| Diálogos O COMPROMISSO DO FILÓSOFO -
Assim o senhor, à semelhança de Platão, entende, em conseqüência, que o filósofo
tem um compromisso diferenciado face aos demais seres humanos? -
Pressionado por seu determinismo causal, que é de natureza intelectual,
determinado a uma forma de reação, no sentido de dar aos múltiplos seres e
objetos, que integram o universo (à universalidade, à multiplicidade), uma visão
integradora, unificada, o homem, simultaneamente com essa pressão determinante
e causal, pelo consentimento da sua liberdade (aqui já está a presença dos
fatores teleológicos), se experimenta apto para, através do mau uso ou do bom
uso dessa liberdade (é claro que vai depender da disposição psicológica e da
personalidade moral do homem), interferir no julgamento dos temas que integram a
temática filosófica. Então o homem, por um fenômeno de eletividade, elege
determinada ação. Na
visão freudiana, por exemplo, há algo que é pessoal, a Metapsicologia de
Freud, e algo que é impessoal, a Psicologia de Freud, a Psicanálise freudiana,
a invenção da sua metodologia. Nesse caso, Freud, enquanto estava construindo
uma filosofia do mundo, não podia deixar de ter consciência de que, ao
construir sua representação do mundo, estava expressando livremente uma
psicologia pessoal, que não se esgotava apenas em sua racionalidade, mas na
qual entrava o fator derivado da sua liberdade, da maneira como ele via os
destinos humanos e a transcendência humana. Houve a sua integração nesse
turbilhão cósmico, nesse determinismo universal. Ele era um pedaço da
natureza, e a sua consciência um momento de uma evolução. Acho
que com essa ilustração eu disse bem como o homem se compromete. A gente
sente, lendo, por exemplo, Santo Tomás de Aquino, como essa liberdade, quando
bem usada, pode dar à inteligência uma lucidez, uma retidão, uma objetividade
de análise, uma fundamentação do ser, que é o oposto do comportamento de
Freud. Aí está a margem da liberdade que transforma a resposta do filósofo
num compromisso. O
filósofo se compromete com valores ou com desvalores, com determinados valores
ou com a totalidade dos valores. Toda Filosofia é a resposta que um filósofo dá.
Não há uma Filosofia escrita apenas pela razão humana. A Filosofia é de um
filósofo. Nesse filósofo há um homem, e nessa realização do pensamento crítico,
lógico, do homem, há expressões que se derivam da forma como o homem se
comporta face aos fins que o chamam, face aos valores que o polarizam. Esses
comportamentos tornam a resposta do homem profundamente comprometedora. Ele se
compromete, no sentido de se fechar ou de se abrir, na sua consciência filosófica,
na sua atividade racional, aos temas que o chamam para análise. Nesse ponto eu
falo em compromisso: a forma como atuam os fatores de natureza teleológica, que
são fatores em que a liberdade está presente, polarizada pelos valores, pela
visão dos fins. A liberdade pode se comportar no sentido de levar o homem a uma
visão do mundo, que trunque as dimensões humanas, que desfigure a complexidade
total do ser e do real. Claro
que nenhuma opção da liberdade fica impune. Quando o homem sai fora da ordem,
surge o drama moral, vêm as sanções de natureza moral e as crises, que podem
ser sociais e históricas, para compelir o homem a uma abertura de sua visão, a
fim de que ele reencontre os caminhos em busca da bem-aventurança, da perfeição,
da realização integral. - Assim, o senhor está, de certa forma, voltando à importância da causalidade... - Certo. Mas, ao mesmo tempo, à finalidade. Mesmo tomando, num sentido rigoroso, a causalidade final é a causalidade fundamental, porque a causalidade eficiente apenas vê um aspecto. O fim, que é o último na realização, é o primeiro na intenção. A causalidade final engloba tudo o que se encontra para se explicar a exigência causal da causalidade eficiente. É a causa das causas. Aliás, uma expressão de Santo Tomás, geralmente usada para definir Deus: causa causal. Mas é a ação compulsória, determinante, da finalidade que explica, que dá a indicação da causalidade eficiente. A causalidade eficiente atua, produzindo determinado efeito. A forma como ela atua, a direção dela, para produzir o efeito, e a eficiência dela no produzir o efeito é alguma coisa que só se compreende e explica, através da causalidade final. Ela opera para esse fim.
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