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III
O
Direito
Positivo
§ 11. O
conceito de
Direito
I.
O
conceito de
Direito está
para a
idéia de
Direito
como o
ser está
para o
dever
ser. O
Direito é
real,
todavia, o
conceito de
Direito
não pode
ser obtido
indutivamente, empiricamente, a
partir de
fenômenos
jurídicos,
pois,
para
tanto,
tais
fenômenos precisariam
antes
ser
já qualificáveis
como
jurídicos. O
conceito de
Direito tem,
portanto,
natureza apriorística e
só pode
ser
construído de
forma
dedutiva.
II.
O
Direito é
fenômeno cultural e o
conceito de
Direito é
um
conceito cultural.
Ora,
conceitos culturais
não
são axiológicos
nem
puramente
ontológicos.
São “relativos a
valor”. O
mesmo ocorre
com “ciência”
como
conceito cultural:
não se confunde
com o
conceito axiológico de
verdade,
pois abrange
não
só as
verdades conhecidas,
mas
também os
erros
científicos de
determinada
época;
não é
tampouco
um
conceito
ontológico, uma
vez
que abrange
somente os
erros “científicos”,
isto é,
aqueles
que aspiram,
que pretendem
ser
verdades.
Esses
erros
são
passos
em
falso no
caminho da
verdade. O
conceito cultural de
ciência é,
portanto,
relativamente
valioso. É
também o
que se dá
com “arte”,
conceito
que
não está limitado ao
conjunto das
obras de
arte, uma
vez
que abrange,
além da
grande
arte,
lamentáveis pseudo-artes,
fracassos
artísticos, meras
tentativas de
chegar à
beleza.
Não é
outra
coisa o
que se
passa
com
Direito,
conceito
ontológico de
algo
que tem
por
objetivo
realizar a
Justiça,
pouco importando se a
logra
ou se
fracassa nessa
missão;
Direito é
aquilo
que tem
por
objetivo
realizar a
idéia de
Direito. O
conceito de
Direito orienta-se
em
direção à
idéia de
Direito, o
que
mostra
que a
idéia de
Direito precede-o logicamente.
III.
A
partir de
seu
conceito, depreende-se
que o
Direito:
1.
é uma
realidade manifestada
sob a
forma
empírica da
lei
ou do
costume;
ele é,
portanto,
sempre
positivo;
2.
como concretização da
idéia de
Direito, destaca-se
ele do restante da
realidade
por
ser uma
forma valorativa e impositiva –
como normativo;
3.
propondo-se à
concreção da
Justiça, a
regulamentar o
convívio das
pessoas, tem
natureza
social;
4.
aspirando à
Justiça, pretende
implantar a
igualdade
entre
todos, tendo,
portanto,
natureza
geral.
Pode-se
definir o
Direito,
pois,
como o
conjunto de
regras
gerais e positivas da
vida
social.
IV.
As
manifestações de
vontade do
Estado
que careçam de alguma destas
características
não passam de afirmações
sem
natureza
jurídica.
Quando,
por
exemplo, se
nega
conscientemente a
natureza
geral do
Direito,
quando
não se pretende
fazer
Justiça, as
determinações
estatais
são
apenas
manifestações de
poder,
jamais
normas jurídicas. É o
que ocorre,
por
exemplo,
com os
Estados
que
só reconhecem
um
Partido
Político
como
legítimo e ignoram
outros de
mesma
natureza. O
Estado unipartidário
não é
um
Estado de
Direito; a
lei
que reconhece
direitos
humanos
apenas
para algumas
pessoas
não é
jurídica. Esta é a
estreita
linha
divisória
entre
Direito e
não
Direito,
enquanto,
como vimos
antes, a
fronteira
entre o
Direito
injusto e o
Direito
válido
não
passa de uma
questão de
graus.
V.
Como vimos, o
conceito de
Direito tem
natureza apriorística,
não podendo
ser obtido
por
via
indutiva,
empírica, a
partir de
situações jurídicas;
ele é a
condição
que possibilita
aceitar algumas
situações
como jurídicas.
Assim
como se dá
com o
conceito de
Direito,
todos os
conceitos nele
implícitos
são da
mesma
forma a priori,
não podem
ser recolhidos a
partir da
experiência,
mas
são
instrumentos e
ferramentas
para a
experiência
jurídica,
categorias necessárias ao
conhecimento
científico de
qualquer
Direito,
em
qualquer
povo e
em
qualquer
época. O
conhecimento
jurídico
não pode
prescindir de
conceitos
como
Direito
objetivo e
subjetivo; necessita
não
apenas de
conceitos
como o de
norma
jurídica e
seus
elementos, de
fatos e
conseqüências jurídicas, de
fontes de
Direito e da
distinção
entre
legítimo e
ilegítimo,
mas
precisa
também
utilizar,
além do
conceito de
direito, o
conceito de
dever, de
relação
jurídica, de
instituição
jurídica, de
sujeito e de
objeto de
Direito.
Não foi
possível,
até
hoje,
criar uma
tabela
exaustiva destes
conceitos
jurídicos apriorísticos. As
referências
acima
são,
todavia,
suficientes
para
demonstrar
como
eles
são
necessários
para o
conhecimento de
qualquer
sistema de
Direito,
como
eles
são
questões
que podem
ser razoavelmente formuladas
em
todos os
sistemas
jurídicos;
como
são
pontos de
vista a
partir dos
quais podem
ser enfocados
todos os
Direitos;
como
são
categorias do
conhecimento
jurídico; e
como formam,
em
suma,
um
arsenal de
instrumentos conceituais
sem os
quais seria
impossível a avaliação cientifica de
qualquer
ordem
jurídica.
§ 12. A
validade do
Direito
O
problema da
validade do
Direito, de
sua
obrigatoriedade, de
sua
natureza cogente,
pertence à
área do
dever
ser.
Em
conseqüência, trata-se de
um
problema
que
não pode
ser resolvido satisfatoriamente
com
fundamento no
Direito
positivo
ou
nos
fatos.
I.
Para
fundamentar a
validade do
Direito, foi
desenvolvida a
teoria
jurídica da
validade,
que
busca
fundamentar a
validade de uma
norma
jurídica
em
outra
que
lhe seja
superior; desta
forma, remete o
Decreto à
Lei
cuja
execução
ele
regulamenta, e remete a
Lei à
Constituição, na
qual está regulamentado o
processo de
elaboração
legislativa.
Mas
não pode
demonstrar a
validade
jurídica da
mais
elevada
norma de
um
sistema
jurídico (a
norma
fundamental). A
teoria
jurídica da
validade
fracassa
também
quando
diversos
sistemas de
normas entram
em
conflito: o
sistema do
Direito
consuetudinário
contra o
sistema de
leis
escritas; o
Direito do
Estado
contra o
Direito da
Igreja; o
Direito de uma
nação
contra o
Direito
Internacional; o
Direito da
União
contra o
Direito de
seus
Estados
membros; o
Direito
contra os
costumes etc. Nestes
casos, a
teoria
jurídica da
validade
precisa apoiar-se
em
um
ou
em
outro
sistema, sendo
incapaz de
encontrar
um
ponto de
vista
objetivo
para
solucionar o
conflito. A
teoria da
validade
jurídica é,
portanto,
incapaz de
fundamentar a
validade da
norma
fundamental e
mesmo a
validade de
qualquer
sistema
jurídico.
II.
Tentou-se,
por
isso,
fundamentar a
validade do
Direito
positivo no
mundo dos
fatos,
objetivo da
teoria da
validade sociológica do
Direito, especificamente nas
teorias do
poder e do
reconhecimento.
1.
A
teoria do
poder
procura
deduzir a
validade do
Direito a
partir de
sua
eficácia,
ou seja,
não de
sua
aplicação ao
caso
concreto,
pois
isso
que equivaleria a
deixar
impunes os
crimes
ainda
não
esclarecidos,
mas a
partir de
sua
aplicação à
maioria dos
casos. Ocorre
que o
poder é
capaz de
explicar
aquilo
que, no
caso
concreto,
precisa
ser punido,
mas
jamais
aquilo
que
por
natureza deve
ser punido.
2.
A
teoria do
reconhecimento,
por
sua
vez,
fracassa
ante o
infrator
que,
por
convicção,
não reconhece o
Direito. Deve
admitir,
além disso,
que,
com o
reconhecimento da
norma,
também
suas
conseqüências
são aceitas e,
assim, equipara logicamente o
reconhecimento
real ao
que deveria
ser reconhecido. Se logicamente é
necessário
reconhecer as
conseqüências de uma
norma
jurídica,
então a
teoria do
reconhecimento,
sem
perceber, transforma o
reconhecimento de
fato
em
reconhecimento de
direito,
por
necessidade
lógica.
III.
Por
isso, a
teoria sociológica da
validade
jurídica transforma-se
em
teoria filosófica.
Realmente, a
validade do
Direito
não pode fundamentar-se no
Direito
positivo
nem no
fato, seja
este o
poder
ou o
reconhecimento,
mas deve fundamentar-se
em
um
valor
superior a
ele
ou no
mais
elevado dos
valores;
em
um
valor,
enfim, suprapositivo.
Mesmo
que uma
lei
positiva
não se
fundamente nas
exigências da
Justiça
ou da
conformidade a
fins,
busca, de alguma
forma,
um
valor: a
segurança
jurídica.
Por
certo a
segurança
jurídica –
como vimos – pode voltar-se
contra o
Direito
positivo,
quando,
por
exemplo, sanciona
um
novo
direito na
revolução
vitoriosa, no
direito
consuetudinário – transformado
em
direito
subjetivo – e no
usucapião.
Enquanto,
em
tais
casos,
condições extralegais de
poder sobrepõem-se ao
Direito
positivo, há
extraordinária
resistência
para admitir-se
que a
idéia de
Direito possa
pairar
acima do
Direito
positivo. Seria
mesmo
inconcebível
que
um
dado
empírico,
como a
lei, estivesse de
tal
forma
em
contradição
com o
valor
jurídico a
partir de uma
harmonia pré-estabelecida,
que daí derivasse uma
validade
incondicional,
um
dever
sem
exceções. A
segurança
jurídica é
apenas
um
valor
entre os
demais. Assegurada
pelo
Direito
positivo,
quando se
trata de
um
direito
injusto, perde
sua
validade,
como foi demonstrado
acima (§ 10, supra),
quando a
injustiça de
seu
conteúdo
chega a
tal
ponto
que compromete a
segurança
jurídica garantida
pelo
Direito
positivo.
Portanto, se,
em
regra, a
validade do
Direito
positivo pode
ser justificada a
partir das
exigências de
segurança
jurídica,
não é
menos
certo
que,
em
casos
excepcionais, tratando-se de
leis extraordinariamente injustas, as
leis perdem
validade
em
razão de
sua
injustiça.
BIBLIOGRAFIA:
Radbruch, Gesetzliches Unrecht und übergesetzliches Recht (Direito
injusto
e
Direito
supralegal), Süddeutsche Juristenzeitung (Revista
de
Direito
do
sul
da Alemanha),
agosto de 1946.
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