O segundo nome da genial tríade
filosófica grega foi Platão. Nasceu em Atenas ou, segundo alguns, em Égina, no
ano de 427 a.C. de família aristocrática e recebeu
educação tradicional, influenciada pela tradição religiosa. Era um período de
grande instabilidade política na Grécia. Seu nome era Arístocles, mas foi
mudado para Platão por iniciativa de um professor de ginástica, em razão de
seus largos ombros. Estudou ciências, pintura e poesia. Hostil ao governo
democrático ateniense da época, optava pela monarquia.
Aos 20 anos de idade tornou-se grande amigo e discípulo de Sócrates. Viajou ao
Egito e várias vezes à Sicília. Com a execução de Sócrates, fugiu de Atenas,
temendo as repercussões sobre sua pessoa. Combateu em favor da pureza dos
costumes e, em especial, reprovou a pederastia comum à época; assumiu até
atitudes místicas. No ano de 387 a.C. retornou a
Atenas, onde fundou a Academia, uma espécie de associação religiosa
estabelecida em uma propriedade coletiva que festejava anualmente as Musas e
tinha por objetivo preparar jovens para a reforma da sociedade grega, visando a
torná-los educadores da massa. Dirigiu a Academia durante 40 anos. Depois de
sua morte em 348 a.C., a instituição ainda permaneceu
ativa durante séculos.
Como o magistério de Sócrates fosse
exclusivamente oral, sob a forma de diálogos, assumiu ele o papel de seu redator.
A afinidade com o mestre era de tal ordem que muito se
discute ainda hoje se algumas das afirmações atribuídas a Sócrates foram mesmo
dele ou do discípulo dileto. Analistas entendem que, em certos momentos, para
conferir a autenticidade da afirmação platônico-socrática é necessário recorrer
às anotações de Xenofonte que, embora não tenha sido um grande filósofo, era um
historiador, por isso mesmo mais confiável.
Não é fácil traçar o perfil
ideológico de Platão; em primeiro lugar, com o já foi dito, porque suas ideias
se misturam às de Sócrates; em segundo, porque se trata de obra muito ampla,
sob a forma de diálogos cujo conteúdo evoluiu com o passar dos anos. Por estas
razões, este trabalho não ousa nem pretende ser uma apresentação do pensamento
de Platão, mas apenas o destaque de alguns aspetos desse pensamento
considerados mais importantes no momento para nós.
Sócrates manteve diálogos com
Platão, com os sofistas, com filósofos estrangeiros, com jovens nobres de
Atenas, com políticos da cidade e também com algumas figuras fictícias, tendo
como objeto o conhecimento humano, as virtudes e os valores (o bem, o belo e o verdadeiro), embora àquela época, esses
últimos não fossem rotulados como tal. Xenofonte e Platão registraram essa obra
pedagógica cujo trabalho interessa ainda hoje aos estudiosos.
A Apologia de Sócrates, escrita por Platão, é o mais emocionante
monumento que um discípulo já ergueu a seu mestre. Nela é relatada a injustiça
no julgamento e na condenação à morte de seu mestre, aproveitando-se a
oportunidade para uma análise de Sócrates:
Nunca fui mestre de ninguém; se alguém se mostrou
desejoso de minha presença quando eu falava e se acudiam a mim jovens ou
velhos, nunca recusei ninguém. Nunca falei em dinheiro, mas igualmente me
presto a dialogar com ricos e pobres, quando alguém quer ouvir o que digo (Apologia, XIX).
Quando meus filhinhos ficarem adultos, ó cidadãos,
puni-os, atormentai-os do mesmo modo que eu vos atormentei, quando parecer que
eles cuidam mais das riquezas ou outras coisas, que da virtude (Apologia, XXX).
A principal contribuição de
Platão ao pensamento filosófico, ilustrada no repetido mito da caverna, foi a doutrina das ideias
(Eidos ou forma), conteúdo objetivo
do conhecimento conceitual.
Imagina uma espécie de caverna subterrânea com
larga porta de entrada em toda a sua extensão, exposta à luz. Alguns homens
estão ali desde a infância, acorrentados pelas pernas e o pescoço, imóveis, uma
vez que as amarras impedem mover a cabeça, tendo que olhar exclusivamente à
frente. De trás deles vem uma luz, procedente de um fogo que arde à distância,
em plano superior; entre o fogo e os homens atados há um caminho acidentado no
qual foi construída uma passarela, como aquelas onde os fantoches exibem suas
maravilhas. Ao longo dessa passarela, alguns homens transportam toda espécie de
objetos, como estátuas de homens ou animais feitas de pedra, de madeira, de
qualquer material; naturalmente, uns carregadores falam, outros permanecem
calados. Poderiam os homens amarrados, em tal situação, ver outra coisa além
das sombras projetadas pelo fogo sobre a parede que está diante deles?
Consideremos então o que aconteceria naturalmente se eles fossem libertados das
cadeias e curados de sua ignorância: se um deles fosse forçado a levantar-se
repentinamente, voltar o pescoço, caminhar e dirigir seu olhar para a luz. Ele
sofreria o deslumbramento que lhe impediria de distinguir aqueles objetos cuja
sombra via antes. Que acreditas que ele responderia se alguém lhe viesse dizer
que, até aquele momento, vira apenas fantasmas e que só agora, mais próximo da
realidade e voltado para objetos reais, tinha a visão verdadeira? Se, enfim, lhe
fossem mostradas cada uma das coisas que passavam e ele fosse questionado a
dizer obrigatoriamente o que cada uma delas é, não
estaria ele em dificuldade, parecendo-lhe mais verdadeiras as sombras que os
objetos ora mostrados?
...
Considera a subida a essa região superior e a
contemplação desses objetos como ascensão da alma à região inteligível... na qual a ideia do bem é, com muito esforço, percebida: não
se poderá deixar de concluir que ela é a causa de tudo que é justo e belo nas
coisas.
(República, VII, 514-517)
O conhecimento humano seria
então o processo pelo qual a alma volta-se sobre si mesma para a reminiscência,
para o reencontro com as ideias, que já teria encontrado antes.
O pensamento é uma espécie de discurso da alma
consigo mesma, relativo às coisas que ela examina (Teetetos, 190 a);
é o ato de encontrar a ideia, a
verdade.
Toda investigação e toda ciência são apenas
recordação (Menon, 81).
Platão foi o primeiro filósofo
a exaltar a dialética no processo do conhecimento, método, aliás, que serve
como suporte dos diálogos de seu grande mestre. A dialética que,
rejeitando as hipóteses, eleva-se até os princípios para
estabelecer solidamente suas conclusões, retirando dos olhos da alma, pouco a
pouco, a lama grosseira na qual eles estão mergulhados e levando-os às regiões
mais altas, tendo as artes como auxiliares para esta conversão (República, VII, 534 e).
A dialética que é o coroamento supremo do estudo (República, VII, 533 d).
As coisas participam das ideias
– delas não são senão sombras múltiplas que servem apenas para recordá-las.
A única e exclusiva razão de existir uma coisa
bela além do belo em si mesmo, é a participação das coisas nesse mesmo belo (Fedon, 100 c).
Todas as ideias estão encadeadas
como que em uma pirâmide, em cujo topo encontra-se a ideia do bem. O mundo das
coisas estaria irremediavelmente separado delas, uma tese que provocava a
dificuldade para explicar como esses dois mundos se relacionam e da qual, por
isso, no correr dos anos, ele distanciou-se.
Reagiu Platão contra o
relativismo de Protágoras, pretendendo superar as limitações da percepção
sensível graças à intuição das ideias. A educação, empregando a dialética como
processo de conhecimento, seria o processo de busca da superação dessas
limitações, sob o estímulo do amor (Eros),
voltado para o bem, o belo e o verdadeiro.
Em política, criticou a
estrutura e funcionamento dos Estados existentes. Não podia desconhecer a
existência do Estado:
o que faz surgir a cidade é a impossibilidade de o
indivíduo bastar-se a si mesmo e a necessidade que ele tem de muitas coisas (República, Lv. II, 369 b);
mas sonhava com um Estado utópico,
perfeito, com fundamento moral e religioso; uma cidade que harmonizasse justiça
e legalidade, política e moral. A finalidade do Estado consistiria em educar os
cidadãos para o bem absoluto (Deus) e, por isso, o governo
deveria ser confiado aos mais sábios e mais bem formados
– os filósofos seriam os governantes. A adequada ação do filósofo no mundo
seria, portanto, política, funcionando como rei.
O filósofo, em contato com as coisas divinas e
submisso à ordem, torna-se organizado e divino, na medida em que isso é
possível ao homem (República, Lv. VI,
500 d).
Temos condições de afirmar que o Estado perfeito
já existiu, existe ou existirá, no qual a filosofia se torna a mestra da
cidade. Não é impossível que isso de fato ocorra; nós não propomos coisas
impossíveis. Que seja difícil, isso reconhecemos (República, VI, 499 d).
Proclamava a absoluta necessidade
da Justiça para qualquer organização humana:
acreditas que uma cidade, um exército, um bando de ladrões
e salteadores e todas aquelas que perseguem um fim comum injusto possam levar a
cabo qualquer empreendimento se seus membros violarem entre si as regras da
justiça?
(República, I, 351 c).
Essa ideia vai ser retomada por
Hans Kelsen ao afirmar, em sua Teoria Pura do Direito, que há uma certa justiça na sociedade de ladrões.
A convite de seu ex-aluno, Dionísio,
enamorado pela filosofia, que assumira o poder em Siracusa, Platão correu a
visitá-lo, pois acreditou ser a oportunidade de concretização histórica de seu
Estado ideal, mas retornou frustrado, pois Dionísio tornou-se um tirano
implacável.
Um dos aspetos do pensamento
platônico menos divulgado é sua teologia, um conjunto de pensamentos talvez resultantes
ou desenvolvidos a partir de sua primeira grande viagem, ao Egito (390-388 a.C.), onde possivelmente tenha entrado em contato com
conteúdos do Antigo Testamento. Tão importante sua visão teológica que S.
Agostinho lhe dedica longo capítulo na Cidade de Deus (Lv. VIII), no qual o
qualifica como o teólogo do mundo
clássico, o grande teólogo pré-cristão. Em sua obra da velhice, inacabada e
sem revisão, As Leis, Platão aborda
temas típicos da Teologia e da Moral, culminando, no Livro X, com a abordagem
da ideia de Deus.
Foi Platão, aliás, o primeiro
filósofo grego a tratar da ideia de Deus:
Deus (e não o homem) é a medida de todas as coisas
(Leis, 716 e sgs.)
Ele é o centro e a fonte de
toda legislação; é o pedagogo universal.
Na leitura de suas obras, pode-se
descobrir o caminho lógico que o levou a Deus a partir de uma concepção
pedagógica: o objeto último da educação é conduzir o homem em direção ao bem, ao
qual se chega pelo
estímulo do amor
(Banquete, 207, a).
Nos extremos limites do mundo inteligível está a
ideia do bem, que só com muito esforço se pode conhecer, mas que, uma vez
conhecida, impõe-se à razão como a causa universal de tudo o que é bom e belo, como
criadora da luz e do sol no mundo visível, como autora da inteligência e da
verdade no mundo invisível (República, Lv. VII).
A ideia do bem é o mais elevado de nossos
conhecimentos e
tão importante
que, sem possuí-lo, inútil nos será a posse
de tudo o mais
(República, Lv. VI,
505 a).
Todos os homens desejam unicamente o que é bom
(...); os que desejam o mal fazem isso por considerá-lo um bem; estão, portanto,
desejando também unicamente o bem (Menon, 77).
O Estado é, então, o grande
educador que, através da lei, conduz o cidadão para o bem, de tal forma que a
obediência à lei se confunde com a obediência a Deus.
Note-se que o conceito de bem
em Platão é um gênero que inclui o bem moral, o justo, o belo e o verdadeiro;
equivale, portanto, ao conceito moderno de valor,
como reconheceu Rudolph H. Lotze, um dos criadores da moderna axiologia, em sua
tese de conclusão acadêmica, recomendada e orientada por Franz von Brentano. Bem, valor e Deus se confundem,
uma visão que, nos tempos atuais, foi retomada por Joseph de Finance ao afirmar
que
o valor é o nome secreto através do qual Deus nos
chama (Essai sur l’agir humain, p. 99)
e por Armando Câmara ao dizer
que
o valor é um pseudônimo de Deus (MENDONÇA, Jacy
– O Curso de Filosofia do Direito do Prof. Armando Câmara, p. 188).
Voltando aos fundamentos da teologia
platônica,
a alma é imortal (Menon, 81)
as almas existentes são sempre as mesmas; seu número
não pode diminuir nem aumentar, pois nenhuma morre, (República, X. 611 a)
Esta é a concepção que irá
levá-lo à aceitação da reencarnação: as almas eternas apenas mudam de corpo e a
morte é não é senão
a separação da alma e do corpo; estar morto
significa que o corpo, separado da alma, subsiste por si mesmo, assim como a
alma, separada do corpo, subsiste por si mesma (Fedon, 64 c)
A alma está aprisionada ao
corpo para sua purificação, depois de ter convivido com as ideais no mundo dos
deuses, local para onde está destinada a retornar até a plena purificação.
Aqueles que, pela filosofia, chegaram a um estado
suficiente de purificação, passam a viver sempre livres
do corpo, indo habitar moradias ainda mais esplendorosas, que não seria fácil
descrever (Fedon, 114 c)
As doenças do corpo não contaminam a alma, por
isso a alma jamais será destruída por um mal externo, a menos que intervenha um
mal que lhe é próprio (...) a menos que os males do corpo tornem a alma mais
injusta e mais ímpia (República, Lv. X, 610, a-b).