| Diálogos A
DEMOCRACIA ORGÂNICA - Quando esteve nos Estados Unidos, o senhor
apresentou também uma tese jurídica? De que se tratava? - Foi uma tese que preparei, para ser apresentada na
Universidade de Chicago, mas eles mudaram na última hora. Minha tese, a que não
foi lida, era sobre o Direito como Fator da Crise da Civilização. O Congresso
analisava a crise da civilização em suas causas, sua natureza e seu
tratamento, para fazer libelo sobre a forma como se comportava o Direito,
favorecendo o desencadeamento da crise. O Direito realmente serviu de instrumento para tudo:
para o capitalismo e para o marxismo. Se, de fato, não estruturamos o Direito,
ele fica um instrumento para qualquer intenção: para escravizar ou libertar o
homem. Esta seria a tese, mas, na véspera, me deram como
tese a Democracia Orgânica. Mas havia certo relacionamento entre as duas.
Quando é que a democracia é inorgânica? Quando, afinal, o Direito está fora
de sua teleologia, quando deixa-se de considerar um aplicador dum Valor na vida,
um instrumento de valoração humana. O Direito, afinal, consagrou o capitalismo
materialista e o comunismo materialista. Tive 16 dias para preparar minha tese, fazer a viagem
e adaptar-me à situação nova. Estava lá, como diria Kierkegaard, tremendo e
temendo. Falei no dia 2 de setembro de 1942, na Universidade de Chicago, ao lado
do Lago de Michigan. Na véspera, estava no hotel fazendo a barba, quando ouvi o
barulho de um papelinho posto debaixo na porta do quarto. Sempre tinha um
responsável pela exposição central do Congresso, e eu estava sendo avisado de
que nesse dia o responsável seria eu. Mas simplesmente haviam mudado minha
tese: eu deveria falar sobre a Democracia Orgânica. De início, perturbei-me,
mas em seguida comecei a pensar: quando condeno 0 comportamento do Direito, como
responsável pela crise da civilização, quando parto do registro de que o
Direito traiu sua tarefa de criar uma ordem e levar o homem a condições de
convívio, que permitam sua realização, a busca dos supremos valores da vida,
estou evidentemente analisando as condições da democracia orgânica. Encontrei
aí uma matéria de tal afinação que me facilitou a tarefa. Três quartas partes do trabalho estavam já afinal pensadas. O que eu pensara
sobre o tema tinha adequação total. Tive que escrever apenas a parte final: os
15 minutos da conclusão.
Foi um dos maiores exames que fiz na minha vida, com
três críticos intercontinentais fenomenais. Um deles, o atual Presidente da
República da Venezuela, o Rafael Caldera. Aliás, quando mais tarde nasceu a
filhinha dele, mandou-me até uma participação. Era um falangista perigoso. O
outro era um Deputado Federal e professor de Direito do Trabalho, o Tovar Donoso,
casado com a filha de Garcia Moreno, que tinha uma filha encantadora, com a qual
o Ministro de Buenos Aires, Don Miguel del Rey, queria me casar de qualquer
jeito, ignorando o fato de que sou celibatário por profissão, por opção de
minha liberdade. O terceiro era o Prof. Eraldo Monteiro, Reitor da Universidade
de Bogotá, na Colômbia, laureado na Universidade
Gregoriana. Que três críticos!... Falei durante uma hora e um quarto. Começou
às oito horas da manhã e debati até o meio-dia, sob uma temperatura de quase
40 graus em Chicago. Isso que tinha passado a noite em claro... Foi uma peleja
brava! Eu me lembro que saí de lá muito tarde. - O senhor guardou esse texto? - Não, não tenho nada escrito, pois, afinal, eu proferi outra palestra... Quem depois escreveu três artigos sobre o assunto foi o Sobral Pinto, em outubro de 1942 |