título II da Constituição da República
Federativa do Brasil relaciona os
direitos e garantias fundamentais do cidadão brasileiro. Tal
relacionamento de
direitos não é exclusividade brasileira: a
História registra inúmeras
publicações tendo como conteúdo rol assemelhado.
Recordemos as mais
importantes.
A
Magna Carta, outorgada aos ingleses por João Sem Terra em 15 de
junho de 1215, depois
de afirmar-se sob inspiração de Deus, assegurava: a
igualdade de direitos a
todas as classes; a liberdade dos cidadãos; o condicionamento da
criação de
tributos à aprovação do Conselho Geral do Reino e
do clero; a limitação das penas
à gravidade das infrações; o respeito à
propriedade; a dependência de qualquer prisão
a um processo regular; e o direito dos cidadãos a entrarem e
saírem livremente
do país.
Em
1679, complementando esse documento, o parlamento inglês criou o habeas corpus para proteger os
irregularmente presos.
Quase
seiscentos anos mais tarde, no dia 16 de junho de 1776, os
representantes do
povo da Virgínia, no atual Estados Unidos da América do
Norte, reunidos em
assembléia, declararam que: todos os homens são, por
natureza, igualmente
livres, independentes e têm certos direitos inatos e
inalienáveis; todo o poder
é inerente ao povo; o governo deve ser instituído em
proveito comum e, quando
assim não proceder, pode ser alterado; ninguém pode
receber vantagens públicas
senão como contraprestação por serviços
prestados; os Poderes Legislativo,
Executivo e Judiciário, devem ser separados; as
eleições devem ser livres e
todos os homens capazes têm o direito de votar; todos têm
direito a um
julgamento imparcial, ninguém pode ser obrigado a depor contra
si próprio e
ninguém pode ser privado da liberdade senão pelo
julgamento de seus pares; as
penalidades devem ser razoáveis e não podem ser
cruéis ou inusitadas; a
liberdade de imprensa não pode ser restringida; e todos
têm direito livre à
religião.
Treze
anos depois, no dia 26 de agosto de 1789, os representantes do povo, na
França
revolucionada, constituídos em assembléia nacional,
considerando o esquecimento
e o desprezo pelos direitos do homem e afirmando-se também sob a
proteção do
Ser Supremo, declararam: todos os homens nascem e são livres, e
têm iguais
direitos; o fim de todas as associações é a
conservação dos direitos naturais e
imprescritíveis do homem (que são a liberdade, a
propriedade, a segurança e a
resistência à tirania); o fundamento da soberania
encontra-se na nação; a
liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique
outro cidadão;
o exercício dos direitos naturais não tem outro limite
senão aquele que for determinado
por lei e tenha em vista garantir o mesmo exercício pelos
demais; a lei não
pode proibir senão atos prejudiciais à sociedade;
ninguém pode ser forçado a
fazer alguma coisa senão em virtude de lei e o que não
estiver por ela proibido
não poderá ser impedido; todos têm direito a
participar, direta ou
indiretamente, da elaboração das leis; a lei deve ser
igual para todos; todos
podem ser investidos em todas as dignidades, cargos e empregos
públicos; ninguém
pode ser acusado, detido ou preso, senão nas hipóteses
previstas em lei e
segundo as normas por ela prescritas; ninguém pode ser punido
senão com
fundamento em lei anterior ao ilícito; as penas devem ser
estritamente
necessárias e aplicadas de acordo com a lei; presume-se a
inocência de todos; ninguém
pode ser prejudicado por suas opiniões, mesmo religiosas, a
menos que perturbe
a ordem pública; todos têm direito à livre
expressão de seus pensamentos; a
força pública é instituída a
benefício de todos e não apenas daqueles aos quais
ela foi confiada; todos devem contribuir, na medida de seus recursos,
para a
manutenção da força pública; deve ser
assegurada a separação dos Poderes do
Estado; a propriedade é direito inviolável e
ninguém pode ser dela despojado a
não ser em razão de evidente necessidade pública,
mediante prévia e justa
indenização.
No
dia 10 de dezembro de 1948, a ONU publicou a Declaração
Universal dos Direitos que devem ser protegidos pelo
Estado para que o homem não seja compelido à
rebelião contra a tirania e a
opressão. Parte da fé nos direitos humanos fundamentais e
defende principalmente
que: todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos;
todos têm
capacidade para gozar os direitos e liberdades sem
distinção de raça, cor,
sexo, língua, religião, opinião, origem nacional
ou social, riqueza ou
nascimento; todos têm direito à vida, à liberdade e
à segurança pessoal; ninguém
será mantido em escravidão ou servidão;
ninguém será submetido a tortura,
tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante; todos são
iguais perante a
lei e têm direito a igual proteção dela;
ninguém será sujeito a interferências
em sua vida privada; todos têm direito a uma nacionalidade, a
contrair
casamento e fundar uma família; é assegurado o direito
à propriedade; é
garantido o direito de opinião, de expressão, de
consciência e religião; é
garantida a liberdade de reunião e associação;
todos têm direito a entrar e
sair de seu país, bem como direito à livre
locomoção e residência em seu
território; é assegurado o asilo político;
é garantido o direito de votar, participar
direta ou indiretamente do governo, bem como o acesso ao serviço
público; todas
as pessoas têm direito ao trabalho e à livre escolha do
emprego; todos têm
direito a receber dos tribunais a proteção de seus
direitos; ninguém será
arbitrariamente preso, detido ou exilado; para decidir sobre seus
direitos e
deveres, todos têm direito à audiência justa e
pública perante tribunal
independente e imparcial; todos são presumidamente inocentes
até prova em
contrário; ninguém pode ser julgado culpado por ato que
não tenha sido definido
como criminoso em lei anterior e a pena a ele aplicada não
poderá ultrapassar o
limite estabelecido também em lei.
A
simples leitura da síntese destas declarações de
direitos evidencia algumas
verdades importantes.
Antes
de mais nada, nenhum dos grupos que as editaram tinha poder legiferante
e
nenhum deles pretendeu promulgar leis. Elaboraram apenas
declarações,
recomendações aos legisladores de todo o mundo, com o
propósito de
influenciá-los, de orientá-los no sentido de que se
mantenham nos limites de
seus poderes e preservem integralmente o exercício adequado da
liberdade dos
cidadãos.
A
fonte original do conteúdo dessas declarações
não foi a legislação de nenhuma
nação em nenhuma época, mas a natureza humana. Por
isso, preocuparam-se
principalmente com as formas de proteção à
liberdade do homem relativamente à vida digna,
à integridade física e a segurança,
à não discriminação, ao
Mas,
apesar de não serem leis, elas relacionam direitos subjetivos
(não objetivos);
em segundo, são direitos subjetivos naturais (não
positivos); finalmente, em
todas essas declarações, além de direitos
subjetivos naturais, são
indevidamente incluídos direitos subjetivos positivos e algumas
referências que
não correspondem a nenhuma forma de direito. Esta será
precisamente a sequência
da palestra de hoje.
A
colocação do tema mostra como a palavra direito aceita
vários conteúdos
significativos absolutamente distintos: ou ela aponta para um texto revelador de um direito (o que chamamos
de princípio, norma, regra ou lei), ou para uma possibilidade
de ação. É a clássica
distinção entre direito objetivo e subjetivo. Objetivamente, Direito é regra,
escrita ou não, que prevê e legitima uma possibilidade de
ação. Subjetivamente, é a possibilidade
que alguma pessoa tem de praticar um ato assegurado pela norma
objetiva.
A
norma, regra ou lei objetiva, reveladora do direito, está
presente na natureza
humana, onde pode ser descoberta, ou é fruto da vontade dos
encarregados da
administração da comunidade, a isso credenciados. Esta
é outra distinção clássica,
agora entre Direito Natural de Direito Positivo.
Usa-se
normalmente a palavra lei para
designar o Direito (com inicial
maiúscula) em sentido objetivo e mantém-se a palavra direito (mas com inicial minúscula), com
significado específico, restrito,
referido a direito em sentido subjetivo. Afirmar a existência de
um direito
subjetivo significa, então, dizer que, com fundamento em
previsão legal
objetiva, em sua relação com o outro, alguém pode
fazer ou não fazer alguma
coisa, dar ou não dar alguma coisa e até exigir que este
fazer ou este dar sejam
feitos ou não.
Os
direitos subjetivos decorrem sempre, portanto, de um Direito
objetivamente dado.
Correspondem à apropriação, por um cidadão,
do direito genericamente previsto
pela lei para todos; correspondem à
individualização da norma jurídica geral.
As
declarações de direitos que lembramos no início
relacionam direitos em sentido
subjetivo – os direitos dos quais todos os homens são
titulares pelo simples
fato de serem homens.
Ora,
se, como afirmamos, os direitos subjetivos decorrem de direitos
objetivos e se essas
declarações não podem ser consideradas leis
positivas, pergunta-se: de onde
decorrem os inquestionáveis direitos subjetivos fundamentais
objeto de tão
solenes documentos históricos?
As
respostas a essa dificuldade são distintas em
função dos fundamentos
filosóficos de quem as profere. Os positivistas respondem que os
direitos
subjetivos decorrem sempre e unicamente da lei positiva e apontam, no
mínimo, a
Constituição como sua fonte; os jusnaturalistas respondem
que eles emergem de
fonte legislativa suprapositiva, pois radicam na natureza humana e
têm como
finalidade assegurar a todo o ser humano a possibilidade de realizar as
virtualidades de sua natureza, ou seja, a possibilidade de
aperfeiçoar-se.
Os
direitos que serviram como objeto das declarações
universais e fazem a ouverture das modernas
Constituições são
qualificados de fundamentais ou naturais exatamente para assinalar-se
que não
estão na dependência de nenhum legislador positivo, mas
são logicamente
anteriores a eles, uma vez que emergem da natureza racional, social e
livre do
homem. São qualificados de fundamentais, enfim, porque outros
direitos
subjetivos existem, que não são, entretanto, naturais,
mas decorrem da
legislação positiva editada em cada país e dela
dependem.
Por
serem naturais e não positivos, os direitos fundamentais
são irrenunciáveis – pois
ninguém pode
renunciar à sua natureza; são também inalienáveis,
isto é, não podem ser transferidos a quem quer que seja
ou apropriados por
terceiros – a ninguém é dado alienar sua natureza;
e são imprescritíveis – estarão
em vigor enquanto existir natureza
humana.
O
preâmbulo da Declaração da ONU assume clara
posição a esse respeito ao afirmar
que ela corresponde ao ideal comum a ser
atingido por todos os povos e todas as nações. Como
acertadamente escreveu no
seu Manual de Direito Constitucional o jurista francês
Léon DUGUIT, por sinal um
extremado positivista jurídico, a declaração de direitos universais do
homem, não sendo lei, corresponde à visão de um
direito supraconstitucional;
são direitos que pertencem ao homem antes que ele faça
parte de uma sociedade
política e que continuarão a pertencer-lhe ainda que
deixe de fazer parte dessa
sociedade. Elas servem, portanto, como
uma pauta de recomendações aos legisladores de todo o
mundo, fundada nos
anseios de liberdade, de justiça e de paz.
Todas
as declarações históricas sobre direitos
fundamentais, depois de relacioná-los,
incluem indevidamente mais alguns direitos cuja fonte não
é a natureza humana,
mas a legislação positiva. Para nossos fins nesta
exposição, estes últimos
direitos não serão levados em conta.
Nem
todas as Constituições se reportam aos direitos
fundamentais. A Constituição
norte-americana, por exemplo, não os relaciona, por entenderem
seus autores que
eles são anteriores a ela e já estavam proclamados na
Declaração de Virgínia. A
quase totalidade das Constituições modernas, no entanto,
inicia-se por um rol
assemelhado, que costuma ser interpretado pelos positivistas
jurídicos como a fonte
dos direitos fundamentais e pelos jusnaturalistas como mera,
desnecessária e
tautológica repetição dos direitos subjetivos
presentes na natureza humana.
A
Constituição da República Federativa do Brasil de
1988 pretende relacionar os
direitos e garantias fundamentais do cidadão brasileiro,
adotando
implicitamente a posição daqueles que rejeitam a origem
natural deles e
preferindo permanecer fiel às teses do positivismo
jurídico, tão ao gosto dos
juristas e políticos de nossa Pátria. Ao fazer tal
relacionamento, nele inclui também
inúmeros direitos subjetivos que não decorrem da natureza
humana, mas do
direito positivo (não são, portanto, fundamentais), e
inclui mais uma série de
possibilidades de ação que não correspondem sequer
a direitos, mas apenas a
propósitos políticos.
No
art. 5º de nossa Constituição são bisados os
seguintes os direitos subjetivos
naturais, nos moldes das declarações históricas: o
direito à vida e à integridade,
nele embutidos a proibição à tortura e ao
tratamento
desumano ou degradante; a igualdade de
direitos e obrigações entre homem e mulher; o direito
à intimidade, aí incluída a
inviolabilidade da casa e o sigilo de
correspondência; a proteção à família;
o direito de propriedade e de herança,
assim como a justa e prévia indenização em
dinheiro em caso de desapropriação; o
direito de livre reunião e
associação; a proteção à liberdade,
ninguém sendo obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude
de lei, aí incluídos o direito à livre
manifestação do pensamento, a liberdade
de consciência, de crença e a proibição
à censura; o direito à livre locomoção
no território nacional; a liberdade no exercício de
qualquer trabalho ou
profissão; o direito de acesso ao Poder Judiciário; a
proteção ao direito
adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada; a
anterioridade da lei
para a definição do ato como criminoso e a
fixação de penalidade; a
irretroatividade da lei, salvo em benefício do réu; a
limitação da aplicação
das penas à pessoa do condenado; a proibição da
pena de morte, de caráter
perpétuo, a trabalhos forçados, de banimento ou
cruéis; a presunção de
inocência até o trânsito em julgado de
sentença condenatória; o habeas corpus,
o mandado de segurança, o
mandado de injunção e o habeas data.
O
mesmo artigo 5º arrola outros direitos subjetivos que não
decorrem, entretanto,
da natureza humana e sim do próprio texto constitucional.
Não são, portanto,
direitos fundamentais, mas direitos subjetivos positivos.
Também
os direitos trabalhistas, que constam
do artigo 6º, onde são elevados à categoria de
direitos fundamentais provavelmente
graças à forte representação sindicalista
na Assembléia Constituinte, são, sem
dúvida, direitos subjetivos; certamente direitos importantes;
não emergem,
porém, diretamente da natureza humana – sua fonte é
a lei positiva. São, assim,
direitos subjetivos positivos
travestidos em direitos subjetivos naturais.
Os
chamados direitos sociais relativos à
educação, à saúde, ao trabalho, à
moradia, ao lazer, à segurança, à
previdência
social, assim como a proteção à maternidade e
à infância e assistência aos
desamparados, elencados no mesmo artigo 6º, bem como a
proteção aos idosos e
deficientes, além de não serem naturais, não
são sequer direitos.
Constituintes
mexicanos, em 1917, inspirados nas ideias do anarco-sindicalista russo
Mikhail
Alesándrovich BAKUNIN, já tinham relacionado alguns
direitos trabalhistas a
serem protegidos, mas foi o príncipe alemão e Duque de
Lauenburg Otto Eduard
Leopold von BISMARK quem promulgou as primeiras leis do mundo relativas
à
proteção ao trabalhador e à previdência
social, que até então era objeto de
organizações
privadas. Aliás, do período em que as atividades
relativas è educação, saúde e
previdência eram exclusivamente privadas e voluntárias
restam-nos ainda hoje alguns
sinais, como a designação de entidades como as Beneficências Portuguesas
e as Santas Casas de Misericórdia.
Ao término da guerra de
1914-1918, na Alemanha destroçada pela derrota, novos
constituintes, reunidos
na cidade de Weimar sob a supervisão do economista e
sociólogo alemão MAX WEBER,
contando com a presença do eminente jus-filósofo Gustav
RADBRUCH e inspirados
na iniciativa de BISMARK, optaram por relacionar, entre as finalidades
do
Estado alemão, prover a seus cidadãos o atendimento
à educação, saúde e
previdência. Na mesma trilha, quase todos os Estados do mundo
que, até então, se
preocupavam quase que exclusivamente, com a segurança interna e
externa,
passaram a cuidar também desse tríplice objetivo, que
passou a ser tratado como
se formassem um conjunto de direitos fundamentais.
Surgiu
assim o conceito de direitos sociais,
expressão duas vezes equivocada: em primeiro lugar, porque
não são direitos e,
em segundo, porque todos os direitos (não só estes)
são sociais.
Direito,
em sentido subjetivo, é vínculo entre duas ou mais
pessoas (físicas ou
jurídicas) que, sob a proteção da lei (natural ou
positiva), assegura a uma delas
a possibilidade de fazer ou não determinada coisa e, em
contrapartida, obriga a
outra a aceitar este procedimento.
Quem
estaria obrigado a cumprir os assim chamados direitos sociais? De quem poderiam ser eles exigidos? De todos
os cidadãos? Todos seriam, então, ao mesmo tempo,
credores e devedores de si
mesmos... Se fosse assim, até pelo princípio da
compensação, a condição de
credor destruiria a de devedor. A simples colocação dessa
forma de entendimento
do problema demonstra o equívoco dos dados que o compõem.
O
direito à saúde... de quem poderia ser cobrado? E o
direito ao trabalho... quem
deveria oferecê-lo a todos os brasileiros? E a moradia, de quem
cobrar? Mais
ainda: o lazer... quem estaria obrigado a proporcionar lazer a todos os
cidadãos brasileiros? Perguntas assemelhadas cabem também
em relação à
previdência social, à proteção à
maternidade e à infância ou à
proteção aos
desamparados. São certamente anseios justificados, são
santificados objetivos de
todos, mas ninguém pode cobrá-los de ninguém...
simplesmente... porque não são
direitos!
Alguns
tentam fugir desse dilema atribuindo ao Estado a responsabilidade pelo
cumprimento de tais obrigações. Mas
o
cidadão não tem condições de cobrar do
poder público estatal aquilo que lhe é
aparentemente prometido. O Estado, quando chamado às barras dos
Tribunais,
alega sempre em sua defesa a impossibilidade de cumprir tais
obrigações por
falta de previsão legal, orçamentária, etc., e
não as cumpre, pois, de fato,
não pode cumpri-las. Só cumpre sua promessa se, quando e
como quiser e ante sua
negativa ou omissão, o cidadão nada pode fazer
além de protestar. Ou seja, um
falso direito do qual ninguém é titular e pelo qual
ninguém é obrigado.
Os
chamados direitos sociais são, portanto, na verdade, meros
programas, ideais,
propostas ou projetos políticos. São medidas, sem
dúvida, importantes para o
cidadão, mas não são direitos.
Se
todos os cidadãos brasileiros exigissem tais benefícios
do Estado brasileiro,
como este não é gerador de riqueza, apenas arrecadador,
precisaria transformar
os próprios cidadãos que se dizem credores em devedores,
deles cobrando o valor
correspondente ao custo dos benefícios sob a forma de impostos,
provocando a
autodestruição do pseudodireito. Imagine-se o Brasil,
como um país paradisíaco,
distribuindo a todos os seus cidadãos, casa,
alimentação, saúde, educação,
vestuário,
higiene, transporte, previdência etc., como arrola o artigo
6º, inciso IV da
Constituição... Ninguém precisaria fazer nada
além de curtir o lazer,
proporcionado também pelo Estado... O único problema
desse sonho paradisíaco diria
respeito ao abastecimento do caixa desse novo Éden!
Semiconscientes
da situação, os defensores desses pseudodireitos
admitiram qualificá-los como
direitos imperfeitos, uma adjetivação
em si mesma imperfeita, isto é, indefinida, indefinível e
ridícula. Melhor
seria reconhecer a importância de tais propósitos e
cobrá-los politicamente,
sem confundi-los, nem impropriamente, com o conceito de direito.
São pretensões
do homem em face de um Estado que as guindou a programas
políticos, por isso são
politicamente exigíveis; mas são inexigíveis em
plano jurídico. Sem dúvida,
pretensões com valor programático, que devem servir de
norte à ação política; certamente,
dívidas dos políticos que as prometeram. Em realidade, o
cidadão necessita que
elas sejam atendidas ou por seu próprio esforço, ou pelos
demais cidadãos ou
oferecidas pelo Estado rico e bem administrado. Como os outros e o
Estado não
podem ou não estão dispostos a atendê-las, elas
devem ser conquistadas pelos
cidadãos por seu próprio esforço e não como
benesses da comunidade; somente
aquele que, por razões extraordinárias, não
têm condições de supri-las por suas
próprias forças, em razão de deficiência
física ou psíquica, poderia e até
deveria recebê-las sob a forma de assistência social do
Estado.
Em
suma, os chamados direitos sociais não
são direitos nem sociais. Direitos não são, como
foi mostrado. O pleonástico adjetivo
social, a eles acrescido, de nada
ajuda: se pretendia significar que tais direitos são extensivos
a todos os
cidadãos, pariu um sonho absurdo e impossível; se
pretendia destacar o caráter
social das exigências, foi redundante, pois essa é uma
característica de tudo o
que é realmente direito.
Os
chamados direitos sociais podem ser
considerados, portanto, no máximo, obrigações
políticas dos governantes; jamais
direitos.
É
verdade que o equívoco de classificá-los como direitos
foi cometido também por
algumas declarações históricas de direitos
fundamentais, antes lembradas; mas
isso não espanta, pois elas são obras de homens e, como
tal, falíveis.
Alguns
doutrinadores procuram salvar a situação afirmando que
declarações como a de
Virgínia interessaram-se por direitos de primeira
geração, que tinham como finalidade proteger a
liberdade individual (a
ideia da liberté francesa); os
chamados direitos sociais seriam de segunda
geração, inspirados pelo ideal também
francês da igualdade (a égalité),
e teriam surgido timidamente
na própria declaração de direitos da
Revolução Francesa, sendo aperfeiçoados
pela Constituição Mexicana, pela legislação
alemã de BISMARK e pela
Constituição de Weimar. Além dessas duas, apontam
mais uma terceira geração de direitos,
os direitos da solidariedade, inspirada pelo sonho da
fraternidade (a fraternité francesa), na qual
incluem a
proteção ao meio ambiente, à paz e ao
desenvolvimento sustentável. Está claro
que essa denominada terceira geração
de direitos padece dos mesmos vícios da segunda: não se
trata de direitos –
são, no máximo, deveres ou programas políticos.
Em
conclusão, a declaração de direitos fundamentais
que abre a Constituição
brasileira de 1988 é, em primeiro lugar, desnecessária,
pois tais direitos, por
emergirem da natureza humana, existiriam e seriam necessariamente
protegidos
ainda que não estivessem ali relacionados; além disso, a
indébita inclusão,
entre eles, de direitos que só podem decorrer da lei positiva
não faz com que
estes, por isso, passem a valer como direitos subjetivos naturais
– trata-se
simplesmente de indébita localização deles no
texto constitucional, pois são
direitos subjetivos positivos, que devem ser criados e definidos por
lei; e os
indebitamente denominados direitos
sociais, colocados também na categoria de direitos
fundamentais, em
verdade, nem direitos são, pois não há, na
contra-partida, ninguém que seja
obrigado a cumpri-los; e de nada lhes aproveita a pleonástica
qualificação de sociais.