Diálogos


A NATUREZA SOCIAL DO HOMEM

 

- A Filosofia e a Religião o levaram, afinal, à atividade políti­co-partidária. Algum trabalho intelectual relacionado com ela?

- Tenho um ensaio pelo qual o Pe. Sabóia é, ao menos inicialmente, o responsável. Mais tarde, retomei a tese, num Congresso Internacional em Brasília, quando estava no Senado. Fui convidado para analisar a Igreja, sob o aspecto da sociabilidade humana. Não tinha muito tempo para preparar, porque a tia Alice estava com flebite. O estado dela era gravíssimo. Um dos meus irmãos, o Xiru, tinha morrido há pouco, e o outro, o Rinaldo, estava com grave problema cardíaco. Tentei me libertar, mas não pude. Por falta de tempo, fui escrevendo no avião e tive que falar para mais de mil e quinhentas pessoas.

Naquela ocasião, desenvolvi a tese da natureza social do homem. Por causa disso, recebi depois uma carta do Tristão de Athayde e outra do reitor da Universidade do Rio de Janeiro, ambas muito generosas. O Cardeal Cerejeira, de Portugal, estava na Presidência do Congresso. Quando terminei, ele me pegou, me deu um abraço e disse:

-Essa que quero ler, assim como o senhor a escreveu. O senhor vai me dar o trabalho.

Eu lhe respondi:

-Mas, Cardeal, isto está que é um cipoal.

E contei ligeiramente a ele qual era a minha situação, quando redigi o texto, além de tudo, com 40 graus de febre, ao que ele re­bateu:

- Então o senhor me promete mandar o texto, que nós vamos publicar.

- Não cumpri a promessa ao Cardeal, porque, quando voltei, a situação da tia Alice estava muito complicada. Mas essa tese é muito interessante.

O Aristóteles viu o social assim: a natureza humana não pode    ser expressa num indivíduo, como ocorre com a natureza angélica. A expressão da riqueza humana exige a multiplicidade (muitos homens), para, nas variações, nas mutações, nas modulações que se realizam, encontrarmos Al Capones e Wagners. Portanto, para Aristóteles, a natureza humana, para se atualizar nas suas riquezas, exige o múltiplo e o sucessivo; a multiplicidade dos homens e a sucessão no tempo. O social é expressão, portanto, da condição humana, da finitude humana, da contingência humana, que, não possibilitando que a riqueza humana se expresse no indivíduo, exige o múltiplo, a multiplicidade de indivíduos; no múltiplo, no processo das gerações, exige a sucessão. Para expressão das riquezas da natureza humana, há, assim, a exigência da linha do tempo (a sucessão) e da linha do múltiplo (a quantidade), marcas da contingência:         

- E o senhor não concorda com Aristóteles?

- Meu depoimento foi o seguinte: a relação não é expressão de contingência. Lá, na solidão que se poderia dizer total do Absoluto, que é o Uno, que é a perfeição, encontramos presente, de acordo com a revelação, a primeira relação: o Ser Absoluto é a relação de três Pessoas. São duas relações: a que vai do Pai ao Filho e a que vai do Filho ao Espírito Santo. E como a Igreja é entregue ao Espírito Santo, que é a continuidade, no tempo, da segunda Pessoa, do Iierbo, ficava traçada para Igreja a sociabilidade perfeita: Essa sociabilidade é a sociabilidade do Amor. Sociabilidade e Amor não dependem, assim, da contingência ou do caráter absoluto do ser.

                        Por isso, a Igreja constituída é a forma exemplar de sociabilidade humana. É o critério para julgamento das formas de sociabilidade humana na História, o critério para avaliar o fracasso de certas tentativas ou a consagração de determinadas formas de sociabilidade humana.