Diálogos


O AUTO-RETRATO

 

           - Professor Armando Câmara, o senhor dedicou integralmente sua vida profissional ao magistério no Rio Grande do Sul, principal­mente nas Faculdades de Filosofia e de Direito da cidade de Porto Alegre. Escreveu muito pouco: apenas alguns discursos e algumas palestras. Numa atitude socrática, muito de seu agrado, optou pela comunicação oral, na qual tem sido, aliás, mestre. Mas essas circunstâncias tornam muito difícil o registro de suas idéias para o futuro, e eu me sinto moralmente responsável pelo preenchimento, ainda que parcial, dessa lacuna. Por outro lado, é muito difícil escrever o que outra pessoa pensou e não escreveu. Corre-se o risco da apropriação indébita de idéias ou da caricaturização involuntária e injusta, exata­mente do pensamento que se quer transmitir. Para evitar tais dificuldades, o senhor não faria, sob a forma do diálogo que tanto lhe agrada, uma síntese retrospectiva de seu pensamento?

            - Realmente, eu nunca escrevi obra alguma. Tenho dado, no entanto, os meus depoimentos. Toda a minha vida tem sido de depoimentos. Sou provocado pelas situações e reajo com uma sucessão de depoimentos. Mas nunca tive a intenção de publicar uma obra sistemática.

            Ainda esses dias o Ruy estava insistindo em que eu publicasse algo imediatamente, porque ele tinha ouvido falar sobre um depoimento meu, com comentários generosos do Salgado Martins. Eu lhe disse:

            - Olha, Ruy, de uma obra sistemática estou temeroso, porque nunca tive essa intenção.

            - Mas, segundo me informou o Padre Ládusãns, o senhor as­sumiu com ele o compromisso de preparar uma tese a ser apresentada, durante os trabalhos da Primeira Semana Internacional de Filosofa, a ter lugar em São Paulo, entre os dias 16 e 22 de julho de 1972 e, além disso, de escrever seu perfil intelectual, para constar dos anais daquele evento ou de uma obra específica sobre perfis de pensadores católicos...

            - Eu disse que, se o Padre Ládusãns insistisse comigo, para que eu escrevesse algo sobre mim, eu não escreveria nada. Isso eu disse e repeti. Um depoimento, uma palestra, seria outra coisa. EIe me mandou então um questionário, que, no entanto, não pode também ser considerado roteiro para a elaboração de uma conferência. É um questionário mesmo. Mas, quem sabe, se poderia fazer o seguinte: eu iria abordando os temas com os quais me ocupei e, enquanto fosse tentando elaborar um desenho desses estudos, iria tomando posições e fazendo proposições, como diria o velho Blondel, face à problemática filosófica, e o senhor iria gravando. Esse poderia ser o ponto de partida para um esforço sistematizador. Dessa forma, quase subconscientemente, as coisas se entrosam, se articulam e se sistematizam, embora numa sistematização ainda embrionária, larvada, imperfeitamente consciente e intencional.

            - Ótimo!

            - Se o senhor quiser, farei um recolhimento para ver se isso é possível. Mas devo confessar que a oportunidade que o senhor está me dando é profundamente estimulante para mim, pois me determina a responsabilidade de uma resposta.