| |
I
O
conhecimento
do
Direito
§ 1º. A
ciência do
Direito
em
sentido
estrito
I. A
ciência
jurídica
em
sentido
estrito,
dogmática
jurídica,
ou
conhecimento
sistemático do
Direito tem
por
objeto a
manifestação
positiva do
Direito.
A
diferença
que existe
entre
Filosofia do
Direito e
Política
Jurídica consiste
em
que a
primeira
trata dos
valores do
Direito e esta dos
instrumentos
que possibilitam a
realização destes
valores. O
Direito
Positivo é
objeto da
História do
Direito e do
Direito comparado,
enquanto a
existência e os
fatos da
vida
jurídica
são
objetos da
Sociologia e da
Psicologia jurídicas. (Sobre
o
significado
objetivo, veja-se,
abaixo, II, 1).
II. O
tratamento
científico do
Direito
Positivo desenvolve-se
em
três
etapas: a
interpretação, a
construção e a sistematização.
1.
A
interpretação
jurídica
busca o
significado
objetivo do
Direito
Positivo,
quer
dizer, o
significado incorporado à
norma
jurídica
em
si
mesma,
não no
sentido
subjetivo,
ou seja,
relativo ao
pensamento das
pessoas
que participaram de
sua
criação. Esta é a
distinção
que existe
entre a
interpretação
jurídica e a
interpretação filológica. A
interpretação filológica é
sempre
um
repensar
algo
anteriormente pensado (um
conhecimento do
já
conhecido,
como disse August Böckh),
enquanto a
interpretação
jurídica consiste
em
levar a
reflexão cognitiva
até
um
desfecho
conseqüente. A
jurisprudência,
como
ciência do
Direito, é,
assim, uma
ciência
prática
que
busca
dar uma
resposta
imediata a
cada
pergunta
jurídica,
sem
poder esquivar-se alegando a
existência de
lacunas,
contradições
ou
ambigüidades da
lei.
Ela
precisa
conhecer e
entender as
leis
melhor do
que as próprias
pessoas
que participaram de
sua
elaboração e deve
extrair da
lei
mais do
que estas
pessoas
conscientemente nela puseram ao redigi-las
ou aprová-las.
2.
A
construção
jurídica segue a
mesma
metodologia da
construção
matemática,
técnica,
gramatical
ou
histórica: a
reestruturação de
cada
instituto
jurídico a
partir de
suas
partes, previamente separadas
pelo
pensamento,
ou seja, a
síntese dos
resultados da
análise realizada.
Ela é a
comprovação da
ausência de
lacunas e
contradições nas
normas relativas a
determinado
instituto
jurídico. Exemplificando: os
fatos sancionados
pelo
Código
Penal visam à
proteção de
um
bem
jurídico
que
determinada
lei
penal pretende
proteger; a circunstancia de
fato “abuso de
confiança” constrói-se
como o
emprego abusivo de
um
poder
jurídico de
disposição
ou
como a
violação de uma
relação de
confiança. A
construção
jurídica opera-se, a
mais das
vezes, a
partir de
determinados
fins
jurídicos (construção
teleológica),
todavia, existem
também
construções jurídicas
não teleológicas
como,
por
exemplo, a
construção do
processo
como
relação
jurídica de
desenvolvimento
gradual.
3.
Finalmente,
enquanto a
construção
jurídica examina
cada
instituto
jurídico especificamente, a
sistemática
jurídica examina a
ordem
jurídica
sob
seu
aspecto
geral
ou
universal: a
evolução de
cada
norma
concreta
que a integra
ou alguma de
suas
partes,
enquanto
idéia
específica.
III.
Existem,
portanto, de
acordo
com o
que foi
acima
exposto, duas
espécies de
conceitos
jurídicos:
1.
conceitos juridicamente
relevantes,
ou seja,
aqueles dos
quais se
parte
para
construir as
circunstâncias
integrantes da
base de
fato das
leis,
como,
por
exemplo,
subtração,
coisa
móvel
alheia e
intenção de apropriar-se, no
caso do
furto.
Eles
não
são
criados
pela
ciência
jurídica,
pois esta os recolhe de outras
áreas do
conhecimento
ou da
própria
vida,
embora
sem deixá-los
intactos, uma
vez
que
lhes atribui
por
vezes
maior
rigor,
sob o
ponto de
vista restrito
ou
amplo,
segundo o
caso, e outras
vezes transforma-os
para
efeitos
jurídicos,
como ocorre,
por
exemplo,
com o
conceito de
posse,
tão
diverso
quando
empregado
em
sua
acepção
usual
ou
em
sua
acepção
jurídica.
2.
conceitos
jurídicos
genuínos,
conceitos
realmente
jurídicos,
ou seja,
aqueles
cujo
conteúdo é utilizado
para a
construção do
objeto das
proposições jurídicas: a
eles pertencem os
conceitos dos
diversos
direitos
subjetivos, dos
deveres
jurídicos, das
relações jurídicas e dos
institutos
jurídicos.
Eles procedem
diretamente do
Direito
Positivo (como o
conceito de
compra e
venda e de
hipoteca)
ou logicamente do
conhecimento
científico do
Direito
Positivo e
são as
ferramentas
cuja
utilização é
necessária à
compreensão cientifica do
Direito
Positivo.
Não pertencem,
portanto, a
nenhum
Direito
Positivo
em
particular,
mas valem
para
todo
Direito
possível.
Não se
trata de
normas jurídicas concretas
ou de
normas de
Direito
Natural,
mas
sim de
conceitos
puramente
formais;
não correspondem a
respostas
com
validade
universal a
respeito de
questões
práticas do
Direito,
mas
apenas a
pergunta
que podemos e devemos
formular
em
relação a
qualquer
Direito,
para
poder reconhecê-lo
como
tal.
Tais
conceitos
jurídicos apriorísticos,
tais
categorias do
conhecimento
jurídico incluem,
por
exemplo, os
conceitos
gerais de
direito
subjetivo e
dever
jurídico, de
conduta
conforme
ou
contrária ao
Direito, de
Direito
Público e
Direito
Privado.
São
conceitos a priori –
como
todos os
conceitos
jurídicos
gerais –
são
objeto do
que se denomina a
Teoria
Geral do
Direito (vide,
em
especial, a
obra de Adolf Merkel –
Enciclopédia
Jurídica, de 1885). No
período do
positivismo, a
Teoria
Geral do
Direito foi considerada
como
substitutiva da
Filosofia do
Direito,
como a
Filosofia do
Direito
Positivo.
BIBLIOGRAFIA:
Radbruch, Arten der Interpretation (Formas de
Interpretação)
–
em
Recueil d’études sur les sources du droit
em
honneur de Fr. Gény (Estudos
sobre
as
Fontes
do
Direito,
em
homenagem
a Fr. Gény), vol. 2; Klassenbegriffe und Ordnungsbegriffe in Rechtsdenken (Conceito
de
Classes
e de
Ordem no
Pensamento
Jurídico),
em
Zeitschrift für die Theorie des Rechts (Revista
sobre
a
Teoria
do
Direito),
ano
12, 1938.
§ 2º. A
História do
Direito e o
Direito Comparado
I.
A
História do
Direito tem
por
objeto a
realidade, a
evolução e a
eficácia do
Direito. Pode limitar-se
apenas ao
estudo da
evolução
imanente do
Direito,
mas pode
também
investigar
sua
interação
com outras
manifestações culturais,
ou
buscar
compreender
seu
significado
histórico na
cultura de
determinada
época.
II.
Enquanto a
História do
Direito tem
como
objeto a
sucessão dos
fenômenos
jurídicos no
tempo, o
Direito Comparado ocupa-se
com o relacionamento das diversas
ordens jurídicas
nacionais,
em uma
determinada
época.
Normalmente, a comparação dos ordenamentos
jurídicos de
povos civilizados é
feita
sob
perspectiva
política. Veja-se a
monumental
obra
em 15
volumes Vergleichende Darstellung des deutschen
und ausländischen Strafrechts – Vorarbeiten zur deutschen Strafrechtsreform –
(Exposição Comparada do
Direito
Penal
Alemão e
Estrangeiro –
Trabalhos
Preliminares
para a Reforma do
Direito
Penal
Alemão).
Por
sua
vez, o
Direito Comparado,
como “ciência
etnológica do
Direito”,
como
pesquisa
relativa ao
Direito dos
povos
primitivos, tem
como
objetivo
construir,
com
fundamento nestes
dados
primitivos, a
pré-história do
desenvolvimento do
Direito dessas
civilizações;
assim enfocado, o
Direito Comparado desemboca na
História
Universal do
Direito (Montesquieu, Esprit des lois – O
Espírito das
Leis, 1748; Feuerbach, 1775-1833; Henry
Sumner Maine, 1822-1888; Joseph Kohler, 1849-1919;
vide Radbruch, Schweizerische Zeitschrift für
Strafrecht,
Revista
Suíça de
Direito
Penal, vol. 54, 1940, pág. 22 e segs).
III.
A
História
Universal do
Direito pretende
estabelecer
determinados
tipos de
processos
históricos
universais,
dentre os
quais:
1.
Do
comunismo
primitivo à
propriedade
privada.
2.
Do matriarcado à
família
patriarcal, da endogamia à
exogamia (por
rapto
ou
compra), da
poligamia à
monogamia (J.J. Bachofen, Fr. Engels, A. Bebel).
3.
Do
status ao contractus (Henry Sumner
Maine),
ou seja, de
um
sistema
jurídico
fundado no
status das
pessoas a
um
sistema
jurídico
construído
sobre o
contrato,
sobre a
livre
disposição de
vontade dos
indivíduos.
4.
Da “comunidade” à “sociedade”
(Ferdinand Tönnies),
isto é, das
formas de
convivência totalitária e
orgânica às
formas atomísticas e
individualistas.
5.
No
Direito
Penal, a
evolução da
vingança do
clã à
pena
pública (Theodor Mommsen e
outros, Zum ältesten Strafrecht der Kulturvölker
– O
Direito
Penal
Primitivo dos
Povos Civilizados, 1905;
vide
também Radbruch, Elegantiae juris criminalis,
1938, pág. 1 e segs).
A
História
Universal do
Direito pretendeu,
em
certos
momentos,
substituir a
Filosofia do
Direito (vide
Kohlers, Neohegelianismo).
§ 3º. A
Sociologia
Jurídica
I.
Diferentemente da
História do
Direito e do
Direito Comparado,
que tratam de uma
ou diversas
ordens jurídicas, de
situações jurídicas e da
evolução do
Direito, a
Sociologia
Jurídica
pesquisa as
leis
gerais e os
processos
típicos da
evolução do
Direito e a
vida regida
pelo
Direito na
sociedade. (Desta
forma, podem enquadrar-se
também na
Sociologia
Jurídica os
processos
evolutivos da
História
Universal do
Direito apontados no
parágrafo
anterior).
II.
Entre as
teorias da
Sociologia
Jurídica destaca-se
como
significativa a
concepção materialista da
história fundada
por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich
Engels (1820-1895).
Segundo Karl Marx, a
estrutura
econômica da
sociedade
forma “a
base
real
sobre a
qual se apóiam a
superestrutura
jurídica e
política a
que correspondem determinadas
formas
sociais de
consciência. O
modo de
produção da
vida
material condiciona o
processo de
vida político-jurídica e da
vida do
espírito
em
geral”. Ao modificar-se a
base
econômica, “movimenta-se,
lenta
ou rapidamente, a
imensa
superestrutura erigida
sobre
ela. (Qualificam-se as
idéias,
enquanto desta
forma
socialmente condicionadas, de
ideologias.) A
teoria materialista da
história é inversa,
em
relação à
concepção de Hegel,
segundo a
qual
toda
evolução segue a
evolução do
espírito.
Para
este, o
ser depende da
consciência, o
que equivale,
para Marx , a “colocar as
coisas de
cabeça
para
baixo”. Marx pretende “colocá-las
novamente
sobre os
pés”, ao
conceber a
consciência
como
derivação do
ser. Identifica, no
entanto, “o
ideal
com o
material transferido
para a
mente
humana e
por
ela traduzido”, o
que importa
admitir
que o
ideal,
por
exemplo o
Direito, é
sempre
distinto do
material:
não se
trata de uma
questão de
mera
aparência,
mas da transposição
ou
tradução do
material
sob
nova
forma,
sob
determinada
forma cultural
que é a
forma
jurídica. Friedrich Engels reconheceu
mais
tarde
que
tanto
ele
quanto Marx “desdenharam o
aspecto
formal do
problema
em
relação ao
conteúdo”. Reconheceu
que o
Direito,
apesar de
sua
dependência da
Economia, rege-se,
em
certa
medida,
por
leis específicas e admitiu
também “que
fatores
históricos,
apesar de
criados
por
outros
que
são
sempre,
em
última
instância,
fatores
econômicos, reagem e podem
repercutir
sobre o
meio e
sobre
suas próprias
causas”.
Apesar da
autonomia do
Direito, há possibilidade de os
fatos
jurídicos interagirem
com os
econômicos.
Somente
em “última
instância”,
conforme Engels, as
idéias,
por
exemplo, o
pensamento
jurídico, podem
ser reduzidas a
causas econômicas.
Quando se acrescenta
que a
concepção materialista da
história
não pretende
ser
elevada a
um
dogma apriorístico,
mas constitui
apenas
um
método
ou
hipótese de
manifesta
fecundidade, fica
ela reduzida a
seu
real
significado.
Notável
exemplo de
interação,
entre
causas econômicas e
Direito, encontramos na
evolução da
liberdade de
coalizão.
Em
sua
ascensão, a
burguesia lutou,
em
seu
proveito
econômico,
pela
liberdade de
associação. Lutou
por esta
liberdade e instaurou-a
sob a
forma de
direito,
isto é,
sob
forma
universal,
como
liberdade
para
todos. Esta
configuração
jurídica fez
com
que a
liberdade de
associação,
originalmente
um
interesse
econômico da
burguesia, beneficiasse
também o
proletariado e
lhe proporcionasse,
sob a
forma da
livre
associação sindical,
um
instrumento de
luta
contra a
burguesia,
que
em
seu
interesse a havia instituído.
Assim, neste
caso, a
forma
jurídica repercutiu
sobre a
Economia,
quando pretendera
apenas servir-se dela (vide
Radbruch, Klassenrecht und Rechtsidee – O
Direito de
Classe e a
Idéia de
Direito –
em Zeitschrift für soziales Recht –
Revista de
Direito
Social, 1929).
A
obra
jurídica
mais
valiosa
relativa à
concepção materialista da
história é o
livro de Karl Renner, Die Rechtsinstitute des
Privatrechts in ihrer sozialen Funktion (As
Instituições do
Direito
Privado
em
sua
Função
Social), 1929. O
materialismo
histórico foi criticado
principalmente
por Rudolf Stammler,
para
quem nenhuma
ordem
econômica é
concebível
sem
forma
jurídica,
portanto o
Direito
não pode
ser
apenas
um
produto da
Economia.
Exemplo inverso
relativo à
influência da
idéia
sobre a
Economia é proporcionado
por Max Weber (1864-1920)
em
seu
famoso
estudo Die protestantische Ethik und der Geist
des Kapitalismus – A
Ética
Protestante e o
Espírito do
Capitalismo.
III.
Também a
Sociologia
Jurídica pretendeu, na
época do
positivismo,
ser considerada
como
Filosofia do
Direito (Paul
Barth, Die Philosophie der Geschichte als Soziologie – A
Filosofia da
História
como
Sociologia).
§ 4º. A
Psicologia
Jurídica
As
causas sociológicas
só podem
atuar
sobre o
homem
através de
seu
psiquismo. A
psicologia da
ilicitude,
especialmente a
psicologia criminal, está
muito
mais
desenvolvida do
que a
psicologia do
Direito,
única
que
nos interessa neste
trabalho. É
necessário
distinguir
aqui a
psicologia do
Direito
Subjetivo
em
relação à
psicologia do
Direito
Objetivo e do
julgamento
judiciário.
I.
Ao definir-se
direito
subjetivo
como
interesse juridicamente
protegido,
são reunidos
dois
poderosos
fatores
que,
fora dele,
são
sempre hostis: o
próprio
interesse e a
consciência de
aprovação
jurídica e
moral, a
consciência do
dever
moral,
pois,
segundo Ihering, a
luta
pelo
próprio
Direito constitui
um
dever
moral de
auto-afirmação.
Sentimento
jurídico e
consciência encontram-se psicologicamente
em
contradição:
enquanto a
consciência atrela-se ao
egoísmo, o
sentimento
jurídico
liberta dele.
Por
isso
um e
outro se personificam
em
caracteres
essencialmente
diversos:
são
evidentemente distintas as
personalidades nas
quais predomina a
consciência e aquelas nas
quais prevalece o
sentimento
jurídico: o
homem
doce e o
colérico, o
bom e o
poderoso, o
santo e o
herói, a
ovelha e o
bode. Uns personificam o “tipo
angustiado”,
outros o “tipo
colérico” (Kornfeld, na Zeitschrift für
Rechtsphilosophie –
Revista de
Filosofia do
Direito – vol. I, págs. 135 e sgs). O
sentimento
jurídico,
em
grande
medida, corre os
perigos da
hipocrisia e da
ilusão: o
egoísmo, a
inveja e o
despeito, a
teimosia, a
mania
litigante e a
ânsia
pelo
poder, o
espírito de
vingança e a
perversidade, disfarçam-se
como
sentimentos
jurídicos. O
sentimento
jurídico inclina-se
também à
exaltação
patológica, à
psicose querelante.
Ele está
freqüentemente ligado ao
aspecto
individual e descuida-se da
generalização do
caso
concreto,
essencial ao
Direito.
Acima de
tudo,
toma
como
seu
objeto
um
Direito
fictício,
nem
sempre
real.
Finalmente, à
lição de Ihering
relativa à
obrigação
incondicional de
lutar
pelo
Direito, deve-se
opor
que
não
somente o “bom
direito” tem
valor
para o
homem,
mas
também a “amada
paz” (conf. Riezler, Das Rechtsgefühl – O
Sentimento
Jurídico – 1928; Hoche, Das Rechtsgefühl – O
Sentimento
Jurídico – 1932; Radbruch na Zeitschrift
Die Tat –
Revista O
Fato –
julho de 1914.)
II.
A
obediência ao
Direito
Objetivo resulta de
vários
motivos: o
temor
em
relação ao
castigo, a
previsão da
penalidade, o
interesse
pessoal, a
imitação, o
hábito, o
sentimento de
ordem e de
coletividade, a lealdade
em
relação ao
poder
estatal, a
consciência e,
por
fim,
também o
sentimento
jurídico. A
obediência
não decorre de
um generalizado
conhecimento
popular do
Direito,
mas,
muito
mais, do
fato de
que é
dado
um
cheque
em
branco (semelhante à “fé
implícita” dos
teólogos) à
vontade do
Estado. Nenhuma
ordem
jurídica perdura,
todavia, se
não houver no
povo ao
menos
um
grupo
selecionado
que conhece o
Direito e espontaneamente o reconhece
como
obrigatório: os
juristas. (Vide
Franz Klein, Die psichologischen Quellen des Rechtsgehorsams – Os
Fundamentos
Psicológicos da
Obediência
Jurídica – 1912).
III.
Diferentemente da
obediência
popular ao
Direito, o
julgamento
judiciário embasa-se
geralmente no
conhecimento do
Direito e na sujeição a
ele.
Mas
também na
psicologia do
Juiz podem misturar-se
motivos
subjetivos
incontroláveis
que justificam as
críticas à
Justiça classista.
Não se
trata
aqui de
consciente
deturpação do
Direito,
mas de
influência
inconsciente, decorrente do
fato de o
Juiz
integrar a
burguesia
ou os
segmentos
mais
cultos da
sociedade. A
forma de
vencer esta
influência consiste
em
reconhecer
abertamente
tais motivações,
como se dá na
Justiça do
Trabalho,
que coloca, ao
lado de Juízes
profissionais, Juízes paritários classistas,
representantes de
empregados e
empregadores, evidenciando,
com
tal
diversidade, o
conflito das
classes. O “movimento
realista”, na
ciência
jurídica
norte-americana, preocupa-se
em
descobrir, de
forma
científica, a motivação das
decisões judiciárias,
principalmente a
influência de
motivos
não
objetivos; baseia-se na afirmação do
famoso
Juiz da
Corte
Suprema, O. W. Holmes,
segundo a
qual a
ciência do
Direito
não é
senão a
previsão daquilo
que os
tribunais decidirão no
caso
concreto. (Vide
Angela Auburtin, Ztschr. F. ausl. Öffl. Recht –
Revista de
Direito
Público
Estrangeiro –
tomo III, 1932, págs. 529 e sgs).
IV.
Também a
Psicologia
Jurídica pretendeu
ser reconhecida
como verdadeira
Filosofia do
Direito.
Vide Petrazycki, Über die Motive des Handelns –
Sobre a motivação da
Conduta – 1907.
§ 5º. Rudolf v. Ihering (1818-1892)
Rudolf v. Ihering merece
ser
aqui
destacado
porque
em
sua
obra estão reunidos
todos os
temas da
ciência
jurídica do
século XIX e
porque
estes
temas apontam
para o
desenvolvimento
futuro de uma
nova
Filosofia do
Direito.
Em Geist des römischen Rechts (O
Espírito do
Direito
Romano) de 1825 e sgs., preocupa-se
ele
honestamente
com a
missão da
Escola
Histórica, de
encontrar o
Direito no “espírito
do
povo”. O
espírito do
povo
romano,
todavia, é retratado
por
ele de
forma
pouco romântica,
como
um
egoísmo
disciplinado e
decidida
atuação.
Sua
exposição Der Kampf
ums Recht (A
Luta
pelo
Direito), de 1872, e
sua
obra Der Zweck im Recht (O
Fim no
Direito), de 1877 e sgs. estão marcadas
pelos
motes: “deves
afirmar
teu
direito lutando” e “o
fim
criador de
todo o
Direito”.
Enfrentar
lutas e
conflitos
interiores foi
sempre uma
característica existencial de Ihering.
Antes
que declarasse
que
todo o
Direito é uma
criação
consciente da
idéia de
fim, havia criticado
acerbamente esta
teoria, apontando
suas
limitações.
Em uma
edição
póstuma da
Enciclopédia
Jurídica de Falk (1851), pág. 288, escreveu
ele: “No
mundo
moral
não predomina
exclusivamente o
princípio de
finalidade. Ao
lado das
normas e
instituições jurídicas,
que neste
princípio se fundam, há outras
que
não perseguem
fim
algum,
mas
são
apenas
resultados,
emanações de
concepções
fundamentais da
Moral
ou do
Direito,
em
conseqüência do
que
não podem
ser apreciadas
sob aquela
medida;
este
erro foi cometido
com
muita
freqüência no
século XVIII e,
por
isso,
não
raramente,
sem
dignidade e
profundidade, reduzido a
pó.”
Em Scherz und Ernst (Brinquedo
e
Coisa
Séria), de 1885,
embora a
parte
essencial estivesse
pronta
já
em 1861, critica a “jurisprudência
de
conceitos”
que
ele
mesmo expôs no “Espírito
do
Direito
Romano”,
como uma
ciência teleológica.
Hoje, no
entanto, podemos
seguir
claramente os
passos e o
momento de
sua
conversão à
jurisprudência de
conceitos, de
inspiração teleológica (vide H.
Kantorowicz, Deutsche Richterzeitung –
Jornal do
Juiz
Alemão, 15 de
janeiro de 1914). Consta do
Digesto, 18, 4, 21, uma
decisão do
jurista Paulo,
segundo a
qual o
vendedor de uma
coisa duas
vezes
por
ele
alienada,
que tiver sido destruída,
antes da
tradição,
sem
culpa de
ninguém, pode
exigir dos
dois
compradores o
preço estipulado. Ihering
inicialmente manifestou-se
favorável a esta
decisão.
Mais
tarde, confrontou-se
com
um
caso
concreto,
semelhante ao
tratado
por Paulo. Tratava-se de
dupla
venda de participação
em
um
navio
que
em
seguida naufragara.
Em
primeira
instância, invocou Ihering a
coincidência
com o
ponto de
vista de Paulo e a
questão foi julgada a
seu
favor,
mas a
decisão foi cassada
em
segunda
instância. A
Faculdade de
Direito de Göttingen interessou-se
pela
análise da
decisão. “Nunca,
em
minha
vida – confessou
então Ihering –
um
caso
judiciário causou-me
tanta perplexidade (dizer
embaraço seria
pouco). Se os
erros
doutrinários merecem
castigo, neste
caso
eu fui
intensamente punido. De
fato, uma
coisa é, de
forma
puramente
teórica, satisfazer-se
com a
norma
jurídica apreendida a
partir de
sua
fonte
ou da
pura
Lógica,
sem
preocupação
com as
conseqüências e
desgraças
que
ela pode
causar;
outra
coisa é aplicá-la na
realidade da
vida. Uma
concepção
insana,
quando a
pessoa permanece
sadia,
não resiste a
tal
prova”. Ihering decidiu,
então, a
questão
contra
sua
própria
opinião
anteriormente manifestada. Esta
experiência serve,
além disso,
para
evidenciar o
mérito da
análise de
casos
jurídicos,
que obriga o
jurista
incondicionalmente a
cotejar
seus
pontos de
vista
teóricos
com a
prática do
caso
concreto, ao
contrário do
Direito legalista,
que se apóia
somente
em
casos
hipotéticos, gerados
pela
fantasia
ou
pela recordação.
De Ihering ficaram muitas
sugestões:
para o
Direito Comparado e a
Sociologia
Jurídica,
para o
movimento do
Direito
livre e a
jurisprudência do
interesse,
para a
moderna
Escola de
Direito
Penal de Liszt e a
adoção de
exercícios
práticos no
ensino
jurídico
universitário.
Em
um
período de
negação da
Filosofia,
após o esboroamento do
sistema hegeliano, Ihering,
apesar de
prisioneiro do
positivismo, foi
precursor de uma renovação da
Filosofia do
Direito,
que prosseguiria
com Rudolf Stammler (Lehre vom richtigen
Recht –
Teoria do
Direito
Justo – 1902).
BIBLIOGRAFIA:
Wieacker, R. v. Ihering, 1942.
§ 6º. A
problemática da
Filosofia do
Direito
I.
A
História da
Filosofia é a
história de
seus
problemas, os
quais estão
sempre relacionados
com
aquilo
que os
homens,
dentro do
espírito da
época, consideram
suas
preocupações
mais sérias,
mais profundas e
fundamentais. Na
época de
predomínio das
ciências da
natureza,
época do
positivismo, cumpria à
Filosofia
integrar os
recentes
conhecimentos
empíricos
em
um
sistema
sem
contradições. A
Teoria
Geral do
Direito, a
História
Universal do
Direito e a
Sociologia
Jurídica foram,
por
isso, consideradas substitutivas da
Filosofia do
Direito
ou
até
mesmo a
própria
Filosofia do
Direito. A
revolução de
nosso
sistema de
valores faz
com
que
hoje
nos inclinemos
fortemente a
aceitar a
Filosofia
como
conhecimento dos
valores,
como
ciência do
dever
ser,
que
nos
ensina, na
Lógica, a
pensar
corretamente; na
Ética, a
proceder
corretamente e, na
Estética, a
sentir
corretamente.
Em sintonia
com esta
concepção, a
Filosofia do
Direito é a
teoria do
Direito
justo (Lehre vom richtigen Recht – Rudolf
Stammler).
Ela
trata,
pois, do
valor e do
fim do
Direito, da
idéia e do
ideal do
Direito, e tem
seu
complemento na
Política
Jurídica,
que
busca
transformar
esse
Direito
ideal
em
realidade.
II.
As
ciências empíricas ocupam-se do
que é, do
que foi e do
que será; a
Filosofia ocupa-e dos
valores e do
dever
ser. As
ciências empíricas estudam as
leis da
natureza, o
que necessariamente ocorre; a
Filosofia do
Direito
estuda o
conteúdo valorativo das
normas, o
que deve
ser,
embora
infelizmente
nem
sempre aconteça. Kant ensinou
ser
impossível
deduzir os
valores a
partir da
realidade,
fundamentar o
dever
ser no
ser,
transformar
leis
naturais
em
normas. A
retidão de uma
conduta
não pode,
então,
estar embasada
indutivamente
em
fatos
empíricos,
mas deve
derivar,
dedutivamente, de
valores
superiores, remontando,
finalmente, aos
valores
supremos. O
mundo dos
valores e o
mundo dos
fatos coexistem
em
órbitas
paralelas
que
não se interpenetram. Esta
forma de relacionamento
entre
valor e
realidade,
entre
ser e
dever é denominada
dualismo metodológico.
III.
A
teoria do
Direito
justo foi designada,
durante
séculos,
como
Direito
Natural. Na antigüidade, repousava
ela no
antagonismo
entre
natureza e
convenção (Aristóteles); na
Idade
Média, na
antítese
entre
Direito
divino e
Direito
humano (Tomás de Aquino); na
Idade
Moderna, tem
ela
como
base a
contradição
entre
razão e
ordem coativa (de Hugo Grotius a Rousseau).
O
moderno
Direito
Natural
fundamenta
seus
postulados na
teoria do
contrato
social,
que
não deve
ser
entendido
como
um
fato
real,
mas
como uma
medida
fictícia.
Não deve
ser considerado
um
contrato
realmente celebrado,
mas
mera
construção
conceitual
que avalia a
retidão das
ordens
estatais e jurídicas:
bons e
justos
são
aquele
Estado e
aquele
sistema
jurídico
que possam
ser admitidos
como
resultantes da
livre
convenção dos
cidadãos. O
contrato
social é uma
forma
individualista de
pensamento
jurídico,
pois
só podem
ser concebidos
como
resultantes de
um
acordo
entre os
indivíduos o
Estado e o
sistema
jurídico
que correspondam aos
interesses
individuais de
cada
um. Esta
forma
individualista de
pensar o
contrato
social foi
revolucionária a
seu
tempo;
sob
inspiração dela triunfou o
direito
individualista e a
idéia de
Estado na
Revolução Francesa.
Com o
revés da
época da
Restauração, encerrou-se o
período de
predomínio do
Direito
Natural,
que foi substituído
pelo
predomínio da
Escola
Histórica do
Direito.
O
Direito
Natural,
em
seus
três
períodos, apresenta as
seguintes
características:
1.
é,
como a
natureza,
como
Deus e a
razão
humana,
imutável e
absoluto,
em
todos os
tempos e
lugares;
2.
é inequivocamente apreensível
pela
razão;
3.
não serve
apenas
como
parâmetro
para o
Direito
Positivo,
mas
também
para substituí-lo
quando
este estiver
em
contradição
com
ele.
Por
razões
que
serão
mais
tarde expostas (vide
IV, infra), o
Direito
Natural
não deve
ser
entendido
como
absoluto e
imutável e
sim
como
um
Direito
Natural de
conteúdo
variável (Naturrecht mit wechselndem Inhalt -
Stammler).
Até
que
ponto
este
Direito
Natural pode
ser
objetivamente
cognoscível e adequado,
portanto,
para
ocupar o
lugar do
Direito
Positivo, será analisado
mais
adiante (§§ 10, 12).
IV.
A
Filosofia do
Direito fundamenta-se,
em
parte, na
natureza
humana e,
em
parte, na
natureza das
coisas;
em
parte,
sobre a
idéia de
Direito e,
em
parte,
sobre
seu
conteúdo. A
natureza
humana é o
fator
constante, a
natureza das
coisas é o
fator
variável da
Filosofia do
Direito.
1.
Sobre a
natureza
humana repousa a
idéia de
Direito.
Como a
essência do
homem é a
razão, a
idéia de
Direito apoiada na
razão tem,
como esta, validez
universal,
mas (segundo Kant)
puramente
formal,
incapaz,
portanto, de
extrair de
si
própria uma
ordem
jurídica,
como pretendeu
fazer o
Direito
Natural.
2.
A
natureza das
coisas,
conceito surgido
já na antigüidade, foi transformada
em
centro de
interesse
por Montesquieu.
Seu
livro “O
Espírito das
Leis” (Esprit des lois) inicia-se
com estas
palavras: “As
leis
são
relações necessárias
que derivam da
natureza das
coisas” (sobre “natureza
das
coisas”
vide Radbruch, Rechtsidee und Rechtsstoff in der
Kant-Festschrift – A
idéia de
Direito e o
conteúdo
jurídico, na comemoração do
jubileu de Kant,
em Archiv für Rechts- und Wirtschaftsphilosophie
–
Arquivos
sobre a
Filosofia da
Economia e do
Direito – 1924).
a)
Coisa, na
expressão “natureza
das
coisas”, significa a
matéria
prima, o
material do
Direito, os “dados
reais da
legislação” (Eugen Huber, Zeitschrift für
Rechtsphilosophie –
Revista de
Filosofia do
Direito –
tomo I, pág. 39 e sgs.),
em
suma, os
fenômenos
naturais,
sociais e
jurídicos
que o
legislador
encontra e
que
são submetidos à
sua regulamentação. Constituem
matéria do
Direito,
em
primeiro
lugar, os
fatos
naturais,
desde a
queda da
maçã
através da
cerca,
importante
para as
relações de
vizinhança,
até a
rotação da
terra
sobre
seu
próprio
eixo e
em
torno do
sol,
com
relação à
qual
são estabelecidos os
prazos e
termos
jurídicos. O
progressivo
domínio da
natureza
pelo
homem e a
evolução
tecnológica criam
novos
materiais e,
em
conseqüência,
novas
questões jurídicas.
Naturais
são
também as
formas de
convivência quod
natura omnia animalia docuit: maris atque
feminae coniunctio, liberorum procreatio et educatio (aquilo
que a
natureza ensinou a
todos os
animais:
união
entre
macho e
fêmea,
procriação e
educação dos
filhos (Ulpiano, D. 1, 1, 3 ).
Mas as
rotações da
terra
não
são
suficientes
para
calcular juridicamente o
tempo,
senão
através da regulamentação
resultante da
convenção
sobre o
calendário. Da
mesma
forma, as
relações
naturais
entre os
sexos
diferentes e a
procriação
não
são
imediatamente
conteúdo
material do
Direito,
senão a
partir das
formas de
manifestação
social
que
seu
núcleo
natural determina:
monogamia
ou
poligamia, matriarcado
ou
patriarcado. Os
dados
naturais indicam as pré-formas
sociais das
relações jurídicas e servem
como
matéria
para a regulamentação das
relações humanas
pelo
hábito, a
tradição, o
uso, a
prática, o
costume. O
legislador
encontra,
por
exemplo, no
dia-a-dia da
existência,
tipos de
negócios
que transforma
em
material
para o
Direito das
Obrigações,
encontra
em
seguida
entidades coletivas
como a
comunidade e a
igreja,
que exigem
ser reconhecidas
como
pessoas jurídicas.
Encontra
também
atos
anti-sociais, repudiados
pela
consciência do
povo, e reclama,
para
eles,
proibição e
punição,
assim
como
maus
costumes,
relativamente aos
quais está
certo de
que
não pode
lutar
porque (como ocorria
com o
duelo
até
pouco
tempo
atrás) estão protegidos
pela
força do
reconhecimento de
um
costume
social. Estas
formas embrionárias de
regras jurídicas ultrapassam
sem
dificuldade a
fronteira do
Direito
costumeiro e levam
consigo
um
terceiro
grupo de
fatos
que passam a
constituir
matéria
jurídica: as
relações humanas implicitamente reguladas.
Quando se
fala
em
relações econômicas
como
matéria de
Direito, pensa-se,
necessária e simultaneamente (como
Stammler
em
sua
crítica à
concepção materialista da
história),
em
sua regulamentação
jurídica. A
influência da
Economia
sobre a
estrutura das
leis é
também,
em
verdade, a
influência de uma
situação
jurídica existente
sobre a estruturação de
formas jurídicas
novas. O
Direito vigente no
momento
em
que se legisla influencia inelutavelmente o
novo
Direito,
não
somente
através das
normas transitórias e dos
direitos adquiridos;
sem
dúvida,
não é a
mesma
coisa
instituir
um
Direito
novo
sobre o
Direito vigente e
edificar
um
novo
Direito
sobre
terreno
não
construído; é o
que se dá,
por
exemplo,
com as
discussões
sobre a
abolição da
pena de
morte
com
base
em
um
sistema
jurídico
que a reconhece
como
válida
ou
com
base
em
um
sistema
jurídico no
qual
ela
sempre foi
estranha.
Quando se considera “coisa”
também o
sistema
jurídico vigente, a “natureza
das
coisas” revela-se, ao
mesmo
tempo,
um
elemento
histórico, tradicional,
conservador da
Filosofia do
Direito e da
Política
Jurídica.
b)
Até
aqui, tratamos de “coisa”. Na
expressão “natureza
das
coisas”, “natureza”,
em
sentido
objetivo, corresponde à
essência, apreendida a
partir da
estrutura das
relações humanas
em
si mesmas. Corresponde à
resposta à
pergunta
sobre
como esta
relação existencial,
assim estruturada, pode
ser pensada
como
realização de
determinada
idéia de
valor.
Até
que
ponto –
em
aparente
contradição
com o
dualismo metodológico – tem
sentido a
idéia de
valor de uma
relação
humana,
como
determinante do
Direito
justo?
A
natureza das
coisas revela-se
decisiva,
em
primeiro
lugar,
como possibilidade de
converter uma
idéia
jurídica
em
realidade. Neste
sentido,
natureza das
coisas significa a
resistência
que a
realidade
bruta do
mundo opõe às
idéias jurídicas
mais
ou
menos incômodas e
sua concretização (ratione temporum habita).
Perguntado se havia
dado a
seus
cidadãos as
melhores
leis
que se
poderia
imaginar, respondeu Solon: “Simplesmente
as
melhores,
com
certeza
não,
apenas as
melhores
para as
quais
eles estavam capacitados”. A
Filosofia do
Direito,
que desemboca na
Política
Jurídica, é,
como a
Política, a “arte do
possível”. Amo-o
por
ser
impossível,
não pode
ser
elevado a
lema da
Filosofia do
Direito e da
Política
Jurídica.
Mas a
natureza das
coisas
não se revela
apenas
como
obstáculo à
realização das
idéias jurídicas;
ela é
também
importante na
gênese do
pensamento
jurídico.
Toda
idéia
jurídica traz
consigo, necessariamente, as
marcas do “clima
histórico”
em
que se formou e permanece
quase
sempre
circunscrita, de
forma
inconsciente, às
fronteiras do historicamente
possível e
assim vinculada à
natureza das
coisas.
A
importância da
natureza das
coisas
para o
legislador
não decorre
exclusivamente das
exigências de
realização do
Direito
ou dos
limites
históricos
para a
geração das
idéias jurídicas,
mas vincula-se à
própria
essência da
idéia de
Direito.
Toda
idéia de
valor é
definida
para
determinada
matéria e,
por
isso,
por
ela
determinada. A
idéia de
Justiça,
por
exemplo, é referida ao
convívio e revela,
em
sua
essência, de
forma
evidente, as
normas de
convivência.
Como a
idéia de uma
obra de
arte depende do
material no
qual deverá concretizar-se, variando,
por
exemplo, se for pensada
para o
mármore
ou
para o
bronze,
toda
idéia de
valor está
ordenada a
determinada
matéria (Emil Lask) e as
idéias jurídicas,
em
particular, estão
essencialmente determinadas
pela
matéria
jurídica,
pela
época,
pelo
espírito do
povo,
em uma
palavra,
pela
natureza das
coisas (“determinação
material da
idéia”).
A
natureza das
coisas serve
para
minimizar,
sem eliminá-la, a
dura
tensão do
dualismo
entre
valor e
realidade,
entre
dever e
ser. A
idéia de
Direito deve
enunciar a
última
palavra
relativamente à
natureza das
coisas,
que se situa no
campo do
dado. A
natureza das
coisas enfrenta a
idéia de
Direito, exigindo uma estruturação
sensata da
matéria
jurídica, deixando,
porém, a
decisão
final
para a
idéia de
Direito. Iurisprudentia est divinarum et
humanarum rerum notitia, iusti et iniusti scientia (A
ciência do
Direito é o
conhecimento das
coisas divinas e humanas –
natureza das
coisas – , o
conhecimento do
justo e do
injusto – idéia do
Direito).
BIBLIOGRAFIA:
Radbruch, Rechtsphilosophie (Filosofia
do
Direito),
3ª
edição, 1932; Sauer, Lehrbuch der Rechts- und Sozialphilosophie (Tratado de
Filosofia
do
Direito
e
Sociologia
Jurídica),
1929, págs. 5 e sgs.; Karl Petraschek, System der Rechtsphilosophie (Sistema de
Filosofia
do
Direito),
1932; Giorgio Del Vecchio, Lezioni di
Filosofia
del Diritto, 3ª ed., 1936;
Jennings,Modern Theories of Law (Modernas
Teorias
Jurídicas), 1932; W. Friedmann,
Legal
Theory (Teoria
do
Direito),
1945.
|