| Diálogos OS FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS -
Quando se procura relacionar os pensadores que maior influência exerceram
sobre sua formação, são facilmente perceptíveis seus encantos pela atitude
filosófica de Sócrates e pelo pensamento de Aristóteles e Santo Tomás ... -
... mas eu me sinto mais agostiniano do que tomista. Como disse, sou
existencial, embora não existencialista. Estou na família dos íntuitivos. A
minha tese é sempre esta: com a Iógica não se faz nada. Tenho consciência
disso e parece que, tendo consciência, deveria evitar procurar uma situação
de equilíbrio, de satisfação harmônica, nas diferenças entre duas famílias
espirituais sempre presentes na História da Filosofia: Aristóteles e Santo Tomás,
de um lado, Platão e Santo Agostinho, de outro, e depois as duas famílias. Mas
eu não estou fechado às outras exigências. Estou com essa pendência
Iivremente cultivada. Não é por acaso que fui tocado. Tenho consciência de
que estou entre os intuitivos e quero ficar aí, é claro. Acho que é de uma
riqueza muito maior. Há
dias, eu disse ao Ruy: -
Olha, Ruy, para condenar a Escola Lógica do pensamento jurídico, tenho um
argumento singelo, que qualquer criança inteligente, com 15 ou 16 anos e com um
mínimo de informação, pode perceber: o conceito não esgota o ser. Se eu
parto da intuição metafísica, das experiências fundamentais do espírito,
tudo então toma uma configuração nova. - Seu espanto existencial, ainda menino, diante da ordem sideral, sua tomada de consciência da problemática ética nas experiências juvenis, suas vivências de situações-limites teriam assim se somado às lições do Padre Werner sobre as idéias de Aristóteles, Santo Tomás e Santo Agostinho, na gênese de seu pensamento filosófico? -
Eu não falei sobre a gênese do pensamento filosófico. Falei apenas sobre a
minha experiência. Enfatize-se que eu não estou dizendo que isso é base da
construção de um sistema. Se me surpreendesse dizendo isso, eu me consideraria
até um Narciso insuportável, que deveria imediatamente ser metido na cadeia.
Estou dizendo que, na minha biografia, na minha vida, encontro situações que
parecem ter tido essa significação providencial de voltar-me ao meu pensamento,
de abrir a minha inteligência para a temática filosófica. É isso que estou
dizendo. Apenas isso. -
Qual a área da problemática filosófica que o seduziu em primeiro lugar? -
Há pouco já sugeri isso. Foi o problema ético, que me envolveu em primeiro
lugar. O problema da limitação da vida. O problema da morte, portanto. O
problema da destinação humana. Esses problemas foram o punctum pruriens, como
diria o velho Schopenhauer, relativamente aos fatores eminentes da posição
filosófica do espírito. Foram os pontos estimulantes que me levaram, me
guasquearam para essa área. Porque essa área é terrível, doutor. Por ela o
senhor vai à metafísica. É a condição de existência dela. Como é que' vou
partir para uma análise ética, sem um pressuposto metafísico? Aí o senhor se
instala, desde logo, no coração da Filosofia. Dai parte depois para o resto. Mas
eu pediria, com insistência que os senhores nunca fixassem a afirmação de
que estou dizendo que esses são os fundamentos da inspiração de um sistema. Não!
E apenas o meu depoimento de homem, relativamente à forma como fui captado,
envolvido, como todo homem é, mais dia ou menos dia, envolvido, pois todo homem
é um filósofo. Aliás, nesse ponto tenho um curso, desenvolvido na Faculdade
de Filosofia, a partir daquela sugestão que apresentei sobre a gênese do
problema filosófico. Foi uma aula de 50 minutos, que se transformou num curso
de 8 meses: A Aptidão Filosófica como Estrutura Psicológica. No primeiro
semestre, analisei a unidade funcional da estrutura psicológica e, no segundo,
a unidade morfológica da estrutura. Analiso, assim, o problema da Filosofia
como atitude. Por isso, falei agora que todo homem é filósofo. Seja um
varredor de rua ou um Kant, ele tem a estrutura filosófica de pensar. O exercício
dessa aptidão, é claro, está condicionado às circunstâncias de formação
dele: de ambiente, do espírito do século, das condições estimulantes da
civilização em que está comprometido, uma série de situações, afinal,
que influem na vida de cada um. Mas todo homem tem essa aptidão. Aquela
brincadeira do Tobias Barreto, para quem "o brasileiro não tem cabeça
filosófica”só pode ser mesmo uma brincadeira. Então não seria brasileiro,
nem seria homem, seria um animal. Todo homem tem, uns mais e outros menos, essa
aptidão, cujo exercicio depende, muitas vezes, de circunstâncias. Veja, nas
raças, como é diferente a distribuição da curiosidade filosófica entre, por
exemplo, os europeus. -
O senhor destacaria um pensador, além dos já citados, que, em especial, teria
exercido influência sobre suas idéias? -
Vou destacar um, porque liga-me a ele, não só uma veneração por seu gênio,
mas uma gratidão pela forma como me apareceu na vida, num período de evolução
da minha personalidade: Pascal. Duas
frases de Pascal ficaram aqui me iluminando todo o itinerário. A primeira é a
forma como ele relativiza o rumor filosófico, a linguagem filosófica (aquilo
é mesmo um rumor dentro da história): "Se moquer de la Philosophie, c'est
vraiment philosopher". Rir-se da Filosofia é verdadeiramente filosofar. E
a outra: "Nous sommes embarqués". Isso é formidável, é genial. Ele
fixa, naquela extraordinária beleza de estilo literário, alguma coisa que
estava dominando a consciência clássica: "O homem é um esse ad, um ser
para". Dentro do espírito puramente filosófico, esse ir para tem uma
grandeza que deixa o devenir do Heráclito desmoralizado. Para onde se vai?
Evidentemente, não podemos nos fixar dentro de um homem imobilizado dentro de
uma totalidade cósmica, ontológica e problemática. Temos que ver essa condição
humana de um ser que marcha para, o homo viator, como diria o velho Gabriel
Marcel, o ser que peregrina. -
Alguns dos filósofos existencialistas, além de Gabriel Marcel? - Ainda há dias eu conversava sobre isso com o Padre Thiesen, que tem muita informação sobre a figura humana de Heidegger. Quando o Heidegger, como tarefa filosófica, abstraiu a essência para a consideração da existência, buscando o ser na existência, ou preferindo buscá-Io para, depois, talvez, chegar (ele está chegando, não chegou ainda) a uma fixação de posições essenciais do pensamento filosófico, estava dominado por essa mesma preocupação da destinação humana. Basta ver a expressão dele, que todo mundo conhece: "O homem é ser para a morte". A questão está em saber se é para a morte ou para a imortalidade que é, aliás, a posição que o velho Goethe sustenta, com a beleza extraordinária (não sei se recordam essa página dele): "O problema fundamental do espírito, em toda a História, que explica todos os tipos de civilização, formas de organização social e de convívio humano, não é outro senão este: sou mortal ou imortal? A resposta a esta questão é que explica a fecundidade, a grandeza ou a miséria das civilizações". O que eIe quer dizer? Que evidentemente marchamos para a imortalidade. A sugestão está clara dentro daquela finura do espírito dele.
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