Ricardo Bandle Filizzola é Advogado em São Paulo, Mestre em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Membro do Conselho do Jovem Advogado da OAB/SP.
Quando
um fato trágico - fruto da violência generalizada -
alcança grande destaque nos meios de comunicação, assistimos, com certa freqüência
em nosso país, a uma imediata mobilização de nossos parlamentares e conseqüente
produção de novas normas, que objetivam muito mais dar uma satisfação, uma
resposta à chamada opinião pública,
do que proporcionar o bem comum, verdadeiro
objetivo da Justiça e do Direito, pois o Direito, na verdade, é um meio para a
realização dos fins sociais da vida.
Essas leis novas visam apenas atenuar o medo da população – por isso
têm como principal ingrediente um forte sentimento de vingança, de
desforra - e vêm sempre acompanhadas da promessa do legislador de que,
diante do maior rigor adotado, eventuais infratores serão exemplarmente
punidos, razão pela qual a paz e a tranqüilidade serão prontamente
restabelecidas.
Além disso, importante ressaltar que
os responsáveis pela elaboração das leis são eleitos pelo voto; dessa forma,
como Pôncio Pilatos, preferem agradar
ao povo que, instigado pelo pânico, exige a “crucificação”
dos transgressores.
Não há dúvidas de que,
no processo de formação da ordem jurídica,
as correntes de opinião políticas, econômicas etc., as aspirações da
coletividade, os estados de alma, -
enfim, todas as forças
sociais que se movimentam no interior do agrupamento -devem
ser consideradas; contudo, estes não são os únicos elementos com que deve
trabalhar o legislador.
Legislar é eleger, é dar preferência;
portanto, o legislador deve avaliar os dados das realidades físicas, biológicas,
psicológicas e psicossociológicas, para incluí-los numa escala de valores,
considerando determinada visão do Direito e do mundo. O
Direito é muito mais do que simples resposta aos fenômenos sociais; não
nasce alheio a toda e qualquer idéia ou princípio de valor.
No entanto, ainda que seja o Homem que
valora o ser, o valor já existe antes mesmo da formulação do juízo de valor,
e cabe ao Homem apenas a tarefa de revelar o valor e trazê-lo ao conhecimento;
ou seja: o Homem não cria o valor, apenas o descobre; logo, podemos afirmar
também que o valor é um dado objetivo; se assim não fosse, ele não seria
descoberto, já que estaria no julgamento do Homem.
A
realidade do Direito está impregnada de valores cujo conteúdo é a Justiça,
da mesma maneira que o conteúdo das normas éticas são o bem e a moral, razão
pela qual não se pode compreender o Direito e diferenciá-lo das demais normas,
sem condicioná-lo ao valor Justiça. O Direito está necessariamente
condicionado ao valor Justiça.
Direito injusto não pode ser
considerado Direito. A simples forma jurídica, decorrente da vontade popular,
elaborada segundo a técnica jurídica, pode ser considerada convenção humana,
mas jamais será Direito se não tiver conteúdo justo.
Só
por meio da análise e inclusão dos fenômenos sociais numa escala de valores
é que o legislador poderá verificar que o medo,
o pânico e a violência generalizada que assolam nosso país, na verdade, têm
como fundamentos a violência social, a agressividade competitiva do mundo
moderno, o desprezo pelo próximo, o desamor, nessa sociedade que não se
relaciona, não se interpenetra e que se vê reciprocamente com ódio.
Estes
são os fatos trágicos que merecem ser combatidos com vigor, essa flagrante
contradição com a natureza do Homem, que só vive em relação; que enquanto
vive, necessariamente convive. O homem que não é solitário, mas solidário.
É por esta razão que a turba, essa
massa humana em desordem, movida por sentimentos de paga, de vingança, de
desforra, não deve ser conselheira do
legislador. É preciso também respeitar os denominados direitos naturais do ser
humano, inalienáveis e imprescritíveis. Há, sem nenhuma dúvida, normas jurídicas
que nascem da própria natureza humana, e portanto estão situadas acima das
leis dos homens.
Esta é a difícil tarefa do legislador: elaborar leis que propiciem a realização do bem comum, sem deixar de ter em mente que o Homem não é apenas sujeito do Direito, mas é – também e principalmente - sua causa eficiente e final; foi isto que pretenderam dizer os Romanos: “o Direito é hominum causa”. Cabe ao Direito conciliar, pôr em harmonia, conjuntamente, essas polarizações necessárias à realização dos fins humanos.