Diálogos


A NECESSIDADE DE SISTEMATIZAÇÃO

 

- Afinal, por que o senhor não quis até hoje sistematizar suas idéias?

- Ao analisar os temas sobre os quais estou agora expondo, sentia sempre estar trabalhando dentro de uma concepção total de vida que eu não tinha tido oportunidade de explicitar, não tinha integrado. Sentia que se tratava de uma contribuição antecipada, ainda não sistemática. E sentia a necessidade dessa sistematização.

Quando a gente diz algo que pensa, de forma original, o pensamento geralmente compromete a análise de outros problemas. Há uma solidariedade entre as idéias. Aquela afirmação do Schelling no "Organicismo" : "Relacionar é compreender e, na medida em que eu relaciono, mesmo se não sou compreendido, me comprometo, porque a forma de relacionamento traduz uma forma pessoal de ver as relações".

- E por que não fazê-lo agora?

- Ninguém pense que é pretensão minha, mas sim uma exigência ontológica. Estou sentindo a necessidade ontológica, psicológica, ética e moral de fazer uma sistematização, uma vinculação dessas diferentes áreas que andei aos poucos percorrendo e debatendo, num debate interior, num monólogo, numa meditação. O fato de não ter me ocupado de uma sistematização até hoje foi determinado pelas condições de minha vida. Mas eu me sinto agora na situação da árvore, que está gestando um fruto, sentindo a necessidade em meus galhos e em minhas raízes, porque a gente só se dá pela imersão do tronco nas raízes. É uma exigência, afinal, do princípio de causalidade. Está surgindo dentro de mim, subconscientemente, Iivremente, espontaneamente, pelo dinamismo mesmo da minha personalidade, do meu mundo interior, essa necessidade. Ai eu articularia minhas idéias, dando certamente primado à ontologia: o ser com o Valor e as decorrências dessa vinculação; e no ser, certamente, o primado do Absoluto, como condição de inteligibilidade.

- Os pensadores filosóficos vêem em geral a sistematização como uma gaiola que aprisiona o pensamento. O senhor também sente esse aprisionamento?

                        - Pois é. E uma limitação, mesmo. De outro lado, para dizer sinceramente, cada vez penso mais nisso. Mesmo que o senhor não tenha explicitado, através de uma obra, mesmo que o senhor não tenha feito, como objeto direto do seu esforço, a constituição de um sistema, por exigências de dialética profunda da personalidade e do pensamento, o senhor é Ievado ao entravamento. O senhor coordena, e o que surge... é a ordem, de novo, que estou agora, não pensando, mas vivendo. Esse conceito de ordem... não é sobre a ordem, ele é ordenador de mim mesmo, do meu próprio pensamento. A exigência é dialética.