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II
A
idéia
de
Direito
§ 7º. A
Justiça
I.
A
pauta axiológica do
Direito
Positivo,
meta do
legislador, é a
Justiça,
um
valor
absoluto,
como a
Verdade, o
Bem e o
Belo;
um
valor
que repousa
em
si
mesmo e
não depende de
nenhum
outro.
II.
Deve-se
distinguir:
1.
Justiça
como
virtude e
como
qualidade
pessoal (por
exemplo, o
Juiz
justo), a
Justiça
subjetiva, de
Justiça
como
propriedade do relacionamento
entre
pessoas (por
exemplo, o
preço
justo),
que é a
Justiça
objetiva. A
Justiça
subjetiva corresponde à
intenção
que conduz à
realização da
Justiça
objetiva e está
para
ela
como a veracidade está
para a
verdade. A
Justiça
objetiva constitui,
portanto, a
forma
primária,
enquanto a
Justiça
subjetiva é a
forma
secundária da
Justiça. Neste
trabalho, estamos interessados
apenas
pela
Justiça
objetiva.
É
preciso
distinguir
mais:
2. A
Justiça
enquanto
parâmetro do
Direito
Positivo – a
juridicidade – da
Justiça
enquanto
idéia
anterior e
superior à
lei –
Justiça
em
sentido
estrito. Aquela é a
Justiça do
Juiz, esta a
Justiça do
legislador.
Apenas
este
último
aspecto da
Justiça interessa-nos neste
trabalho.
III.
O
cerne da
Justiça é a
idéia de
igualdade. A
partir de Aristóteles costuma-se
distinguir duas
formas de
Justiça,
cada uma delas plasmada
sob uma
diferente
forma de
igualdade:
Justiça comutativa (justitia
commutativa) significa
igualdade
absoluta
entre
prestação e contraprestação,
por
exemplo,
entre
mercadoria e
preço,
dano e
indenização,
culpa e
pena.
Justiça distributiva (justitia
distributiva) significa proporcionalidade no
tratamento
dado a diversas
pessoas,
por
exemplo, a
diferenciação da
carga
tributária
entre as
pessoas
em
função de
sua
capacidade contributiva, a
promoção das
pessoas
em
função da
antiguidade no
serviço e o
mérito. A
Justiça comutativa pressupõe a
existência de duas
pessoas juridicamente equiparáveis; a
Justiça distributiva, ao
contrário, pressupõe no
mínimo
três
pessoas: uma colocada
em
nível
superior,
que impõe
encargos
ou distribui
benefícios a duas outras, a
ela subordinadas.
Quando consideramos o
Direito
Privado
como aplicável a
pessoas equivalentes e o
Direito
Público aplicável ao relacionamento
entre
pessoa de
nível
superior e
seus
subordinados, concluímos
que a
Justiça comutativa é
própria do
Direito
Privado e a
Justiça distributiva caracteriza o
Direito
Público. A
equiparação
jurídica
própria do
Direito
Privado resulta de
um
ato de
Justiça distributiva,
porque,
para
que se possa
aplicar a
Justiça comutativa, é
necessário admitir-se
igual
capacidade
jurídica
entre as
pessoas
que dela participam.
Assim, a
Justiça distributiva – o suum cuique, a
cada
um o
seu – é a
forma
primária de
Justiça e a
Justiça comutativa é uma
forma derivada de
Justiça.
IV.
Embora a
Justiça,
sob
sua
dupla
forma, seja,
como o
Bem, a
Verdade e a
Beleza,
um
valor
absoluto,
não derivável de
outro
que
lhe seja
superior,
nem
sempre a
igualdade
que nela está
implícita apóia-se psicologicamente
em motivação
ética. A
igualdade pode
ser
aspiração dos
invejosos,
que almejam os
mesmos
favores dos privilegiados; dos despeitados,
que pretendem o rebaixamento dos
demais; dos
perversos,
felizes ao
assistir a
desgraça dos
outros; dos
vingativos,
que desejam aos
outros os
mesmos
males
que sofreram.
Por
isso a
realização da
Justiça é,
em
realidade,
um
exemplo na “lista de
idéias” (Hegel)
que se utilizam da
paixão
para realizar-se.
V.
A
Justiça tem
implícita uma
tensão
irresistível:
sua
essência é a
igualdade; a universalidade é,
portanto,
sua
forma –
todavia,
ela
busca
sempre
levar
em
conta o
caso
concreto, o
indivíduo,
sua singularidade. Esta
Justiça voltada
para o
caso
concreto,
para a
individualidade, é
chamada
eqüidade, uma
busca
que
jamais se realiza
completamente; uma
Justiça individualizada é
em
si
mesma
contraditória,
pois a
Justiça se
vale
sempre de
normais
gerais.
Sua universalidade reconhece
graus e
mesmo a
especialidade se dá
sempre de
forma
geral, aproximando-se
sempre da
individualização
sem
jamais alcançá-la
por
completo. A
tendência à equidade na
Justiça
encontra
por
isso, na
especialidade,
apenas uma
forma
parcial, uma
espécie de
compensação
entre a
constante
generalização e a
completa
individualização,
como,
por
exemplo, na
substituição da
igualdade
entre as
pessoas, no
Direito
Civil,
pela
diferença
entre
empregador e
trabalhador,
entre
empregado e
funcionário, no
Direito do
Trabalho.
VI.
Justiça é uma
idéia
formal. A duas
questões
ela
não responde; ao
contrário, toma-as
como pressupostos
incontestáveis.
Entendida
como
tratamento
igual aos
iguais e
desigual aos
desiguais,
não
nos diz 1.
quem deve
ser considerado
igual
ou
desigual,
nem 2.
como devem
ser
tratados os
iguais e os
desiguais. A
igualdade resulta
sempre de uma
abstração da desigualdade existente,
pois as
coisas e os
homens neste
mundo
são
tão
diferentes
entre
si
como “um
ovo
em
relação a
outro
ovo”. Se,
por
exemplo,
dois
agentes do
mesmo
delito devem
receber a
mesma
pena
por terem cometido o
mesmo
crime
ou se devem
ser
tratados de
forma
diferente
em
função de
seus
antecedentes e
sua
periculosidade, é uma
questão de
igualdade
ou desigualdade
que
precisa
ser resolvida
com
base
em
considerações teleológicas,
ou seja,
antes
que a
Justiça possa
prolatar
sua
sentença. Da
mesma
forma, é
impossível
derivar da
Justiça a
espécie e
quantidade da
pena.
Ela
só pode
determinar a proporcionalidade das
penas
dentro de
determinado
sistema
penal,
nunca
estabelecer o
sistema
penal
em
si
mesmo. Se a classificação das
penas
começa,
em
cima,
com a
mais
grave delas, a
pena de
morte, e termina,
em
baixo,
com uma
indenização,
ou se
começa,
em
cima
com a
prisão
perpétua e termina,
em
baixo,
com
multa
mínima,
são
questões
sobre as
quais a
Justiça
nada tem a
dizer.
Ela pode
apenas,
dentro de uma
escala
já
dada,
determinar a
posição
correspondente à
periculosidade do
agente.
Apenas a
forma da
lei: a
Justiça pode
fazer
com
que
aquilo
que foi
determinado
como
igualdade
para
todos seja
realmente
igual, revista-se da
forma da universalidade.
Nada pode
dizer, no
entanto,
quanto ao
conteúdo destas
leis
gerais,
quanto a
igualdade prescrita
para os
iguais.
VII.
Não significa
negar
que existam
normas
cujo
conteúdo derive
diretamente da
justiça.
Regras
sobre a
aplicação do
Direito podem
derivar
diretamente da
idéia de
Justiça,
mesmo
quanto a
seu
conteúdo,
como ocorre
com as
normas relativas à
independência dos Juízes
ou a
proibição de
aplicar
pena
definitiva
sem
proporcionar ao acusado
oportunidade de
defesa.
São
postulados de
Justiça, revestidos de
caráter
absoluto
como a
própria
Justiça.
Mas a
maioria das
normas jurídicas recebe da
Justiça
apenas
sua
forma,
que é a
igualdade de
tratamento de
todos, a universalidade da regulamentação
jurídica.
Seu
conteúdo deve
ser
determinado
por
outro
princípio, decorrente
também da
idéia de
Direito: a
finalidade.
BIBLIOGRAFIA:
Giorgio Del Vecchio, La Giustizia (A
Justiça),
3ª
edição, 1946; Nef, Gleichheit und Gerechtigkeit (Igualdade
e
Justiça),
1941; Emil Brunner, Gerechtigkeit (Justiça),
1943; Radbruch,
em
Justice and Equity ( The New Commonwealth Institute Monograph), 1935.
§ 8º. A
conformidade aos
fins
I.
Para
que da
Justiça decorram
normas jurídicas, é
necessária
também a
referência à
adequação aos
fins.
Estes ”fins do
Direito”
não
são empiricamente estabelecidos,
mas devem
ser
entendidos
com a
idéia de
fim,
como o
que deve
ser.
Enquanto o
conceito de
Justiça
pertence à
Filosofia do
Direito, a
idéia de
fins do
Direito deve
ser buscada na
Ética,
disciplina dividida
em duas
partes:
teoria dos
deveres e
teoria dos
bens.
Bens
morais
são
valores,
cujo
conteúdo
forma os
deveres
morais. Os
fins do
Direito podem
estar referidos
tanto aos
bens
morais
quanto aos
deveres
morais.
II.
A
teoria dos
bens
morais distingue
três
espécies de
valores, de
acordo
com a
essência de
seus
portadores:
titular do
primeiro
grupo é a
pessoa
individualmente considerada; do
segundo, a
pessoa
jurídica; do
terceiro, o
bem de
cultura. A
partir da
hierarquia dessas
três
espécies de
valores, distinguem-se
três
sistemas de
valores: o
sistema de
valores
individualista,
relativo ao
valor da
personalidade
individual; o
sistema de
valores supra-individualista,
relativo aos
valores das
pessoas jurídicas; e o
sistema de
valores transpersonalista,
que tem a
obra de
cultura
como
supremo
bem.
Formas de
convívio
correspondentes a
cada
um desses
três
sistemas de
valores
são: a
sociedade
individualista, a
coletividade supra-individualista e a
comunidade trans-pessoal.
Para
ilustrar esta
idéia, devemos
pensar a
sociedade
como
relação contratual, a
coletividade
como
organismo
semelhante ao
corpo
humano e a
comunidade criadora de
bens de
cultura
como
oficina na
qual os
agentes
não se relacionam
diretamente uns
com os
outros,
mas
sim
indiretamente,
através da
obra
comum. Os
ideais dessas
três
formas de
convivência
humana
são simbolizados
por
três
palavras:
liberdade,
poder e
cultura. O
ideal
individualista, a
liberdade, gerou o
partido
político
liberal e assumiu as
formas democráticas e
socialistas. Na
concepção
liberal, o
valor da
pessoa – matematicamente falando – é
infinito,
impossível de
ser multiplicado, e está legitimado
mesmo
quando
conflita
com
interesses
majoritários, seja
qual for a
dimensão desta
maioria. No
pensamento
democrático, ao
contrário, a
pessoa tem
valor limitado, de
tal
forma
que o
valor
pessoal da
maioria prevalece
contra o da
minoria.
Enquanto a
democracia assegura ao
homem
apenas uma
liberdade
formal,
jurídica, pretende o
socialismo uma
democracia
material,
ou seja,
real – a
liberdade
econômica
para
cada
um,
sem se
afastar do
objetivo
final
individualista. A
teoria supra-individualista,
ou
orgânica, ao
contrário, dá
fundamentação aos
partidos
autoritários
ou
conservadores,
segundo os
quais o
Estado, o
todo,
não existe
para
seus
membros,
mas
estes existem
para o
todo, de
forma
que os
interesses do
Estado
são
superiores
até
em
relação aos da
maioria dos
cidadãos. A
concepção transpessoal,
finalmente,
não influenciou a
doutrina de
nenhum
partido
político. Constitui-se,
todavia, no
único
parâmetro
para a avaliação
tardia de
povos desaparecidos,
quando deles restaram
apenas os
valores culturais.
III.
A
hierarquia dessas
três
espécies de
valores
não pode
ser
determinada de
forma
inequívoca e comprovada. Os
fins e
valores
supremos do
Direito variam
não
só
em
função das
circunstâncias
sociais de
cada
povo e de
cada
época,
como
também
subjetivamente
em
função de
cada
pessoa, do
sentimento
jurídico, da
concepção do
Estado,
posição
partidária,
religião e
visão de
mundo. As
decisões precisam
ser
tomadas pelas
pessoas
em
consciência, a
partir da interioridade de
cada uma. A
ciência deve limitar-se a
apresentar
esses
três
grupos de
valores à
deliberação
individual.
Para esta
deliberação, contribui a
ciência de
três
formas:
1.
desenvolvendo
completamente, de
maneira
sistemática, os
valores
possíveis;
2.
expondo os
meios
capazes de realizá-los e as
conseqüências desta
realização;
3.
revelando as
filosofias de
vida pressupostas
em
cada
posicionamento valorativo.
Este relativismo
ensina a
cada
um, de
três
formas,
não
apenas o
que
ele deve
fazer,
mas
também o
que
ele
realmente
quer,
ou seja,
aquilo
que
ele deve
querer, se
pretender
seguir, de
forma
conseqüente, o
que a
lei prescreve.
IV.
O
problema dos
bens
supremos,
também
em
relação ao
Direito, conduz-nos à resignação relativista. Da
teoria
sobre a
essência
universal do
dever – uma
vez
que
seu
conteúdo deve
ser
sempre
determinado – decorrem
exigências absolutas
para o
Direito. É
natural
que o
Direito
não possa
assumir a
tarefa do
cumprimento
incondicional dos
deveres
éticos,
pois
este
cumprimento é
em
essência
questão de
liberdade e,
portanto,
não pode
ser
imposto
coercitivamente. O
Direito
não pode
impor
seu
cumprimento,
apenas possibilitá-los: o
Direito é a possibilidade de
cumprimento dos
deveres
éticos
ou,
em outras
palavras, é
um
instrumento da
liberdade
exterior,
sem o
qual a
liberdade
interior –
essencial
para a
decisão
ética –
não pode
existir.
Garantir a
cada
um a
liberdade
exterior é,
pois, a
essência, a
medula, dos
direitos do
homem. De
onde se conclui
que
estes
direitos têm
caráter
absoluto
não
porque decorrem de alguma
manifestação de
Direito
Positivo,
mas
porque
são
indispensáveis ao
cumprimento dos
deveres
morais.
Assim se demonstra, de alguma
forma, a
necessidade do
liberalismo,
não
só
para a
democracia
ou o
socialismo,
mas
também
para o
autoritarismo.
Por
outro
lado,
não pode o
liberalismo
extrair de
si
mesmo
um
sistema
jurídico e
estatal
completos,
pois
ele
não é
senão a
modificação de alguma
concepção
estatal.
Em
toda
teoria
estatal há uma
tensão
fecunda
entre
liberalismo e
democracia,
entre
liberalismo e
socialismo,
ou
entre
liberalismo e
conservadorismo. A
Justiça distributiva é
chamada a
decidir
sobre a
relação axiológica
entre os
direitos do
homem e a
totalidade supra-individualista do
povo. Constituiria, no
entanto,
um
Direito
absolutamente
injusto a
negação dos
direitos do
homem,
quer a
partir do
ponto de
vista supra-individualista (“tu
não és
nada,
teu
povo é
tudo”),
quer do
ponto de
vista transpessoal (“uma
estátua de Fidias compensa a
desumanidade praticada
contra
milhões de
escravos
antigos” – Treitschke).
BIBLIOGRAFIA:
Radbruch, Le relativisme (O relativismo) –
em
Archives de Philosophie du Droit, 1936.
§ 9º. A
segurança
jurídica
I.
Colocada a
questão
sobre os
fins do
Direito a
partir dos
bens
éticos, deveria
terminar
mesmo no relativismo. Uma
vez
que
não se pode
definir o
que seja o
Direito
justo, torna-se
necessário estabelecê-lo
através de
um
poder
capaz de
impor o
que foi estabelecido. É o
que justifica o
Direito
positivo,
pois a
segurança
jurídica
só pode
ser obtida
através da positividade do
Direito.
Assim surge,
como
terceiro
elemento da
idéia de
Direito, a
segurança
jurídica.
II.
Segurança
jurídica
não se confunde
com a
segurança
que se obtém
através do
Direito,
tal
como a
garantia de
vida
contra o
assassinato e o
roubo –
implícita no
conceito de
fins do
Direito –
mas refere-se à
segurança do
Direito
em
si
mesmo, o
que exige o
implemento de
quatro
condições:
1.
que o
Direito seja positivado,
isto é, conste das
leis;
2.
que
ele seja
seguro,
isto é, esteja
fundamentado
em
fatos e
não confiado ao
juízo de
valor do
Juiz no
caso
concreto, a
partir de
cláusulas
gerais
como “boa
fé”
ou “bons
costumes”;
3.
que os
fatos
que fundamentam o
Direito ofereçam possibilidade
mínima de
erro e sejam
praticáveis,
para o
que,
por
vezes, torna-se
necessário
aceitar
suas
manifestações,
isto é, substituí-los
por
suas
manifestações
exteriores,
como,
por
exemplo,
determinar a
capacidade de
ação
não a
partir da
maturidade
psíquica do
agente,
mas
sim a
partir de
determinado
limite de
idade
igual
para
todos;
4.
finalmente, o
Direito
Positivo –
para
que haja
segurança
jurídica –
não deve
ser facilmente mutável,
não deve
estar
sujeito a uma
legislação oportunística
que possibilite
dar
forma de
lei a
cada
caso
concreto
sem nenhuma
dificuldade. É
por
isso
que constituem
garantias de
segurança
jurídica os “pesos e
contrapesos”, a
divisão de
poderes e a
cautela do
aparelho
parlamentar.
III.
A
segurança
jurídica exige,
portanto, a
vigência do
Direito
Positivo.
Mas a
necessidade de
segurança
jurídica pode
fazer
também
com
que
situações de
fato se transformem
em
situações de
Direito e
até
que, de
forma
paradoxal, o
ilícito crie
Direito. Puras
situações de
fato,
como o
status quo no
Direito
Internacional e a
posse no
Direito
Civil gozam de
proteção
jurídica
sem
que necessitem
estar apoiadas
em
algum
fundamento
legal. No
usucapião e na
prescrição, o
decurso do
prazo transforma uma
situação
ilícita
em
lícita.
Em
nome da
segurança
jurídica,
para
pôr
termo a litígios,
mesmo as
sentenças injustas adquirem
força
jurídica e,
em
sistemas
nos
quais predominam os
fatos e os precedentes, passam a
ser usadas
até
como
parâmetros
para
casos
futuros assemelhados.
Costumes
originalmente
contrários à
lei transformam-se
em
Direito e podem
inclusive
impor
sua
validade
contra a
lei. A
revolução,
em
si
mesma
alta
traição, é
crime
enquanto
não
vitoriosa,
mas, a
partir da
vitória, converte-se
em
fundamento de
um
novo
Direito – é,
outra
vez, a
segurança
jurídica transformando o
ilícito
em
Direito.
Um
governo
revolucionário legitima-se ao demonstrar-se
capaz de
manter a
paz e a
ordem;
por
isso, no
dia
seguinte ao
triunfo da
revolução, costumam
todos os
governos
revolucionários
proclamar
que irão
garantir a
paz e a
ordem (comprometidas
pela
alta
traição). A
idéia de
segurança
jurídica
leva,
portanto, a
terríveis
paradoxos
entre
força e
Direito:
embora a
força
não seja
superior ao
Direito,
quando
vitoriosa,
cria
ela
nova
situação
jurídica.
IV.
No
Direito
inglês, a
idéia de
segurança
jurídica prevalece
sobre os
demais
elementos da
idéia de
Direito, a
ponto de
um
jurista
inglês, Bentham (1748-1832) fazer-lhe
verdadeiro
panegírico:
ela
nos assegura a possibilidade de
prever o
futuro e preparar-nos
para
ele; é
fundamento de
nossos
planejamentos, de
nossos
trabalhos e de
nossa
poupança; faz
com
que a
vida
não seja
apenas uma
sucessão de
momentos,
mas tenha continuidade; faz
com
que a
vida de
cada
um se transforme
em
um
elo, na
cadeia das
gerações; é a
decisiva
característica da
civilização, distinguindo o civilizado do
selvagem, a
paz da
guerra, o
homem do
animal. À
sua
vez, Jakob Burckhardt – “A
segurança burguesa” – muitas
vezes troçou, lembrando
que
momentos de
grande florescimento foram
carentes de
segurança. É
possível
que, vivendo
um
longo e
excepcional
período de
paz,
entre 1871 a 1914, as
pessoas tenham ficado cansadas da
segurança –
mas
nós experimentamos de
forma
suficiente
exatamente o
contrário e
assim aprendemos a
considerar a
segurança
jurídica
um
verdadeiro
valor.
BIBLIOGRAFIA:
Germann, Rechtssichereit (Segurança
Jurídica),
em
Methodische Grundfragen (Questões
Fundamentais
sobre
o
Método),
Basel, 1946.
§ 10º. A
hierarquia das
idéias de
valor
I.
Conforme foi demonstrado, as
três
idéias de
valor devem complementar-se, a
natureza
formal da
Justiça necessita da
idéia de
fins
para
adquirir
significado da
mesma
forma
que o relativismo exige a referibilidade a
fins, a positivação e a
segurança jurídicas.
Mas, ao
mesmo
tempo
em
que as
três
idéias de
valor se complementam, entram
em
contradição.
II.
Quando se afirma
que salus populi
suprema lex est (a
segurança do
povo é a
suprema
lei), pressupõe-se
que a
única
coisa
que importa é a
finalidade;
contra
isso, há
quem responda: iustitia fundamentum regnorum
(a
Justiça é o
fundamento dos
reinos), é o
fundamento de
todo
Direito; diz-se
também fiat iustitia, pereat mundus (faça-se
Justiça,
ainda
que o
mundo seja destruído),
ou seja, o
Direito
Positivo
precisa
ser respeitado,
mesmo a
custa dos
demais
valores
jurídicos, e, ao
mesmo
tempo, admite-se
que o
Direito
Positivo, exigido de
modo
incondicional, conduz à
ilicitude – summum ius, summa injuria (o
máximo de
Direito
leva ao
máximo de
injustiça).
São
antagonismos
intrínsecos à
idéia de
Direito
que exigem
superação.
III.
De 1933 a 1945 (na Alemanha) preconizou-se
que o
Direito correspondia a
tudo o
que fosse
útil ao
povo. Acentuava-se, deste
modo, de
forma extremada, a
idéia supra-individualista de
finalidade – a
incondicional
exigência do
bem
comum e da
força, a
absoluta
negação dos
direitos
individuais da
pessoa. Foi,
sem
dúvida,
um
exemplo de
superposição da
idéia de
fim à
idéia de
Justiça.
Todavia, é a
Justiça
que deve
solucionar o
conflito
entre
individualidade e
coletividade.
Ela
até precede a
finalidade.
Também a
segurança
jurídica é
anterior à
visão finalística, uma
vez
que esta
não pode
ser estabelecida
com
validade
universal.
Por
isso, é
impossível
distinguir
entre
pretensos
objetivos finalísticos e
arbítrio. A
natureza e o
significado da
segurança
jurídica consistem,
então,
em
estabelecer o
Direito de
forma
absolutamente
evidente
em
face das conflitantes
concepções de
finalidade.
IV.
Conflito
definitivo se estabelece
entre
Justiça e
segurança
jurídica, uma
vez
que a
idéia de
segurança
jurídica exige
que o
Direito
positivo seja aplicado
mesmo
quando
injusto;
sua
aplicação
hoje e
amanhã, a uns e
outros, constitui
um
respeito à
igualdade,
que é a
essência da
Justiça;
sob a
perspectiva da
Justiça, se o
injusto é distribuído
entre
todos de
forma
igual, está restabelecida a
Justiça,
pois
injusto seria o
tratamento
desigual. Integrando a
segurança
jurídica a
forma da
Justiça, o
conflito
entre esta e aquela é
um
conflito da
própria
Justiça
consigo
mesma,
que
não pode
ser resolvido de
forma
inequívoca. Trata-se de uma
questão de
graus: se a
injustiça do
Direito
positivo é
tal
que a
segurança
jurídica
por
ele garantida fica comprometida,
ele deve
ceder
ante a
Justiça.
Em
regra,
porém, a
segurança
jurídica garantida
pelo
Direito
positivo justifica a
vigência dele,
mesmo
quando
injusto: legis tantum interest ut
certa sit, ut absque hoc nec iusta
esse possit (é
tão
importante a
certeza da
lei
que,
sem esta,
ela
deixa de
ser
justa) –
Bacon.
BIBLIOGRAFIA:
Radbruch, Le but de Droit (O
fim
do
Direito),
Annuaire de l’Institut de Philosophie du Droit, (Anuário
do
Instituto
de
Filosofia
do
Direito),1937/38.
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