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V
As
grandes
culturas
jurídicas
§ 16. O
Direito
Romano
Vamos
analisar
agora as
mais significativas
culturas jurídicas
como
tipos
ideais,
sob o
aspecto da
Filosofia do
Direito, a
começar
pelo
Direito
Romano.
I.
A
particularidade do
pensamento
jurídico
romano está,
acima de
tudo,
em
sua
legislação
específica
ou,
como afirmou a
crítica,
em
sua “autonomia”
em
relação ao
espírito
latino.
1.
O
Direito
Romano está isolado das
demais
categorias de
normas
como
costume,
Moral
ou
religião;
entre os
demais ordenamentos
jurídicos, é
aquele
que recebeu a
menor
influência da
religião.
2.
O
juízo
jurídico
romano é
rigorosamente
autônomo
relativamente à
observação dos
fatos – consideram-se separados o
processo in iure e o
processo in judicio.
3.
O
Direito
Romano está
rigorosamente separado de
seus
fundamentos
econômicos,
bem
como das
funções econômicas.
Ninguém pode
formar uma
imagem da
vida
ou do
pensamento
econômico dos
romanos a
partir de
seu
Direito.
4.
Separada está
também a
norma
jurídica
romana da
vida
jurídica –
somente a
partir da papirologia tornou-se
possível
conhecer,
além do
Direito
Romano, a
vida
jurídica
em Roma.
5.
Nenhum
papel
decisivo representam
também as
idéias suprajurídicas, filosófico-jurídicas
ou de
política
jurídica.
6.
Finalmente, o
Direito
Privado
Romano está
rigorosamente separado do
Direito
Público. Sendo o
Direito
Romano
fundamentalmente
Direito
Privado, é,
em
conseqüência,
individualista e pode
servir a uma
ordem
econômica
capitalista,
embora os
institutos
econômicos
típicos do
capitalismo,
como a
letra de
câmbio, as
ações, o
cheque e as
sociedades
comerciais, sejam
originários do
Direito
germânico.
Esta
distinção
entre o
Direito
Romano e o
Direito
germânico decorre
menos da
diferença de
nacionalidades do
que de uma
diferença de
graus de
desenvolvimento.
Em
um
estágio
mais
elevado da
evolução,
toda
ordem
jurídica –
por
razões de
segurança
jurídica – adquire
autonomia.
II.
Característica do
Direito
Romano é
ainda a casuística de
sua
formação, é
sua
gênese a
partir de
situações jurídicas.
Essencialmente, a
lei
só aparece no
começo e no
final de
sua
evolução: a
Lei das XII
Tábuas e o
Corpus Iuris.
Entre
estes, dá-se o
extraordinário
desenvolvimento da
jurisprudência, fundada na
natureza das
coisas e no
caso
concreto.
Apesar do
casuísmo, caracteriza-se o
Direito
Romano
pela
economia das
formas, a
parcimônia das
figuras jurídicas utilizadas, o
emprego de
formas jurídicas
iguais
para
situações economicamente distintas,
como ocorre
em
relação ao
conceito de
propriedade, utilizado
para
coisas
móveis e
imóveis. Essa
tendência à
generalização está
associada,
todavia, a
evidente
cautela
contra
abstrações,
definições,
construções e sistematizações.
Ele prefere, às
construções genéricas, o
emprego de precedentes fáticos, “como
se” o
novo
caso fosse
igual ao
anterior (ficções). A
chamada “jurisprudência
regulatória” revela
que o
direito
não procede da
lei – ius ex regula –
mas
que a
lei procede do
direito – regula ex iure –
apesar de
que uma
série
enorme de
princípios de
forte
significado tenha sido
cunhada, e
até acolhida,
em
larga
escala,
por
exemplo,
pelo
Direito
inglês.
III.
Resumindo, pode-se
dizer
que o
objetivo
essencial do
Direito
Romano
não
era suprajurídico,
como o
bem-estar
ou a
generalização da
Justiça,
mas a
correta
decisão do
caso
concreto,
conforme a equidade, fundada,
acima de
tudo, na boa
fé.
Por
isso, satisfazia-se o
Direito
Romano
com
menor
grau de
segurança
jurídica do
que estamos acostumados.
IV.
Paradoxo
histórico:
nos
países
que adotaram o
Direito
Romano, transformou-se
ele
em uma
ciência
para
eruditos,
enquanto
nos
países
em
que
não foi adotado,
como os anglo-saxões, prevaleceu
um
espírito
jurídico
análogo ao
romano,
baseado na
natureza das
coisas.
Por
isso o
Direito
Romano,
depois de recebido, foi
sempre contestado na Alemanha –
pelos camponeses revoltados, na
chamada
revolução dos camponeses;
pelos
defensores da
unidade e da
liberdade do
país,
principalmente
em 1848;
pelos
defensores do
Código
Civil
Alemão e
até
pelos
nazistas. Os
germanistas,
em
sua
luta
contra o
Direito
Romano,
não perceberam
que, de
um
lado, a
ele deve-se a
unidade
nacional do
Direito,
em
substituição à multiplicidade dos
Direitos
regionais; de
outro
lado,
sua
recepção
só foi
possível
porque
ele despiu-se de
quase todas as
peculiaridades
nacionais
para converter-se no ius gentium.
Menos
compreensível foi
que,
além dos
defensores da
unidade,
também os
defensores da
liberdade, os
liberais e os nacionalistas da
época foram hostis a
ele,
embora o
que o caracterizasse fosse
exatamente a
orientação
individualista e privatista. Esta
contestação estava voltada
contra o
Direito
Público
romano,
que
não havia sido recebido in toto, e
contra o
absolutismo
bizantino. A
resistência
oposta
pelo
liberalismo foi dirigida
menos ao
Direito
Romano do
que ao quietismo
reacionário de
seus
defensores de
então: a
Escola
Histórica do
Direito e o
árido
positivismo no
qual desembocou;
contra,
portanto, a
volta
não
histórica a
um
Direito
Romano
puro,
contra as
tentativas de
sua
adaptação às
exigências do
momento – o chamado usus modernus pandectarum –
contra as necessárias reformas e codificações.
Enfim,
em todas as
suas
formulações, a
crítica ao
Direito
Romano
era
válida
não
em
relação à
jurisprudência
clássica
romana,
mas
em
relação ao
Direito
bizantino
escrito
que chegou a
nós
através da
recepção.
BIBLIOGRAFIA:
Fritz Schulz, Die Prinzipien des römischen Rechts (Princípios
de
Direito
Romano),
1934.
§ 17. O
Direito
anglo-americano
I.
A Inglaterra
não passou
pela
experiência da
recepção do
Direito
Romano,
embora
este fosse ensinado
em Oxford
desde a
época dos
glosadores.
Lá, a
classe dos
juristas formou-se e organizou-se
antes
que
isto ocorresse
nos
demais
países, e desencadeou a
luta
contra a
recepção, impedindo-a
até, ao
mesmo
tempo
em
que assumia a
tarefa de
formar
novos
juristas, no
lugar das
Universidades.
Mas
isso
não significa
que o
Direito
Romano
não tenha exercido
qualquer
influência na Inglaterra; impedida foi a
recepção das
normas específicas do
Direito
Romano,
não a
penetração de
seu
espírito. A
respeito da
influência do
Direito
Romano
sobre a
metodologia
jurídica inglesa dá
testemunho Melanchton: “Há na Europa
povos
que
não decidem
suas
questões jurídicas de
acordo
com as
leis romanas,
mas fazem-no de
acordo
com
suas próprias
leis.
Todavia, os
encarregados das
decisões costumam
estudar as
leis romanas no
estrangeiro e,
segundo estou informado,
quando perguntados
sobre os
motivos deste
esforço, uma
vez
que
tais
leis
não
são aplicadas
por
eles, respondem
que procuram a
alma e o
espírito das
leis romanas,
isto é, buscam
descobrir a
força e a
natureza da equidade,
para poderem
julgar de
forma
mais
correta a
partir de
suas
leis
pátrias.”
Assim
vê o
autor a
influência do
Direito
romano
sobre a equity,
como modificadora da common-law.
II.
Como o
Direito
Romano, a common-law inglesa descobre o
direito no
caso
concreto, o “case-law”, extraindo-o da
natureza das
coisas. No
Direito
inglês, a
lei – statute-law –
desempenha
papel restrito, na regulamentação
parcial de
determinados
setores
jurídicos.
Diferentemente do
que se
passa no
Continente
Europeu,
seus
legisladores
jamais pretenderam
adotar a
codificação
geral do
Direito
em
vigor.
Também
como o
Direito
Romano, o
Direito
inglês é
feito
pelos
juristas (judgemade-law).
Originalmente, os juízes ingleses apoiavam-se no
Direito
consuetudinário,
um
pretenso
Direito
geral
inglês,
em
oposição aos
costumes
locais – daí a designação common-law.
Mas, na
verdade,
não recorrem ao
Direito
consuetudinário,
nem
sob a
forma de
prática
judiciária; a
partir de precedentes, criam o
Direito no
caso
concreto,
com
eficácia
em
relação a
casos
futuros da
mesma
natureza.
III.
O
Direito
inglês é
obra dos
juristas ingleses. A
corporação dos
juristas ingleses (Inns of court) reúne
profissionais
com
formação
universitária, a
alta
advocacia, os
especialistas (barristers) autorizados a
litigar no
Poder
Judiciário e os solicitadores (solicitors),
encarregados da
preparação,
junto às
partes, dos
processos
em tramitação. Deste
corpo de
advogados saem os juízes e o
Ministro da
Justiça. Sustentada
por
este
conjunto, a
autonomia do
Direito, a “Rule of Law” torna-se, na Inglaterra,
mais
forte do
que
em
qualquer
outro
lugar. Montesquieu
até acreditava
poder
abstrair, a
partir da
vida
jurídica inglesa,
sua
teoria da
divisão dos
Poderes.
Segundo
ele, ao
juiz
só incumbe
aplicar a
lei e,
para
tanto,
não necessita de “nada
mais do
que
olhos”
para
ler,
enquanto a
função de
editar o
Direito incumbe
exclusivamente ao
Parlamento. Na
verdade, é
mínima a
aplicação da
lei
pelo
juiz
inglês, preponderando os precedentes
judiciários,
que
ele
completa e desenvolve,
através da
criação
livre do
Direito,
enquanto o
Parlamento faz
uso de
sua
competência
legislativa
com
sábia moderação
em
relação à common-law. Esta
voluntária
cautela do
Parlamento e esta
autonomia dos
juristas asseguram a
seriedade da
aplicação do
Direito e,
com
ela, o
Estado de
Direito – Rule of Law – de
forma
muito
mais
segura do
que a
teoria da
divisão dos
Poderes de Montesquieu, confiando a
elaboração
desenvolvimento do
Direito
exclusivamente ao
Parlamento.
IV.
Na
medida
em
que a common-law foi se estruturando
cada
vez
mais
como “ius strictum”, surgiu a
necessidade de modificá-la, de
transformar a equidade (equity)
em
processo
para a concretização da
Justiça no
caso
concreto.
Por
analogia
com as “actiones ex aequo et bono” dos
pretores
romanos, os
lordes instituíram os
processos denominados writs, destinados a
compensar a
severidade e
intransigência da common-law. A equity
nasceu
como uma
forma de
jurisdição do
Gabinete,
em
paralelo
com a
jurisdição
penal do
Gabinete – o
mal-afamado
Tribunal
Estrela. O Grão-chanceler, o
mais
importante
funcionário do
rei,
era, no
início,
um
clérigo e
mais
tarde
um
jurista
que,
com o
passar do
tempo, foi se transformando
em
juiz
independente. A
fonte de
sua
jurisdição, fundada na equidade,
era
sua
própria
consciência, inspirada na equidade
romana e
canônica.
Por
natureza, as
decisões à
base da equidade,
inicialmente, eram consideradas
apenas
Justiça no
caso
concreto e
não podiam
ser invocadas
como precedentes
para
casos
futuros.
Somente a
partir do
começo do
século XIX as
decisões
com
fundamento na equidade adquiriram
significado de precedente e
assim a equity converteu-se
em
outra
forma de case-law,
em
paralelo à common-law. A reforma
judiciária de 1873 fundiu a
jurisdição da equity à da common-law
em uma
única
organização,
mas
ainda
hoje é mantido o
sistema
dual da equity e common-law.
V.
A
essência do case-law
inglês consiste
em
julgar o
caso
concreto
com
fundamento na
natureza das
coisas. O
Direito
assim
descoberto deve
suportar a
imediata
prova e
responsabilidade da
aplicação
prática a
um
caso
concreto.
Enquanto
isso, o
legislador, ao
estabelecer
normas, deixa-se
influenciar
por
situações jurídicas imaginadas ao
acaso,
não
reais, e
não está
sob a
pressão de
um
caso
concreto. Os
analistas
continentais destacam
sempre a flexibilidade do case-law,
enquanto os
juristas ingleses acentuam, ao
contrário,
sua
rigidez. De
fato, a
jurisprudência inglesa,
como
instituição,
goza de
grau de
criatividade
mais
elevado do
que a
continental; o
juiz
individual
inglês,
todavia, está
mais
rigorosamente
preso à
importância do
significado do precedente do
que o
juiz
continental. Os
analistas ingleses sublinham,
em
seu
Direito,
não
tanto a flexibilidade
quanto a
segurança
resultante da
rigidez do case-law. A
imensa
abundância de precedentes é considerada, no
entanto,
pelos ingleses, e
mais
ainda
pelos
norte-americanos,
um
perigo
crescente, de
tal
forma
que,
apesar do
orgulho
em
relação ao case-law
nacional, produz, de
quando
em
vez,
manifestações
em
favor da
codificação
ou de
algum
outro
tipo de
auxílio
legislativo.
VI.
Nos EUA, a
lei
desempenha
hoje
papel
mais
significativo do
que na Inglaterra.
Em
cada
Estado estão
em
vigor
Códigos
Penais,
Códigos de
Processo e
até,
em
parte,
Códigos Civis.
Mas
sobre
estes afirma-se,
com
muita
freqüência, o case-law,
graças a
interpretações autocráticas das
leis
pelos juízes, a
partir de precedentes. As
Constituições,
todavia –
em
particular a
Constituição
Federal – gozam de
extraordinário
respeito,
quase
religioso.
Guarda da
Constituição
Federal é a
Suprema
Corte
em Washington, provavelmente o
mais
poderoso
Tribunal do
mundo.
Através de
suas
decisões, manifesta-se o
espírito da
Constituição e
também
sua
gradual transformação. Nelas domina o
pensamento
político dos
estadistas
sob
roupagem
jurídica.
Graças à
Suprema
Corte,
grande
número de
personalidades judiciárias adquiriram
fama
internacional,
como,
por
exemplo, o
maior
jurista
norte-americano de
seu
tempo: Oliver Wendell Holmes.
BIBLIOGRAFIA:
Radbruch, Geist des englischen Rechts (O
Espírito
do
Direito
Inglês),
2ª ed.1947; O. W. Holmes – em
Süddeutsche Juristen-Zeitung (Revista
Jurídica
do
Sul
da Alemanha),1946.
§ 18. O
Código
Civil
Francês
I.
De 1804 a 1810 teve
lugar, na França,
por
iniciativa e
sob
influência de Napoleão, a
grande
obra
legislativa
conhecida
pelos
cinco
códigos: o
Código
Civil, o
Código de
Processo
Civil, o
Código
Comercial, o
Código de
Processo
Penal e o
Código
Penal. O
Código
Civil (promulgado
em 1804 e denominado,
desde 1807,
Código de Napoleão)
disputa
com o
Direito
inglês a
importância mundial e influenciou
fundamentalmente a
legislação de
outros
países; o
Código
Civil de Baden (1809) é
quase uma
cópia
literal dele.
Finalidade
essencial do
Código de Napoleão foi a
unificação do
Direito na França,
onde, no
norte, aplicava-se o
Direito
consuetudinário e, no
sul, o
Direito
Romano, acompanhados,
nos
dois
casos, de
Ordenações
Reais.
Outra
finalidade do
código foi a
aplicação dos
resultados
políticos da
Revolução Francesa.
II.
É
evidente a
influência
pessoal de Napoleão
sobre o
código,
principalmente no
que diz
respeito à
estrutura
patriarcal do
Direito de
Família. Do
ponto de
vista
jurídico, foi
significativa a participação do
grande
jurista Portalis (1745-1807) nesta
obra.
III.
Deve
ser salientada,
em
primeiro
lugar, a
linguagem do
Código. O
famoso
romancista
francês Stendhal confessou
que
lia, todas as
manhãs
um
trecho do
Código
Civil
antes de
qualquer
outra
coisa, procurando
encontrar o
tom
correto de
seu
trabalho
como
escritor.
Não se
trata de
um
código casuísta,
nem tem
ele a
pretensão de
solucionar antecipadamente todas as
questões jurídicas
por
meio de exagerada
abstração. Renuncia
também,
conscientemente, ao
objetivo de
eliminar todas as
lacunas e
omissões. Portalis
mesmo disse: “saber
que é
impossível
tudo
prever é
sábia
previsão”.
Apesar disso,
seu
artigo 4º impõe ao
Juiz,
sob as
penas da denegação de
Justiça,
resolver
todos os
casos
jurídicos a
ele submetidos, proibindo-o de recusar-se a fazê-lo
sob
alegação de
obscuridade
ou
inexistência de
lei. Contrariando Montesquieu,
para
quem o
Juiz
não é
senão
um
instrumento
automático e
inanimado da
Justiça –
segundo as
palavras de Portalis – considera
deuses os
legisladores e os juízes
algo
inferior a
homens,
mas admite a
criação do
Direito
por
estes. De
forma
diversa do
que ocorre na Inglaterra, as
decisões dos juízes franceses têm
aplicação
exclusiva ao
caso
concreto e
não têm
eficácia
sobre
casos
futuros. E, de
fato, a “jurisprudência”,
sem
ter
força de
lei, está revestida de
forte
autoridade.
IV.
A
tendência
política do
Código
Civil corresponde à
vitória da
Revolução Francesa e da
burguesia
sobre os
privilégios de
classe:
liberdade
individual,
igualdade
perante a
lei,
propriedade
privada,
liberdade contratual e
autonomia do
Estado
em
relação à
Igreja.
Excetuado o
Direito de
Família, predominam no
código os
princípios
individualistas, garantidos de
forma
mais
eficaz
nos
Códigos do
que na
Declaração dos
Direitos do
Homem, uma
vez
que
eles
não
são
mera proclamação,
mas valem
como
parte
importante da
vida
civil.
Por
isso queria
tanto Napoleão
que
sua
lei fosse implantada
nos
Estados da
Confederação do Reno.
Em 15 de
novembro de 1807 escreveu a
seu
irmão Jerônimo,
rei da Westfália: “Os
benefícios do
Código
Civil, a
administração
estatal do
processo
judiciário e a
instalação do
júri
popular precisam
ser
também
características distintivas de
vosso
reinado.
Para expressar-lhe
integralmente
minhas
idéias devo dizer-lhe
que
isto seria
mais
importante
para a
expansão e o
fortalecimento de
seu
trono do
que todas as
vantagens de
grandes
vitórias
militares.
Seu
povo alcançaria uma
liberdade, uma
igualdade e
um
bem-estar
jamais
conhecidos
pelo
povo
alemão.
Tal
governo
liberal, de uma
forma
ou
outra, traria benéficas modificações
para o
sistema confederativo e
para a
força de
seu
reinado.” De
fato, o
Código de Napoleão conquistou,
em Baden e na
margem
esquerda alemã do Reno,
em
pouco
anos,
tão
grande
simpatia e
autoridade
que,
mesmo
após a
ocupação francesa, continuou
em
vigor,
até
ser substituído
pelo
Código
Civil
Alemão.
BIBLIOGRAFIA:
Kantorowicz, Aus der Vorgeschichte der Freirechtslehre (Sobre a
Pré-história
da
Teoria
do
Direito
Livre),
1925; Feuerbach, Biographie (Biografia),
obra
póstuma,
1853, t. I, págs. 162 e sgs.; Federer, Geschichte des badischen Landrechts
(História do
Direito
Territorial
de Baden), 1947.
§ 19. O BGB –
Código
Civil
Alemão
I.
Enquanto o
Código
francês revela a
face de Napoleão, é
inútil
procurar a
face do
legislador no vigente
Código
Civil
alemão. Parece
que o BGB (Bürgerliche Gesetzbuch)
procura
comprovar a afirmação de Savigny,
segundo a
qual os
grandes
juristas
são
fungíveis, substituíveis,
pois,
em
extraordinária
ascese, preocupados
com a
validade
objetiva
universal, deixam esfumar-se todas as
suas
atividades
individuais. O BGB é a
codificação do
Direito consagrado no
final do
período da
burguesia e
não,
como o
Código
francês, o
resultado de uma
luta, de uma
revolução.
Enquanto as
exposições
sobre
Direito
Penal começam
sempre
pela
teoria dos
fundamentos e
finalidade da
pena, os
evidentes
princípios do
Direito
burguês
jamais mereceram
grande
discussão:
propriedade
privada,
liberdade de
contratar,
liberdade de
testamento,
monogamia e
direito à
sucessão.
II.
O BGB surgiu a
partir do
fatal
ano de 1878,
ano do
Congresso de Berlim,
quando, na
política
exterior, o
país foi
gradualmente se desligando da Rússia e
vinculando-se
progressivamente à Áustria, e, na
política
interna, substituiu o
livre
comércio
internacional
pela
proteção
alfandegária; Bismarck abandonou o
Partido dos
Fundadores do Reich – os nacionalistas
liberais; superou-se a
luta político-religiosa; surgiu a
inclinação
para o
conservadorismo e o
conflito
com a social-democracia,
negativamente traduzida
pela
lei anti-socialista e
positivamente manifestada
pelo
início da
legislação
em
direção ao
socialismo de
cátedra e a
união
pela
política
social.
Mas o BGB
não conseguiu de
imediato essa
libertação do
individualismo
extremo e
este encaminhamento
para o
Direito
social,
apesar das duras
críticas de O. v. Gierke, representando o
super-individualista
Direito
alemão, e Anton Menger, representando os
interesses da
classe
pobre. Estas
críticas conseguiram
apenas
que
alguns
artigos de
caráter
social fossem introduzidos no
Código (por
exemplo, os §§ 226 e 618 do BGB).
III.
A
linguagem do BGB é
técnica,
incompreensível
para o
povo,
mas
absolutamente
conseqüente
enquanto
pura
linguagem de
comando:
seca e
sem
sentimento,
concisa e
sem esclarecimentos,
pobre e
sem
fundamentação (vide
abaixo, §29). Da
mesma
forma caracteriza-se
também
seu
Método.
Através de
forte
abstração, preocupa-se,
tanto
quanto
possível,
com a
inexistência de
lacunas, favorecendo a “jurisprudência
de
conceitos” e a
metodologia
jurídica da
logística;
em
pontos
decisivos
emprega,
todavia,
cláusulas
gerais
como “boa
fé” e “bons
costumes”,
que,
em
última
análise, autorizam o
juiz a
prolatar
julgamentos
pessoais (§§ 138, 157, 242, 826 do BGB).
Tanto na
linguagem
quanto no
método, o BGB foi superado
pelo
Código
Civil Suíço (Eugen Huber). O BGB constitui
um
sistema
tão fechado de
idéias
que,
mais
tarde, o
Direito
Social e
Econômico
não puderam
ser nele introduzidos. O
Direito de
proteção à
juventude, o
Direito do
Trabalho, o
Direito
Econômico, a
legislação do
inquilinato tiveram,
então,
que
entrar
em
vigor
em
paralelo
com o BGB. Os
nazistas anunciaram a
despedida dele,
em
razão de
seu
caráter
individualista. Acentua-se,
todavia,
atualmente, a
reabilitação do
Direito
Privado
contra a
ameaça da
exclusividade do
Direito
social (conforme
Hallstein, Süddeutsche Juristen-Zeitung –
Revista
Jurídica do
Sul da Alemanha, 1946, 1).
IV.
Precisamente estas
carências de
caráter
político e de
características
nacionais,
assim
como o
elevado
processo de
abstração, possibilitaram ao BGB
ser recebido
como
sistema
jurídico
por outras
culturas,
sob
condições
muito diversas,
como na Ásia
oriental.
Um
antigo
jurista
alemão escreveu, da Coréia, a
este
autor, o
seguinte: “Meu
trabalho é
fascinante,
por muitas
razões. A Coréia adota o
Direito
japonês
desde
que, há 35
anos, foi anexada ao Japão. O Japão,
em
grau
maior
ou
menor, adotou o
Direito
alemão. Desta
forma,
como
funcionário da
ocupação
americana na Coréia, tenho,
sobre a
minha
mesa, a
coleção
jurídica alemã – o
Código
Civil, o
Código
Comercial, o
Código de
Processo e a
legislação
complementar – e opero
como uma
espécie de
Oficial de
ligação
jurídica
entre os coreanos e os
americanos.
Como estudei os
dois
sistemas
jurídicos – a
legislação codificada e a common-law –
minha
tarefa é
explicar aos
americanos o
Direito coreano (isto
é,
alemão).”
Naturalmente, a
equiparação do
Direito
alemão
com o coreano-japonês deve
ser
feita
com muitas
restrições. A
grande
codificação teve
que
ser,
em
grande
parte, adaptada às
exigências asiáticas
orientais: o
Direito de
Família e
Sucessões permanece regido
pelo
Direito
consuetudinário e deve
ser estudado
com
cuidado, uma
vez
que,
evidentemente,
ninguém teve a
idéia de
pesquisar o
processo de
recepção do
Direito
alemão
pela Ásia
oriental, o
que seria uma
tarefa interessante,
sob o
ponto de
vista da
sociologia
jurídica.
BIBLIOGRAFIA:
R. Sohm tem uma
exposição
clássica
sobre
o BGB na
antiga
cultura Hinneberg,
injustamente
esquecida,
em
Kultur der Gegenwart (Cultura do Pasado), 2ª ed., 1913.
§ 20. O Codex Juris Canonici
Ainda
hoje o
doutor
em
Direito é qualificado,
em
muitos
países, doctor utriusque iuris (J.U.D.),
isto é,
doutor
em
ambos os
Direitos, o
Direito
Romano e
em
Direito
Canônico, o
primeiro corporificado no
corpus iuris civilis e o
segundo no
corpus iuris canonici.
I.
De
acordo
com a
Filosofia do
Direito
católica, há
três
fontes de
Direito:
1.
o ius humanum positivum,
ou seja, a
lei dos
homens, o
Direito mundial;
2.
o ius divinum naturale,
ou o
Direito colocado
por
Deus na
criação,
cognoscível
pela
razão;
3.
o ius divinum positivum,
objeto da
revelação
divina, da
fé
religiosa (Mateus,
16, 18:
tu es Petrus et super hanc petram
aedificabo ecclesiam meam –
tu és Pedro e
sobre esta
pedra edificarei
minha
igreja).
Esta
teoria das
fontes significa
que o
Direito
Canônico
não possui
autonomia,
própria do
Direito
secular,
mas está
profundamente vinculado à
dogmática, aos
costumes e à
disciplina
eclesiástica.
II.
O
Direito
eclesiástico foi
originalmente o
Direito da
Igreja
para o
mundo: o
Direito
Canônico regulava muitas
situações
hoje reconhecidas
como
objeto do
Direito
secular.
Com a
evolução, foi
ele cedendo
sempre
mais
espaço ao
Direito
temporal e limitando-se a
ser
essencialmente
apenas
um
Direito da
Igreja e
para a
Igreja.
Graças à
mesma
evolução, o
Estado reivindicou o
poder de
regulamentar
suas
relações
com a
Igreja, criando
um
Direito
estatal
para a
Igreja,
um
Direito
eclesiástico
estatal. Há
também
um
Direito
Internacional
eclesiástico: o
Papa é
um
soberano,
titular de
direitos
internacionais, e relaciona-se
em
pé de
igualdade
jurídica
com os
demais
Estados, mantendo
embaixadores e celebrando
acordos
internacionais.
III.
O
corpus iuris canonici foi substituído
por
moderna
codificação – o codex iuris canonici (C.I.C.).
Coube ao
Papa
Pio X (1904) a
iniciativa dos
trabalhos
preparatórios
para
este
código,
que entrou
em
vigor
em 1917, no
pontificado do
Papa Benedito XV. O
principal
trabalho
científico
para a
codificação foi
desenvolvido
pelo
então
Cardeal
Secretário de
Estado, Pietro Gasparri.
IV.
O codex iuris canonici tem aproximadamente a
mesma
extensão do BGB e foi dividido
com
base no
sistema de
instituições:
pessoas,
coisas e
ações.
Além disso, há uma
Parte
Geral e
um
livro
final
sobre as
penalidades eclesiásticas, perfazendo o
total de
cinco
livros. A
técnica
legislativa do C.I.C. é
semelhante à das modernas codificações,
exposta
em
latim (latino
sermone uteretur, eoque
digno, quantum liceret, sacrarum
majestate legum, in iure
romano tam
expressa feliciter – será utilizada a
língua
latina,
digna,
tanto
quanto
possível, da
majestade das
leis sacras e
com
tanta
felicidade
empregada no
Direito
Romano).
V.
O
espírito do C.I.C. foi influenciado
pelo
que ocorreu no
trágico
ano de 1870: o
Concílio
Vaticano, a proclamação do
dogma da infalibilidade
papal e a anexação do
Estado do
Vaticano
pela Itália.
Importante,
por
isso,
era “compensar
pela
força
espiritual o
que havia sido perdido no
plano
material”,
ou seja, de
um
lado,
retornar
cada
vez
mais ao
campo
puramente
religioso e, de
outro,
reforçar o
poder centralizador do
Papa.
Apesar de
sua
hierarquia
absolutista, conseguiu a
Igreja manter-se
sempre
profundamente enraizada no
povo,
porque o
clero é recrutado
em todas a
camadas
sociais,
principalmente
entre os camponeses.
VI.
A
restauração do
Estado
eclesiástico
sob a
forma da
cidade do
Vaticano foi
também
obra de Gasparri.
Este
minúsculo
Estado
não dá
fundamento
real ao
poder,
mas é
um
instrumento
auxiliar
técnico
para o relacionamento
internacional. Na
verdade, a
soberania da
Santa
Sé continua apoiada no
poder
espiritual do
papado.
Não se veja nisso uma
anomalia do
Direito
Internacional,
mas o
ponto de
partida de
futura
ordenação
jurídica
internacional, o
novo
protótipo
para a
soberania
internacional de
outros
poderes
espirituais (vide
§35).
BIBLIOGRAFIA:
Ulrich Stutz, Der Geist des codex iuris canonici (O
Espírito do
Direito
Canônico),
1918; Sohm, Kirchengeschichte im Grundriss (Compêndio
de
História
da
Igreja),
1918;
Papa
Pio
XII,
Opus
Justitiae pax (A
Paz
é
obra
da
Justiça);
Joseph Klein.
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