Discursos


DEFININDO[1].

 

É quase constrangedor advertir que não assistis, neste momento, a inauguração de uma indústria. Nesta cerimônia testemunhais apenas o primeiro ato público de consagração de um grupo de homens ao serviço de um Ideal.

Todo este cenário que aí está - este edifício onde tudo se destina ao trabalho, povoado de técnicos e de máquinas, onde se confundem movimentos mecânicos de objetos com gestos intencionais de homens, todo este cenário parece sugerir que estamos em pleno reino do Útil, no mundo da pura ação econômica, inaugurando, praticamente, conforme os cânones psicológicos que regulam a propaganda comercial, uma indústria qualquer, para a produção de qualquer coisa, de objetos, de bens econômicos destinados, precipuamente, a criar lucros para o produtor e, secundariamente, satisfazer as exigências de anônimos consumidores.

E, no entanto, essa sugestão é plenamente falsa.

Tendes, ao contrário, sob vossos olhos a soberba visão dos recursos do reino da técnica utilizados para a realização do reino do espírito; contemplais, neste cenário, o mundo dos valores vitais e úteis subordinado ao mundo dos valores éticos e espirituais; sois espectadores da marcha de um Ideal que, para se encarnar na realidade e transfigurá-la, utiliza o mundo do útil e, assim, o justifica, restituindo-lhe sua significação original e específica.

Todo este cenário de organização industrial foi modelado, todo este quadro econômico foi construído para que se expresse e objetive, e assim se comunique e irradie, uma idéia, uma imagem, um ponto de vista: a idéia que se encerra no Cristianismo pleno e integral - que é a Igreja; a imagem católica da vida; o ponto de vista de Deus sobre sua criação, sobre o valor, o sentido e o destino do homem, da história e da cultura.

Tudo aqui foi feito para cumprir essa missão vital de toda imprensa autêntica: dar ao confuso mundo das coisas, dos fatos e das ações humanas seu valor e seu sentido, dizendo aos seres e às situações da vida o seu nome próprio, a sua definição.

Afirma-se, com uma eloqüência fácil, que todo jornal deve ser uma cátedra, todo periódico uma tribuna.

Fechando os olhos à melancólica realidade de uma imprensa que se resigna a ser neutra, lembremos, apenas, que numa cátedra pode comunicar-se o bem e o mal, a verdade e o erro; pode ensinar-se uma doutrina que transfigure o homem ou uma doutrina que o avilte e animalize.

A verdadeira imprensa deve ser, na realidade, uma cátedra, mas uma cátedra de verdade integral, isto é, deve aspirar a ser púlpito.

Sua missão última, o sentido de sua existência não é, tão só, a informação, mas a formação dos espíritos. Ela deve ser uma ressonância, um prolongamento no tempo, do Verbo, da Palavra que era no princípio, que estava na origem dos mundos. E o Verbo era antes de toda a opinião.

Um jornal inspirado na sabedoria do Verbo não será, pois, simples coletor de correntes de opinião; ele criará a opinião, ensinando, discernindo o bem do mal, o justo do injusto, a verdade do erro. E seus critérios de discernimento desses valores radicam na sabedoria incriada, emergem da eternidade, expressam o ponto de vista de Deus.

Esta a missão do Jornal do Dia, dentro da realidade nacional, tão confusa e tão dolorosa, dentro da hora histórica que vivemos, inquietante e plena de ameaças ao homem, à cultura e à Igreja.

Esta a missão que, confiantes em Deus, realizaremos.

 



[1] Locução na cerimônia do Jornal do Dia.