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VII
As
tendências
da
ciência
do
Direito
§ 24. Os
períodos da
ciência do
Direito
Vista
em
conjunto a
evolução
histórica da
ciência do
Direito, observa-se
que
ela revela
sempre,
sob
formas e
nomes
diferentes, o
mesmo
conflito
entre
formalismo e finalismo...
A
tendência
formalista na
ciência do
Direito
parte da
formulação de uma
proposição
jurídica,
normalmente uma
lei, e
pergunta: “como devo
interpretar
este
texto,
para
que corresponda à
vontade de
quem o formulou?” A
partir desta
vontade, descobre
então –
aparentemente
através de
puro
processo
lógico –
um
sistema fechado de
conceitos e
princípios a
partir dos
quais se obtém necessariamente a
solução de todas as
questões jurídicas,
reais
ou hipotéticas.
A
tendência
finalista
parte –
consciente
ou
inconscientemente –
não do
texto,
mas do “significado”;
parte da
realidade dos
fins considerados
valiosos e das
necessidades da
vida
social,
espiritual e
moral;
pergunta,
então: “como devo
modelar e
aplicar o
Direito, de
forma a
servir aos
fins da
vida?” De
acordo
com
estes
fins, soluciona, as
inumeráveis
dúvidas do
Direito
formal e preenche todas as
suas
lacunas.
A
primeira
orientação,
portanto,
procura o
significado de uma
fórmula
dada e a
segunda
procura
atribuir
significado à
fórmula.
Desta
oposição
fundamental decorrem inúmeras
diferenças. A
tendência
formalista é
mais
verbal,
teórica,
passiva,
receptiva e conservadora; a
tendência
finalista é
mais realista,
prática,
crítica,
produtiva e
criativa. A
tendência
formalista
olha
para o
passado e
procura mantê-lo
vivo no
presente; a
tendência
finalista volta-se
para o
presente e
procura
abrir
caminho
para transformá-lo
em
um
futuro
vigoroso. O
formalismo utiliza,
por
isso, a
Filologia
como
instrumento de
trabalho,
procura
aprofundar a
pesquisa
histórica e
encontrar na
Teologia
seu
modelo metodológico. O finalismo
precisa apoiar-se na
Filosofia
como
intérprete dos
fins e
valores
superiores, utilizando a
Psicologia e a
Sociologia, no
plano das
ciências,
como
seus
mais
importantes
instrumentos
auxiliares.
“Formalismo” e “finalismo”
são
apenas
rótulos e,
portanto,
termos
facciosos, perigosamente aceitos
como
contraditórios, carregados de errôneas
associações de
idéias e, no
mínimo, de
equívocos.
Quem
hesitar
em utilizá-los, poderá
falar
em
verbalismo e
realismo,
positivismo e
racionalismo,
historicismo e
modernismo,
método filológico e teleológico,
ou, se
preferir
sacrificar a flexibilidade e
precisão da
expressão
em
favor da
popularidade,
falar
em
tendência conservadora e
liberal. De
qualquer
modo, é o
jogo dessas
tendências,
qualquer
que seja o
nome
que se
lhes
dê,
que
traça o
rumo da
ciência do
Direito há
quase
um
milênio;
embora
em
todos os
tempos as duas estejam
presentes, uma é
sempre predominante.
Ainda
sob a
influência delas, e
graças à
mais
forte
ou
mais
fraca
diferença
entre
elas, revelam-se as
características das
escolas
que,
desde o
final do
período
romano, se sucedem na Europa.
I.
No
final do
período
antigo do
Direito
Romano surge a
grande
codificação de Justiniano.
Pretendia
ele
elaborar uma
síntese do
pensamento
jurídico
desenvolvido
até
então e,
além disso, uma
conclusão
definitiva
para o
desenvolvimento da
ciência do
Direito. “Uma
concórdia, uma
conseqüência”,
como
ele concebia
sua
obra;
contradições e
lacunas existiriam
apenas
em
um
exame
superficial.
Depois desta
obra,
para
que serviriam,
ainda legum interpretationes, immo magis
perversiones (as
interpretações
legais,
que
são
sempre, ao
contrário,
grandes
perversões)?
Com a
mesma desconfiança
com
que o
absolutismo
trata
em
todos os
tempos a
ciência
livre, seria punível
com as
penas
ali previstas
qualquer
falsário
que pretendesse
trabalhar
sobre as
fontes jurídicas,
principalmente a
mais
importante delas,
que
era o
Digesto, ultrapassando o
esforço
meramente
mecânico. Nesta
atitude
bizantina – e
não,
como
normalmente se
ensina, na
fé
autoritária
medieval – está a
raiz
histórica da
posterior
concepção da
jurisprudência
como “escrava do
legislador”.
II.
O
período
mais
antigo da
nova
jurisprudência
que foi o
início da
Idade
Média, do
século VI ao
XI, revelou
devota
submissão a esta
orientação. Preocupou-se,
inicialmente, e
com
dedicação
escolar,
com a
recuperação das
ruínas da
cultura
antiga
pelos
povos
germânicos e
romanos,
não desenvolvendo
especial relacionamento
com as
fontes do
Direito.
Não havia
escolas de
Direito. Os
que se preparavam
para
ser “juristas” adquiriam
alguns
conhecimentos
elementares nas
escolas de
jovens,
relativos
principalmente à
linguagem
jurídica e à
habilidade
retórica, seguindo-se o
aprendizado de
formulários
usuais dos
escritórios de
notários.
Também,
que poderiam
ganhar os
iletrados
jurados daquela
época
com
argumentos
científicos?
Nem havia
capacidade
lingüística
para
penetrar no
difícil
latim das
fontes do
Direito,
em
especial no
Digesto.
Somente a
Igreja,
porque adotava o
Direito
Romano, necessitava tratá-lo tecnicamente,
como
suporte de
suas
questões
crescentes e mutáveis. Daí surgiu
naturalmente a referencia à legum
interpretationes, immo magis perversiones.
Por
seu
conteúdo
sagaz e
erudito, as
falsificações eclesiásticas,
particularmente as famosas pseudo-isidoras,
são o
único
testemunho
que possuímos,
não
tanto dos
objetivos
científicos e dos
resultados,
mas ao
menos da
capacidade
científica daquela
época. Os
demais
trabalhos têm
caráter
meramente
mecânico
ou
gramatical:
são
extratos,
paráfrases,
coleções,
formulários e
vocabulários.
Só
isso.
Não
nos devemos
iludir
com os
freqüentes
títulos de iuris periti
ou legis doctores, designações
retóricas atribuídas aos
jurados, de
acordo
com o
gosto da
época;
eles merecem a
mesma
seriedade
que merecem os
meninos
que brincam
como
caciques de
tribos
indígenas
ou
generais de
bandos mexicanos.
Por
certo havia verdadeiros
mestres da
ciência do
Direito,
calados,
todavia,
diante de
manuscritos
secretos.
III.
O
Digesto de Justiniano,
seleção de
trabalhos dos
juristas
romanos, permaneceu
desconhecido
durante
este
período.
Jamais foi citado
entre os
anos 603 e 1076.
Algum
monge,
em
algum
momento e
em
algum
lugar, pode tê-lo encontrado e folheado,
mas apressou-se a deixá-lo de
lado.
Um
único
exemplar foi conservado e
veio à
tona no
final do
século
XI,
pelo
ano 1070,
em
algum
lugar da Itália. Foi
um
acaso
histórico
que,
para o
bem
ou
para o
mal, influencia
até
hoje os
destinos da
ciência do
Direito; e
um
acaso
subseqüente quis
que uma
cópia desse
manuscrito,
ainda
hoje conservada
em Florença, caísse nas
mãos de
um
homem
genial identificado, no
início,
como sendo o
gramático Guarnerius von Bologna, ao
qual
mais
tarde será
dado (não se sabe
porque) o
nome de Irnerius.
Ele estudou
aquele
livro,
inicialmente,
sob a
ótica do filólogo: comparou o
texto
com o
extrato de
outro
Digesto da
época de Justiniano e,
com
base
nos
dois, redigiu
seu
manuscrito,
um
novo
texto, a
vulgata do
Digesto,
que se manteve
em
vigor
até o
século XIX. Deste
manuscrito originam-se,
sem
exceção, todas as
versões do
Digesto.
Ler e
entender o
Digesto
era
ser
jurista.
Por
isso,
nosso filólogo
jurista começou a
expor os
resultados de
seus
estudos
em
inumeráveis
glosas
que revelam
extraordinária
competência
jurídica.
Não permaneceu
em
apenas
um
livro
jurídico.
Com
grande
espanto, podem
ser encontrados
em
quase todas as
passagens de
velhos
manuscritos do
Digesto
cruzamentos
com
outros
pontos do
mesmo
ou de
outros
livros,
cuja
letra revela
que,
em
grande
parte, procedem,
sem
dúvida, dele. Estas
glosas comprovam
que
ele conhecia
quase
todo o
Corpus Iuris. Foi
ele
também
que substituiu
um
extrato das
Novelas de Justiniano
por
seu
original; e foi
ainda
ele
que,
com
seus
discípulos, completou o
texto do
Código,
conhecido
até
então
somente
em
parte.
Sobre
esse
completo
domínio de todas as
fontes
descansa
ainda
hoje,
indiretamente, o
conhecimento
sistemático do
Direito
romano.
É
significativo
para
toda a
escola dos
glosadores,
em
especial
para os
legistas italianos,
que formaram
seu
ramo
principal,
como é
significativo
também
para
toda a
evolução da
ciência do
Direito,
que,
em
seu
ponto de
partida, esteja
um
trabalho
formal de
filologia: a
descoberta de inúmeros
livros
antigos e a
correção de
seus
textos
com
base
em
outros
livros
também
antigos inauguraram uma
ciência
cuja
tarefa consiste no ordenamento da
vida
atual.
Basta
isto
para
entender
que os
glosadores tenham ficado
presos à
forma
geral da
ciência daquela
época: a
escolástica; e de
fato,
bem
ou
mal, ficaram.
Graças a
sua
erudição
escolástica, dominaram as
palavras e o
significado do
Corpus Iuris
até
seus
mais requintados
detalhes;
graças a
sua
sagacidade, exploraram a
infinidade de
conjecturas,
interpretações,
hipóteses explicativas e
distinções;
seu
espírito
sistemático –
sobre o
qual
tantos
comentários
negativos foram
feitos –, revela-se na
preferência
por
tabelas e classificações,
bem
como na
capacidade de
sintetizar
gigantesco
material
procedente de diversas
fontes,
como comprova,
melhor do
que
qualquer
outra
coisa, o
livro
fundamental do
Direito
Canônico, o
Decreto de Graciano (de 1140).
Mas
não
falta
também o
lado
negativo das
virtudes
escolásticas. Eram
formalistas:
quem queria
escrever
um
livro
não o fazia
sobre uma
série de
problemas
jurídicos
objetivos e
coerentes,
mas reunia
para a
discussão
diversos
pontos de
vista.
Por
isso,
suas
obras eram classificadas
como
distinções (distinctiones), questionamentos
(dissensiones),
casos
jurídicos destinados
não ao
ensino (quaestiones),
processos
legais (casus),
princípios
jurídicos (brocardica),
contestações (contrarietates) e,
em
especial,
glosas e
comentários
sobre
trechos de
livros
jurídicos de
natureza
legal (apparatus e summae). As
obras
mais
importantes desta
última
espécie
são a
Suma de
Azo (morto
em 1230)
sobre o
Código e a
análise de Acursio (morto
em 1260)
sobre
todo o
Corpus Iuris Civilis. Eram sutis:
amavam questionamentos e
distinções inúteis. Eram
pedantes: aplicavam esquematicamente as
formas de
pensar
acima descritas,
mesmo
quando inadequadas, acreditando
que deviam
atirar à
fogueira dos
prós e
contras
mesmo as
opiniões
evidentemente
indiscutíveis. Acreditavam
cegamente na
autoridade:
assim
como a
medicina
escolástica limitava-se a
comentar as antigas
obras dos
médicos
árabes,
sem cotejá-las
com a
realidade, a
jurisprudência
escolástica limitava-se a
interpretar as
palavras de Justiniano e dos
juristas
por
ele referidos,
escritas há
mais de
mil
anos, interpretá-las e aplicá-las a uma
situação
totalmente
diferente. Ignoravam a
realidade da
vida:
normas jurídicas,
necessidades,
instituições
quase
não eram mencionadas. Temos
assim – ao
lado de
outros
sinais reveladores de
um
pensamento
infantil – o
protótipo do
historicismo
que vive
fora de
seu
tempo, demonstrando,
em
conseqüência,
quase
total
carência de
sentido
histórico. A
vida segue
seu
curso e a
ciência o dela.
IV.
Quando lançamos a
vista à
frente,
em
direção à
metade do
século XIV, parece
que estamos olhando
para
outro
mundo. Fala-se
habitualmente da
substituição da
escola dos
glosadores
pelos pós-glosadores;
mas,
em
vez de empregar-se esta designação,
tão
pouco
significativa,
eles deveriam
ser denominados
conselheiros,
pois
são
conselhos e
pareceres
que passam a
ocupar o
ponto
central e, simultaneamente, o
ponto
mais
destacado da
literatura
jurídica.
Como pareceristas, precisavam ocupar-se
permanentemente
com
novas
concepções jurídicas,
novos relacionamentos e
necessidades, e,
acima de
tudo, precisavam
contribuir
com
sua
sabedoria
para
adaptar o
Direito
Romano a estas
concepções, relacionamentos e
necessidades. Daí resultou uma
literatura
que às
vezes incluía no
parecer a
exegese
fundamental do
texto e outras
vezes nele desenvolvia os
princípios
fundamentais do
próprio
texto.
Com
justiça, o
consultor
mais
famoso foi Bartolo de Sassoferrato,
que viveu na
metade do
século XIV, considerado o
jurista
mais influente
que
já existiu. Se foi o
melhor de
todos,
como às
vezes se afirma
hoje,
depois de injuriá-lo
por
tanto
tempo, é
outra
questão; examinadas de
perto
suas
obras, percebe-se
que,
nos
momentos
cruciais,
ele cita
seu
mestre Cino da Pistoia,
famoso
amigo de Dante e
restaurador da
lírica italiana,
um dos
muitos
juristas
poetas – na
verdade,
tão
bom
poeta
quanto
jurista, o
que é
raro. Na
lírica, criou o “novo
estilo
suave”,
famoso
por
combinar a
lírica
amorosa do
sul da França
com a
erudição da
escolástica italiana,
estilo
que teve
imorredoura
consagração na
Divina
Comédia de Dante; na
jurisprudência, foi o
mediador
entre a
cultura francesa e a italiana. De
fato, é
evidente
em
suas
obras a
decisiva
influência dos
juristas franceses, os doctores ultramontani
ou moderni,
como eram chamados.
Entre
estes,
em
especial, Pierre de Belperche e,
um
pouco
mais
antigo, Jacques de Revigny,
que viveu na
metade do
século XIII, o
que
não é de
estranhar,
porque, naquela
época, a França
era a
nação culturalmente
mais
desenvolvida da Europa; as
relações
sociais e econômicas encontravam-se
lá
muito
mais desenvolvidas do
que na Itália;
além disso,
lá o
Direito
Romano e a
escola dos
glosadores tinham exercido
menor
influência do
que na Itália;
finalmente, a França foi
sempre a
terra do bon
sens e do
sentido
prático. De
acrescentar
que a
Filosofia
ou,
como
era denominada, a
Dialética florescia na França;
por
isso Jacques de Revigny é considerado o
introdutor na
dialética na
jurisprudência,
já na
Idade
Média.
Naturalmente, o
estilo destas
obras,
como o da
comédia
gótica,
com
suas
alegorias
escolásticas,
não é
nada “suave”
para o
paladar
atual.
Em
especial,
não se
encontra
nem uma
sílaba
sobre a
consideração realista dos
fins da
vida, a
partir dos
quais
aqueles
homens conduziram a reformulação e complementação
do
Direito
Romano. Temos
que inferi-la a
partir dos
resultados, reconhecê-la
por
seus
frutos,
que,
por
sinal,
não foram
poucos.
Hoje sabemos
que os pareceristas criaram
grande
parte do
Direito
atual, arrancando o
Direito
Privado
romano dos
auditórios
ou
salas de
aula
para a
vida e desta
forma tornando-o aplicável.
Não se limitaram
apenas a
ajustar a
parte
geral
ou as
disposições
especiais deste
ramo do
Direito ao
pensamento
alemão,
eclesiástico
ou neo-romano,
mas,
com
audácia, a
partir daquele
tesouro
jurídico, reformularam
quase
todo o
Direito
Internacional
Privado, a
teoria das
sociedades, os
fundamentos da
Teoria do
Estado, a
Teoria
Geral do
Direito
Penal e do
Processo
Penal, de
tal
forma
que
sua
criação é
conhecida
até os
nossos
dias.
A
precariedade metodológica e a
limitação
medieval à
autoridade da
fé cortaram as
asas destes
pensadores.
Em
lugar do
formalismo escolástico, conhecemos
então o finalismo escolástico. Todas as
teorias,
apesar de
novas e
não relativas ao
Direito
Romano, deviam mostrar-se
como
resultantes do
único
texto respeitado – o
Corpus Iuris.
Isto levava a
traduções grosseiras de
termos
jurídicos,
que
não recuavam
ante os
mais
ridículos
significados, de
forma a
ser
difícil
distinguir o
que resultava de
equívoco daquilo
que
era
fruto de
intenção,
pois as
intenções
inconscientes muitas
vezes assumem
forma de
equívocos e o
desejo se transforma,
então,
em
pai do
pensamento.
Tudo
isso conduzia a
um
insuportável
abuso da
dialética;
fundamentos
falsos
ou
proibidos eram substituídos
por
interminável
relação de
autoridades,
glosas e
citações, reunidas de
forma
apropriada
ou
não.
Tudo
era
largamente discutido,
pois a
jurisprudência
prática
precisa
ser casuística e a casuística é
interminável.
Portanto, o
método daquela
época
era escolástico,
mas o
conteúdo
era haurido do
grande
movimento naturalista
que,
desde o
século XIII,
penetra o
setor cultural e está
para a
escolástica
como o
gótico
para o
estilo
romano –
nada
além de
manifestação daquele
movimento. Lembremos –
para
referir
apenas
um
nome
importante – Roger
Bacon
como
fundador da
pesquisa
empírica nas
ciências
naturais; Guilherme de Occam, na
Filosofia,
como
restaurador do nominalismo; Ekkehart e
Francisco de Assis, na
Teologia,
com o
despertar da
mística (a
interpretação do
dogma
como
necessidade da religiosidade); na
escultura, a
superação do esquematismo
arcaico
pela
paixão naturalística (apesar
de estilizada
pelo
gótico) na
arte de Giovanni Pisano; na
pintura, o
estilo de Giotto,
cuja
apresentação de
lendas contemporâneas
não suportava
mais os
fundos
dourados de
outrora; na
poesia, o “novo
estilo
suave” de Cino e na
jurisprudência a
arte deste
mesmo
mestre.
V.
Passado
algum
tempo,
retorna a
mesma
disputa. A
partir do
final do
século XV, o finalismo escolástico cedeu
lugar à
escola
humanista do
Direito,
primeiramente na Itália e
depois, cruzando os Alpes
com a
Renascença, na Alemanha e na França; e
prosseguiu, a
partir do
século XVII,
com o finalismo racionalista,
sob o
título de
Direito
racional
ou
Direito
Natural. Estas duas
crises tiveram
lugar
em
meio a
violenta
luta,
com recíprocas
ofensas.
Lamentavelmente, nesta
exposição,
não poderemos
nos
deter no
brilhante
desenvolvimento (ainda
que
não
isento de
críticas) da
escola
humanista francesa,
que descobriu
ou ressuscitou, publicou, divulgou e deu à
luz,
com Cujacio – uma
síntese de
erudição
jurídica combinada
com
filologia e
história,
que
não seria
mais
vista
até Mommsen –
quase
todo o
tesouro do
Direito pré-justiniano.
Entre esta
orientação e a
que aparece, na
mesma
época, na Alemanha, deve-se
traçar
nítida
separação.
Não há
dúvida de
que os
juristas da
recepção, na Alemanha,
com a
brilhante
exceção de Meltzer-Haloander,
não contribuíram
com
nada assemelhado
para esta
fase de transformação
histórica. Foram predominantemente
homens
práticos,
que
não desdenhavam
adornos
humanistas
ou dialéticos,
mas permaneciam fiéis ao mos italicus,
isto é, ao
modelo dos parecerista italianos. Ao aceitarem o
Direito
Romano
modernizado e italianizado, possibilitaram
sua
recepção
pela Alemanha,
mas a
dependência a
ele foi
tal
que as
passagens
não glosadas
não mereceram
vigência;
apesar de
tudo, estavam
convencidos de
que possuíam o
puro
Direito “imperial”,
que idolatravam
como
um
fragmento da
antiguidade
clássica.
Estes
juristas
não honraram, de
forma nenhuma,
seus
antecessores. Utilizaram,
tal
como
era,
um
Direito
sem
dúvida
moderno,
porém
estranho;
com
ele quiseram
regular os relacionamentos de
seu
povo,
como a
propriedade
rural, ignorando
que estavam subordinando a
conceitos
estrangeiros
relações
peculiares de
seu
povo, o
mesmo
que fez a
arquitetura, ao
construir colunatas italianas na
fachada de
casas alemãs, acreditando
estar dominando a
antiga
arte de Vitrúvio,
apesar de
não
poder
adotar o
essencial – as
proporções da
edificação italiana. Fermentou,
assim,
profunda
irritação
contra o
Direito
Romano,
que foi alimentada
durante
séculos e explodiu na
guerra dos camponeses e na
elaboração do
Código
Civil
Alemão. A
recepção do
Direito
Romano na Alemanha pode
ser concebida,
por
isso,
como
processo da “jurisprudência de
conceitos”,
pensamento
jurídico equivocado
que consiste
em
elaborar
conceitos
sem
levar
em
conta
suas
conseqüências
práticas
ou apreendê-los
em
outro
lugar e
tentar aplicá-los a
seus
próprios relacionamentos.
Por
isso podemos
colocar os
práticos
alemães dos
séculos XVI e XVII,
sob o
ponto de
vista
que
nos interessa, no
mesmo
nível da
escola francesa daquela
época, da
qual eram
tão
distintos
sob
outros
aspectos:
ambos tomam o
material
jurídico
disponível de
forma
puramente
receptiva –
lá o
Direito
Romano e
aqui o
mesmo
Direito,
porém italianizado,
sem adaptá-lo
ou completá-lo adequadamente. É
por
isso
que esta
época é
classificada
como
formalista:
porque
parte,
como no
tempo dos
glosadores, de
um
texto formulado
em
outra
época
pelo
trabalho de
estrangeiros,
sem
preocupação
com os
objetivos
atuais.
Naturalmente, o
formalismo histórico-humanista distingue-se,
entre outras
coisas, do
formalismo ahistórico-escolástico
porque
este praticamente
não considera o
presente,
enquanto
aquele o
despreza,
por
seu
antagonismo,
para voltar-se ad
fontes.
VI.
A outras
fontes dirigiu-se a
teoria do
Direito
Natural,
que inicia
sua
marcha
vitoriosa
com a
obra do holandês Hugo Grócio intitulada
De iure belli ac pacis, de 1625. O
pensamento jusnaturalista
não estava
morto,
mas aponta-se Grócio
como
pai do
Direito
Natural
porque foi
ele
quem o colocou a
serviço da
aplicação do
Direito, a
serviço da
prática,
em
primeiro
lugar, no
setor
mais
carente do
Direito
Positivo – o
Direito
Internacional –
razão
pela
qual,
até
hoje,
especialmente
fora da Alemanha, o
Direito
Internacional permanece
mais
estreitamente ligado à
Filosofia do
Direito do
que
qualquer
outro; colocou-o
depois a
serviço do
Direito
Penal e
mais
tarde
ainda –
graças a
seus
discípulos – do
Direito
Civil.
Se quisermos
apreciar a
época do
Direito
Natural
sob o
ponto de
vista
aqui considerado, será
necessário
distinguir cuidadosamente
entre a
Filosofia do
Direito
Natural e o
Direito
Natural propriamente
dito. Aquela
parte da
hipótese de
que o
Direito se
fundamenta na
natureza
racional do
homem
ou,
em outras
palavras,
em
sua
natureza,
fonte
incondicional
em
todos os
tempos e
lugares. A
partir de Kant e Montesquieu, esta
Filosofia foi superada e substituída
pela
crítica da
razão e a
Filosofia do
Direito do
século XVIII. A
primeira demonstrou
que a
razão
prática contém
apenas
formas e
categorias e
não
princípios
práticos
com
algum
conteúdo. A
segunda entende
que
todo o
Direito é
criado
sob determinadas
condições históricas,
em
determinada
época e
por
determinados
homens,
não existindo,
portanto, o
Direito
tal
como é apresentado
pela
Filosofia do
Direito
Natural.
Fica,
porém,
sem
resposta a
pergunta
sobre o
que seja
aquilo
que
inumeráveis
tratados equivocadamente designam
por ius naturae. O
problema foi colocado
já no
século XVIII:
estudo divulgado naquela
época
por
um
tal Desing,
com o
significativo
título “A
larva ínsita no
Direito
Natural”,
sustenta
que os
princípios
jurídicos da
razão, considerados
eternos,
não
são
senão
fragmentos do
Direito
histórico revestidos
por
postulados
jurídicos
modernos.
Cem
anos
mais
tarde mostrou Gierke,
como
era de se
esperar,
que neste
pretenso
Direito
Natural supranacional estava
embutido
sólido
núcleo de
idéias jurídicas germânicas
que haviam sobrevivido
vitoriosamente na
disputa
com o
Direito
Romano. Se esta
tese
não foi considerada
suficiente, deve-se ao
fato de
que os doutrinadores
não estavam familiarizados
com a
idéia de
um
conteúdo
objetivo
para o
Direito
Natural: acreditavam
sinceramente
que
aquilo
que a
experiência da
vida e o contacto
com as
necessidades modernas
lhes haviam ensinado podia
não
apenas
ser demonstrado,
mas
também
ser
fundamentado
pela
especulação apriorística.
Por
isso
tais
considerações praticamente
não
são encontradas
nem nas
deduções dos jusnaturalistas
nem
nos pós-glosadores.
Este foi,
portanto, o
período do finalismo racionalista,
distinto do finalismo escolástico
em
razão da
substituição da
autoridade
determinante do
método:
em
lugar de
um
livro, a ratio scripta da
lei
romana, aparece a
lei
eterna da
razão
humana
ou
aquilo
que se entende
como
tal. Confirma-se
outra
vez a “força criadora
da
ilusão”:
graças a
seu
suposto
significado
metafísico, o
conteúdo
prático e
regional daquelas
idéias tornava-se
convincente e
vigoroso.
Sem
esse
conteúdo
regional, o
Direito
Natural
não teria conseguido
ser aceito
como
fundamento
ou
orientação
em
legislações
atuantes e progressivas
como a
codificação
prussiana, a francesa e
especialmente a austríaca. Foi
também
esse
mesmo
conteúdo
que credenciou o
Direito
Natural a
servir
como
fonte
para o
juiz na
aplicação e complementação do
Direito
positivo.
No
período do
Direito
Natural, foi
finalmente
quebrado o
dogma
segundo o
qual
toda a
decisão
judicial deveria
decorrer da
aplicação de uma
lei
ou de
um
costume: apareceu,
pela
primeira
vez, ao
lado dessas duas
fontes, uma
terceira e nela a
idéia de
valor no
sistema
jurídico. A esta
fonte devemos o
extraordinário
progresso da
teoria, da
prática e do
íntimo relacionamento
entre ambas;
em
especial, a
ela devemos a
elaboração das “partes
gerais”,
cuja
idéia e
conteúdo
atuais,
em boa
parte, foram produzidos
já no
século XVIII. O
Direito
privado, o usus modernus pandectarum, foi
modernizado e
tratado cientificamente.
Graças ao
Direito
Natural, o
Direito do
Estado e o
Direito
Internacional
Público existem
hoje
como
ciência. Percebe-se
em
seu
conteúdo
como o
Direito
Natural prestou-lhes
extraordinário
serviço. Foi
ele
que mostrou aos
homens as
cadeias
que
lhes eram
imposta e ensinou-os a sacudi-las; lutou,
em
nome do
inalienável
direito do
homem à
liberdade,
contra a
servidão à
gleba e a vassalagem dos camponeses;
contra a
submissão da
mulher ao
egoísmo dos
homens;
contra o aprisionamento dos
citadinos à
prisão
dourada das
corporações. Minou o
absolutismo dos
governantes e o relacionamento feudal. Lutou,
com as
armas da
seriedade e do
escárnio,
contra a
opressão da
liberdade
espiritual
pela
Igreja. Protegeu a
pessoa
face ao
abuso e à
arbitrariedade
policiais. Proclamou a
idéia do
Estado de
Direito. Aprimorou
profundamente o
Direito
Penal, lutando
contra a
arbitrariedade
judicial. Organizou o
rol dos
tipos de
delitos. Eliminou,
por serem
incompatíveis
com a
dignidade
humana, as
penas
corporais de
mutilação, a
tortura no
processo criminal e a perseguição às
bruxas.
Em
contraposição a
estes
benefícios, afirmou-se
que os
defensores do
Direito
Natural,
com
fundamento
exclusivo nesta
fonte, teriam desprezado as
demais,
especialmente a
lei. Esta
freqüente afirmação foi
feita
por
toda a Reforma,
sem
excluir Savigny e Jhering,
mas é
falsa. Os jusnaturalistas teriam
conscientemente desprezado o
Direito vigente se infringissem uma
regra
hoje, aplicando-a
novamente
amanhã.
Mas
não o fizeram; e se tivessem
feito,
não mereceriam
mais o
nome de
juristas. O
que fizeram foi,
com
fundamento no
Direito
Natural,
não
considerar
válidos
princípios
jurídicos do
passado,
contrários à
cultura do
presente,
mesmo
que o
Estado
não os revogasse
expressamente.
Este
fundamento de
revogação
que
hoje
não reconhecemos
como
correta caracterizava
um
critério
extremamente
vago.
Mas
não fazemos
outra
coisa
quando ensinamos
hoje
que uma
lei perde
sua
vigência
não
apenas
quando é revogada
por
outra,
mas
também
em
razão do
Direito
consuetudinário, o desuso e a
revolução. Devemos
ser
incondicionalmente
gratos à
teoria do
Direito
Natural,
entre outras
coisas,
porque,
graças à
influência
que exerceu
sobre a
legislação e a
prática
jurídica, livrou o
século XIX do
escândalo da
aplicação
literal da
ordem de
penas
corporais e
tortura de Carlos V.
Quão
pouco o
Direito
Natural
era
inimigo da
lei pode
ser inferido a
partir do
fato de
que desta –
como
filha do
Estado
Absoluto – esperava
ele
sua salvação
através da
codificação,
com a
qual festejou os
melhores
triunfos.
Em
seguida,
porém, tornou-se
supérfluo e,
onde a
codificação
não prosperou,
só podia
fracassar. A
partir dele esperava-se
encontrar a lex legum, o
sólido
princípio
para o confuso
Direito
em
geral; ao
contrário, gerou-se
maior
insegurança
jurídica.
A
falta de
análise metodológica, a
contradição
entre a
Filosofia do
Direito
Natural e o
Direito
Natural
em
si
mesmo, buscaram
vingança. No
momento
em
que a
consciência
jurídica foi apresentada
como
tranqüila
fonte
universal
válida
para o
Direito, prevalecendo
sobre o
paciente
papel da
voz da
natureza e pondo
por
terra todas as
barreiras da
arbitrariedade,
tudo passou a
vacilar. Os
dois
sistemas,
aparentemente construídos
sobre a
natureza, evidenciaram
sua
flagrante
contradição
por estarem,
em
verdade, apoiados na
opinião
subjetiva. A
Revolução Francesa encarregou-se de
mostrar ao
povo e a
seus
líderes
como as
exigências da
razão podiam, a
final,
conduzir ao
desencadeamento de
delírios. Cansou-se de
tentar
melhorar o
mundo; tentou-se
encontrar
fundamento no
que
era
ou
tinha sido (no
passado) e,
assim
como a
época da
Filosofia do
Direito
Natural foi substituída
pelo
Humanismo,
este foi substituído
pela
época da
História.
VII.
A
escola
histórica alemã,
cujo
programa foi
preparado
por Savigny,
tinha
em
seu
tesouro ideológico
contribuições de
pensadores e
pesquisadores franceses e ingleses do
século XVIII,
como Montesquieu e Voltaire, Hume
e Burke,
assim
como da
Filosofia alemã
contemporânea,
principalmente de Schelling. Montesquieu,
em 1748, no “Espírito
das
Leis” concluíra
que
este
não pode
ser
entendido
como uma
ordem
arbitrária originada
por uma
cabeça
criativa,
mas – nas
palavras
com
que
ele inicia
sua
obra
imortal –
como les rapports
nécessaires, qui dérivent de la nature
des choses (relações necessárias
que derivam da
natureza das
coisas).
Natureza,
para
ele, correspondia às
condições
físicas da
vida, o
clima, a
qualidade da
terra e às
manifestações humanas,
sob a
forma de
regime
econômico,
densidade demográfica,
bem-estar,
regime de
governo,
organização
militar,
religião,
costumes e
espírito do
povo; a repercussão desses
fatores
sobre o
Direito foi examinada na
obra dele.
Savigny (cuja
personalidade infundiu
em
seus
inumeráveis
discípulos simultaneamente
amor e
respeito,
mas
cujo
talento de historiador e
jurista
não conseguiu
ocultar
por
muito
tempo a
fragilidade de
sua
concepção filosófica) ignora essas repercussões e,
dentre
todos os
fatores, reconhece
apenas o
espírito do
povo
que,
sob a
forma de
Direito
consuetudinário, explicaria a
gênese do
Direito;
esse seria o
único
fator,
embora cientificamente
inútil
porque
inapreensível.
Assim a
teoria de Savigny revela-se romântica;
mais
precisamente,
um
formalismo romântico. Trata-se, na
verdade, da vulgarização da
teoria do
desenvolvimento de Schelling – a
evolução do
Direito corresponde
apenas a uma transformação
intrínseca,
sem
objetivo e
sem
significado. A
deficiência desta
concepção deve
ser atribuída à
cega rejeição do
Direito
Natural,
com a
qual,
sem nenhuma
palavra de
justificação, foi rechaçada
toda a
Filosofia do
Direito.
Isto acarretou a
ruptura
em
relação a
qualquer
consideração
finalista
ou valorativa e a
recaída no
formalismo.
O
segmento romanista encontrou no
texto do
Corpus Iuris a
forma
que interessava aos
pesquisadores; o
segmento
germanista encontrou-a, predominantemente, no
texto das leges barbarorum,
nos
livros de
Direito, no
Direito
consuetudinário,
tal
como havia sido formulado, e
que,
portanto,
era
acessível
pelo
método filológico e
não
pelo sociológico, a
partir do
qual
era
tratado
como se fosse uma
lei. Estas
formas eram apreciadas
menos
com os
olhos de
jurista e
mais
com os de historiador, o
que
era
também
fruto do
romantismo,
que considerava todas as
ciências
como históricas.
A
influência de Montesquieu foi
também
importante
porque dele foi recolhida a
teoria da
separação dos
poderes, de
acordo
com a
qual o
juiz deveria
aplicar
somente
normas jurídicas elaboradas
por
outro
poder.
Todas essas
influências contribuíram
para
que a
atividade
jurídica fosse considerada
puramente cognitiva excluindo-se
qualquer valoração
ou
volição e,
relativamente à
legislação, levaram a
considerar “arbitrárias”
leis
que
não se limitassem a
relacionar
direitos; foram considerados “não
científicos” a
doutrina e o
trabalho
acadêmico
que
não se limitassem às codificações trazidas ao
mundo.
Estes foram os
pontos
que se tornaram
fundamentais no
programa e, ao
mesmo
tempo, os
únicos
que
nunca foram rejeitados. Na
Dogmática, o
formalismo
histórico romântico conduziu, de
um
lado, ao
purismo,
ou seja, à exitosa
tentativa de
restituir ao
Direito
Romano, na
medida do
possível,
sua
forma
antiga e ao
Direito
germânico
sua
forma
medieval; de
outra
parte, chegou-se à
interpretação
puramente
lógica da “jurisprudência
de
conceitos”,
indiferente às
condições
sociais do
momento,
que Puchta,
discípulo de Savigny, desenvolveu.
Também na
História do
Direito imperou o
puro
formalismo,
que rompeu
com o relacionamento
entre
Direito e
Cultura e, de
forma anárquica, brecou a
evolução, contrariando
até a romântica
teoria do
espírito do
povo; daí resultou, na Alemanha, a
separação
que existe
ainda
hoje
entre a
escola
germanista e a romanista. De
um
modo
geral, a
conseqüência foi o
completo
divórcio
entre
teoria e
prática, de
tal
forma
que a
teoria rejeitou a
prática e esta se tornou anticientífica. A
meticulosa
crítica das
fontes do
Direito,
bem
como a
sutil
elaboração de
conceitos, devem
ser lembradas
como
dados
positivos,
como
compensações ao
tratamento
governamental
anterior a 1848, orientado
rumo ao
poder
quase ilimitado.
Felizmente o
futuro da
ciência
jurídica alemã foi confiado a
outros
homens,
menos aclamados pelas
honrarias da
posteridade,
mas
que,
por
isso
mesmo, merecem,
ainda
mais,
toda a
nossa
simpatia. Referimo-nos ao
círculo de Leipzig, aos
antiquários da
história do
Direito,
como Haubold, Biener, Wenck, Hänel e
Heimbach,
que
não pesquisavam
em
busca da
vitória
dogmática,
mas
por
exclusiva
disposição de
conhecer; ao
lado deles, o
grupo dos
pioneiros da verdadeira
interpretação
histórica no
Direito comparado,
como Gans e Mittermaier; os
teóricos do
Direito
Mercantil,
como Einert, Liebe e Thöl,
que souberam abeberar-se nas
fontes da
vida
econômica; os
homens do
Direito
regional vigente,
por
isso
mesmo os
melhores
juristas daquela
época,
como Koch e Wächter;
também os
herdeiros da
cultura
jurídica do
século XVIII, Thibaut e Gönner,
com
sua
inteligente
pregação
sobre a
necessidade de
renovar a
legislação;
finalmente, e
acima de
tudo, os
criminalistas e civilistas apoiados na
filosofia de Kant e Hegel – os
orgulhosos Feuerbach, Grolmann e Kierulff.
Nenhum destes
grupos – o
que
infelizmente
não podemos
demonstrar
aqui de
forma
convincente – deixou de
considerar a
escola
histórica
como
um
erro e,
por
isso, de combatê-la, muitas
vezes
em
exposições
confidenciais
ou
em
estudos
que permaneceram compulsoriamente
inéditos,
como o
magnífico
discurso de Wenck
sob o
título “de
misticismo iurisconsultorum”. Todas
estas
tendências representam,
em
um
ou
outro
sentido, uma contra-corrente
finalista na
maré
alta historicista.
VIII.
Quando, na
metade do
século XIX, a
atmosfera romântica fez uma
pausa realista, estas
correntes foram
lentamente chegando à
superfície; a
nova
escola
histórica,
ainda
hoje
dominante,
só pode
ser
entendida
como
um
misto de
elementos
formalistas e
finalistas, o
que confirma a
construção
histórica
aqui
exposta.
Toma dos
inimigos dos
antigos historicistas a
concepção da
ciência do
Direito
como
disciplina “produtiva”
e
prática,
enquanto
busca,
com os historicistas,
meios
para
chegar a
estes
fins,
exclusivamente
através da
construção
conceitual. A
decadência da
Filosofia e da
Teoria do
Conhecimento daquela
época
não permitiu
que se percebesse a
contradição
que
aí se ocultava; ao
contrário, continuou-se a
ver na
pesquisa
histórica o
único
instrumento adequado e
suficiente
para a
formação dos
juristas, ignorando as
importantes
perspectivas psicosociais.
Com todas estas
tendências, o
programa da
escola encontra-se nas
obras da
segunda
fase de Rudolf Jhering,
principalmente
em
seu
famoso
estudo programático de 1856/57, intitulado “Nossa
Missão”. O
mais
impressionante
jurista
alemão –
muito
maior
que
seus contendores Gerber, Wächter, Bekker, Brinz;
e
muito
maior do
que Dernburg, Windscheid, Baer e Unger –
deixou
sua
marca no
pensamento
jurídico
alemão daquela
época, da
mesma
forma
que Bismarck marcou o
pensamento
alemão
em
geral, incluído o
pensamento do
próprio Ihering.
Exatamente
porque
hoje,
por inúmeras e boas
razões, o
nome de Ihering empalidece na Alemanha,
enquanto os
países
latinos e
eslavos admiram-no
como
figura
central da
nova
ciência do
Direito, queremos
reivindicar
para
ele o
lugar de
honra no
coração dos
juristas
alemães
ainda
ocupado
por Savigny.
Certamente
seu
coração
turbulento
não
lhe permitiu
deixar nenhuma de
suas
grandes
obras
amadurecer
até o
fim – movido
por
um
impulso fáustico, lutava
sempre
por superar-se; as
flechas daquele
frísio
quase
nunca atingiam o
alvo,
pois
ele
só pensava na
noite
para a
caça e a
aventura. Foi
imensa,
todavia,
sua
influência,
como
grande
orador,
sobre os
poucos
juristas
famosos reconhecidos
como
escritores.
Ele
não
só atacou
com
decisivo
êxito a
antiga
tendência historicista (que
inicialmente seguira e defendera
em
um
texto publicado
sob
forma
anônima e
que
por
isso permaneceu
desconhecido),
como
também,
em
sua
terceira
fase,
em Scherz und Ernst (De
Brinquedo e a
Sério), combateu a
nova
escola
histórica,
obra
sua,
com a
mesma
paixão
inexorável.
Aqui, separou os
elementos
históricos e os
conceitos
jurídicos
em realistas e
finalistas, incluindo o “interesse”
no
direito
subjetivo e o “fim” no
direito
objetivo.
Com
este
trabalho, de
penetrante auto-revisão, preparou a
terceira
forma de finalismo – o finalismo metodológico.
O
movimento do
Direito
livre significa –
não
menos no
estrangeiro do
que na Alemanha –
completo e
sistemático
desenvolvimento de
seu
pensamento
que a
todos arrebata –
sem
excluir
aqueles
que o combatem. O
conteúdo metodológico há de
proteger esta
nova
forma de finalismo do
destino de
seus
predecessores escolásticos e racionalistas,
porque permite
reconhecer as
fronteiras e os
perigos do finalismo, e, desta
forma,
ensina a
proteger
seu
fecundo
conteúdo
como
duradoura
realização.
§ 25. O
positivismo
jurídico
Merecem
especial
tratamento as duas últimas
épocas do
desenvolvimento da
ciência do
Direito: o
positivismo
jurídico e o
movimento do
Direito
livre.
I.
O
positivismo
jurídico é a
corrente da
ciência
jurídica
que acredita
ser
possível
encontrar
resposta
para todas as
questões do
Direito a
partir do
Direito
positivo, utilizando-se
exclusivamente de
instrumentos
intelectuais,
sem
recorrer aos
valores.
II.
Este
positivismo
jurídico
não se orienta
somente
por
princípios
lógicos,
mas
principalmente
por
princípios
jurídicos.
1.
É
proibido ao
juiz
criar o
Direito. De
acordo
com a
teoria da
divisão dos
poderes, esta
missão é
exclusiva dos representantes do
povo. Montesquieu
não cansa de
repetir
que a
tarefa do
juiz
não é
em
nada criadora,
mas
exclusivamente reprodutora; a
sentença
não deve
conter
nada
além do
exato
texto da
lei; o
juiz deve
ser
tão-só
aquele
que pronuncia as
palavras
que
ela contém,
um
ser
inanimado
que
não pode
atenuar
nem
sua
validade
nem
seu
rigor. Deve
apenas
declarar a
sanção
que a
lei prevê
para o
fato e
para
isso
não necessita
mais do
que de
seus
olhos.
Curiosamente, esta
forma de
autômato
jurídico foi
por
ele construída
exatamente na Inglaterra, o
país da judge-made-law.
2.
É
também defeso ao
juiz negar-se a
declarar o
Direito,
como está
expresso no art. 4º do
Código
Civil
francês: “O
juiz
que se recuse a
proferir a
sentença
sob o
argumento de
que a
lei é
omissa,
obscura
ou
insuficiente, pode
ser processado
por denegação de
justiça”. A
ciência do
Direito é uma
ciência
prática
que
não pode,
diante de
exigências
práticas,
alegar
que
ainda
não encontrou
solução
para o
problema proposto;
em
relação a
questões jurídicas, é vedado o non liquet.
3.
A
proibição de
criar o
Direito e de
denegar
justiça
são conciliáveis
somente a
partir de
um
terceiro pressuposto: a
lei
não tem
lacunas
ou
contradições e é
suficientemente
clara;
ou,
mesmo partindo de uma
lei
lacunosa,
contraditória
ou
não
clara, é
possível,
por
meios
absolutamente
racionais,
chegar à
decisão
unívoca da
questão
jurídica
proposta. É o
postulado
ou a
ficção da
completude,
senão da
lei,
pelo
menos do ordenamento
jurídico.
III.
Para
lograr uma
decisão
unívoca
apesar da incompletude da
lei, a
ciência
jurídica utiliza a
hermenêutica.
Estranhamente, vale-se esta de inúmeros
pares à
sua
disposição no
processo de
interpretação,
sem
indicar
qual dos
elementos
que o integram deve
ser
empregado: o
gramatical
ou
lógico, a
interpretação
extensiva
ou a
restritiva, a
analogia
ou o
argumento a contrario. O
juiz
precisa
escolher
entre
eles, auxiliado
pela ratio legis (método
construtivo)
ou
pela ratio iuris (método
sistemático). É
inegável,
por
outro
lado,
que o
jurista pode
extrair da
lei
mais do
que o
legislador
conscientemente nela quis
colocar; neste
sentido, “a
lei é
mais
inteligente
que o
legislador”.
Por
isso, a
interpretação
jurídica
não consiste
em
apenas
repensar o
que foi pensado –
como faz a
filologia –
mas consiste
em
levar às últimas
conseqüências
aquilo
que foi pensado.
Assim a
teoria
positivista da
interpretação sai de
seus
próprios
limites:
porque
nenhum
sistema
jurídico é
construído
com
fundamento
em
um
único
fim
comum, a
interpretação da ratio iuris oculta
necessariamente uma valoração
pessoal do
juiz.
IV.
A
ciência
jurídica
positivista
não está isolada, no
mundo das
ciências, ao
utilizar
este
método: a
teologia tem a
mesma
pretensão
quando se limita ao
estreito
campo do
biblicismo, pretendendo
resolver todas as
questões religiosas
pela
simples
interpretação dos
livros
sagrados.
BIBLIOGRAFIA:
Radbruch –
em
Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik (Arquivo
de
ciência
social
e
ciência
política),
tomo
IV, 1905.
§ 26. O
movimento do
Direito
livre
I.
Baseava-se a
teoria
positivista da
interpretação no
princípio
jurídico da
completude do ordenamento
jurídico
elevado à
categoria de
postulado, de
onde decorria,
para o
juiz, a
proibição de
denegar
justiça e
criar o
Direito. Esta
fundamentação levou o
movimento do
Direito
livre a
demonstrar,
com
argumentos
lógicos e
psicológicos,
que a
completude da
lei
não
passa de
um
postulado
ou
ficção.
Por
certo, a
interpretação pode
entender a
lei
melhor
que o
legislador a entendeu,
mas é uma
ficção
imaginar
que a
lei seja
não
só
mais
inteligente
que o
legislador,
mas
também
onisciente,
apta a
responder a
qualquer
questão
jurídica
possível,
apesar do
surgimento de
novas
descobertas tecnológicas,
antes
inimagináveis.
Utópico e desagradável é
conceber o
juiz
simplesmente
como
um
sujeito cognitivo,
mero
autômato
jurídico,
simples
servidor do
Direito
positivo,
sem reservar-lhe
qualquer possibilidade de
valorar, de
manejar a
justiça e a equidade, vendo-o,
portanto,
não
como
um
servidor da
justiça,
mas
apenas
como
um
escravo da
segurança
jurídica. Essa
concepção,
que pretende
corresponder
exclusivamente à
lei e
sua
lógica, é contraditada
pela
própria
lei, uma
vez
que o
legislador,
dentro de
determinados
limites, atribui ao
juiz
competência
para a
descoberta criadora do
Direito,
mediante a
adoção de
cláusulas
gerais
como a equidade, a boa
fé e os
bons
costumes. Continua protegida a auto-suficiência
formal da
lei;
apenas, respeitadas determinadas
limitações, a
servidão do
juiz à
letra
fria da
lei é
compensada
pela possibilidade de apreciá-la
sob a
perspectiva do
valor.
Não se pode
desconhecer
que a
ficção da
unidade fechada do ordenamento
jurídico e a
negação da possibilidade de o
juiz
criar o
Direito pretendiam
conseguir
segurança
contra a
possível
alegação
prematura de
lacunas da
lei e
contra a
prematura
ação criadora do
Direito
pelo
juiz.
Inegável, no
entanto, é
que o
conceito de
unidade fechada da
lei
não
passa de
ficção e dá
margem ao
surgimento do
movimento do
Direito
livre.
II.
Ao
reconhecer as
lacunas do
Direito, o
movimento do
Direito
livre reconhece
também a
competência do
juiz
para preenchê-las. Ao
contrário do
que
seus
opositores costumam
afirmar,
não autoriza o
juiz a sobrepor-se à
lei; exige a
conformidade da
sentença à
lei, negando
apenas
que a
decisão seja
mera
dedução da
lei.
Não pretende
criar
novo
Direito
para o
juiz,
mas
apenas conscientizá-lo da
necessidade de
algo
que
ele
sempre fez inconfessadamente,
talvez
sem dar-se
conta:
colocar
suas
forças a
serviço da complementação da
lei.
III.
As diversas
correntes do
movimento do
Direito
livre coincidem
quanto ao pressuposto da
existência de
lacunas na
lei e à
negativa da
liberdade de apreciação valorativa
pelo
julgador. Discrepam,
todavia,
em
relação ao
método de preenchimento das
lacunas,
para o
qual apresentam diversas
alternativas.
A
luta
contra a
jurisprudência de
conceitos iniciou-se
com Jhering
em
sua
obra “O
fim no
Direito”. O
título
Movimento
pelo
Direito
Livre e a
unificação,
sob
ele, de
diversos
posicionamentos
até
então isolados, resultou de
um
folheto publicado
em 1906
sob o
pseudônimo de Gnaueus Flavius
com o
título “A
luta
pela
ciência do
Direito”,
cujo
autor,
mais
tarde, foi reconhecido
como sendo Hermann Kantorowicz.
Pouco
antes, Rudolf Stammler havia publicado
sua
Teoria do
Direito
Justo,
mais uma
teoria do
conhecimento
que
um
método,
mais uma
análise
que uma
síntese,
mais
relativa à
forma do
que ao
conteúdo
natural do
Direito.
Antes, desenvolvera-se a
idéia de uma
jurisprudência do
interesse (Heck),
sem
que
nada
decisivo fosse
dito
sobre a
forma de
ponderar os
diversos
interesses conflitantes. Eduard Fuchs e
Hugo Sinzheimer,
um
pouco
mais
tarde, preconizaram o
método sociológico
para a
ciência do
Direito.
Com
eles,
sob a
mensagem de
um
Direito
vivo (Eugen Ehrlich) e,
mais
recentemente,
com a
terminologia
mais
ou
menos equivalente
relativa a
um
pensamento
ordenador
concreto, voltou-se a
enfatizar,
com outras
palavras, a
criação do
Direito a
partir da
natureza das
coisas.
Muitos escreveram
sobre a
capacidade criadora do
juiz
mediante a
elaboração teleológica
ou finalística (como
prefere Kantorowicz) de
conceitos.
Para
estes, o
Direito é
descoberto a
partir de
seus
fins,
ou a
partir da
própria
idéia de
Direito.
Uma
sintética
profissão de
fé de
todos os
defensores do
Direito
livre encontra-se no
texto introduzido
por Eugen Huber no § 1º do
Código
Civil suíço: “A
lei,
em
sua
letra
ou
em
sua
interpretação, contém a
regra aplicável a todas as
questões.
Caso
não seja
ela encontrada no
texto, deve o
juiz
decidir de
acordo
com o
Direito
consuetudinário e, se
isso for
impossível, de
acordo
com a
regra
que
ele,
como
legislador, teria prescrito, seguindo a
doutrina e a
tradição”.
O
movimento do
Direito
livre influenciou
gradativamente a
legislação e a
jurisprudência. A valoração
pelo
juiz,
mediante necessárias
fórmulas de avaliação, penetrou de
tal
forma a
legislação
que, no
interesse da
segurança
jurídica, tornou-se
necessário
levantar
um
grito de
advertência
contra a
fuga das
cláusulas
gerais (W. J. Hedemann).
Exemplo
importante da
criatividade do
juiz no
sistema
alemão foi a
concepção do
estado de
necessidade supralegal ao
aplicar a
cláusula
rebus sic stantibus no
período da
hiperinflação.
Finalmente, o
movimento
nacional-socialista terminou
por
aplicar as
idéias do
movimento do
Direito
livre
não
apenas
para
preencher
lacunas da
lei (intra legem e praeter legem),
mas
até
contra legem,
adoção
que o
movimento
livre do
Direito considerou
sempre
ilícita.
“Certamente o
juiz está limitado,
fundamentalmente,
pela
lei,
mas
sua
missão e
dignidade
não
lhe permitem
aplicar uma
lei
que contrarie
manifesta e
grosseiramente a
idéia de
Direito, uma
norma
que agrida os
sentimentos do
povo a
respeito do
justo e do
injusto,
que atinja
diretamente a
moralidade
pública” (Georg Dahm, Deutsches Recht –
Direito
alemão – 1944). Esta assertiva pode
ser mantida de
pé
ainda
hoje,
embora os
resultados de
sua
adoção possam
conduzir a
direção
diferente daquela
por
ela pretendida.
Em
suma,
não devemos
insistir na
defesa dos
resultados a
que o
movimento do
Direito
livre chegou,
mas na
limitação
por
ele traçada, decorrente da
necessidade da
segurança
jurídica.
BIBLIOGRAFIA:
Stintzing e Landsberg – Geschichte der deutsche Rechtswissenschaft (História da
Ciência
do
Direito
alemã); Erick Wolf – Grosse Rechtsdenker (Grandes
Juristas)
e Schweizer Juristen der letzten 100 Jahre (Juristas suíços dos
últimos
100
anos),
ed. Schulthess, Zürich, 1945.
Este
capítulo
foi publicado,
sob
o
mesmo
título,
por
Hermann Kantorowicz, na
revista
“Die Tat”,
em
julho
de 1941. (vide Radbruch,
necrológio
para
H.K., na
Revista
Suíça de
Direito
Penal,
vol. 60, 1946).
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