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VIII
Filosofia
da
História
do
Direito
§ 27.
Filosofia
jurídica da
História
O
significado filosófico-histórico do
Direito é encontrado a
partir da
contradição
que existe
entre a
natureza
estática do
Direito e a
natureza
dinâmica da
História. O
Direito
precisa
levar
em
conta esta
contradição, ao
exercer
sua
hegemonia
sobre os
acontecimentos
históricos:
um
novo
sistema
jurídico desenvolve-se,
através de
caminhos
legais, a
partir da
anterior,
sem
que haja
rupturas no
curso da
História.
Este é o
significado do
princípio da
legitimidade. Ao
contrário, a
dinâmica da
História se
processa
através de
catástrofes, da renovação do
Direito
como
conseqüência da
ruptura do
sistema
anterior, o
que foi rotulado
por Georg Jellinek
como a “normatividade dos
fatos”. A
hegemonia do
Direito
encontra
seus
limites
históricos, de
um
lado, na
soberania
que coexiste
com outras
soberanias,
sem
ser dominada
por
outro
sistema
jurídico – a
guerra é,
portanto,
um
limite; de
outro
lado, na impossibilidade de substituir-se
regularmente uma
Constituição
por
outra,
por
caminhos
legais – a
revolução é,
portanto, o
outro
limite.
Em “A
filha
natural”, Goethe faz
um
magistrado
declarar
resignado: “Nós
governamos no vai-e-vem dos
círculos
concêntricos
que é o
flutuar das
leis
durante a
vida;
mas
aquele
que,
lá
em
cima, no
espaço
infinito,
todo
poderoso,
estranhamente as
movimenta, dá
vida e
mata,
sem
conselho
nem
julgamento, é
certamente medido de
outra
forma,
com
outros
números, e permanece
para
nós
um
mistério”. Disse Bismarck
que, no
mundo
político, muitas
coisas
não tiveram
origem
revolucionária.
A
única
coisa
que resiste ao
desenvolvimento
histórico
quebrado
constantemente pelas
guerras e
revoluções é a continuidade da
hierarquia
católica, a
cadeia
nunca
quebrada da
imposição das
mãos
que,
desde os
apóstolos ate
hoje, é praticada
pelos
sacerdotes.
Em
épocas de
tranqüilidade, muitas
vezes parece-nos
um
mal
que a
descontinuidade
histórica do
Direito pretenda
predominar
também
em
relação à
própria
História. Moltke,
por
exemplo, considerava a
idéia da
paz
perpétua
um
sonho
nem
sempre
belo; Jakob Burckhardt falava ironicamente
da “segurança burguesa” e das
grandes
realizações culturais ocorridas
exatamente
em
épocas de
insegurança; e Nietzsche exaltava o “viver
perigosamente”.
Talvez
hoje,
depois de
décadas de
vida
insegura e perigosa, sejamos
mais
sensíveis aos
elogios
que Montesquieu tributou às
nações enfadonhas.
§ 28.
Filosofia da
História do
Direito
I.
O
problema filosófico
fundamental da Historia do
Direito está
em
saber se existe
realmente uma
História
imanente ao
Direito. Existe uma
História do
Direito regida
por
leis próprias,
ou existe
apenas a
História da
cultura, da
economia e do
espírito do
Direito? A reposta a
este
problema encontra-se,
em
última
análise, na
relação
entre
matéria e
forma do
Direito.
1.
A
este
respeito, duas
teorias antagônicas se defrontam. A
teoria do
Direito
Natural acredita
que a
força de
resistência da
matéria
jurídica
contra
sua
forma pode
ser reduzida a
zero. A
idéia de
Direito exerce ilimitado
poder
sobre
sua
matéria, de
tal
forma
que
não pode
ser encontrado, de
modo
algum,
um
conteúdo
jurídico. A
idéia,
por
sua
vez,
não
parte de
determinada
situação
histórica
que é formalizada
pelo
Direito,
mas de
um
suposto
estado de
natureza
que
não é, no
entanto, relacionamento
social,
mas, ao
contrário,
modo
individual
totalmente
anti-social de
estar
face ao
outro – bellum omnium
contra omnes;
entre os
indivíduos
em
conflito deve
ser implantada a
idéia de
Direito.
Todavia,
como a
idéia de
Direito é
eterna e as transformações históricas do
Direito
só podem
ser explicadas a
partir da
matéria sociológica e da
relação
econômica
ou cultural
que
ela
modela, a
teoria do
Direito
Natural, tendo
em
vista a
resistência desta
matéria
jurídica,
nega
também a mutabilidade do
Direito. A Historia do
Direito deveria,
então,
permanecer
calada
para
sempre
em
relação à
resistência à concretização da
idéia de
Direito.
2.
A
concepção materialista da
História contesta a onipotência da
forma
jurídica sustentada
pela
teoria do
Direito
Natural.
Para
ela, o
Direito é
apenas
forma de
manifestação
econômica; a
forma
jurídica é condicionada
pela
matéria
jurídica; o
Direito
não é
forma formadora,
forma
que
modela a
matéria,
mas
apenas
forma formada,
forma
que irresistivelmente é modelada
pela
matéria. O
Direito é
exclusivamente
histórico e sociológico,
sem
leis próprias. Foi o
que Marx e Engels escreveram na
minuta de
sua “Ideologia Alemã”:
“Não
esquecer
que o
Direito,
assim
como a
religião,
não tem
história
própria”.
3.
Como foi
acima afirmado, a
idéia de
Direito
Natural depende, de
um
lado, da
natureza das
coisas
que
não é,
como
alguns jusnaturalistas acreditavam,
absolutamente
independente de
sua
matéria; de
outro
lado, os
defensores da
visão materialista da
História foram
obrigados,
mais
tarde, a
reconhecer
certo
grau de
autonomia e de
influência
histórica. da
forma
jurídica,
embora,
fundamentalmente, seja
quase
impossível
determinar o
grau desta
influência da
matéria e da
forma jurídicas.
Em
certos
sistemas
jurídicos predomina o
elemento
formal, a
ponto de
eles evoluírem
independentemente de alterações
sociais
importantes. O
Direito
Romano,
por
exemplo,
sob a
forma do
corpus iuris, demonstrou
sua
eficácia,
depois de
vários
séculos,
em
um
mundo
absolutamente
diferente, tendo acompanhando
até
suas transformações,
em
especial a
gigantesca transformação
capitalista.
Quanto
mais apegado à
vida,
mais
concreto e casuístico é
um ordenamento
jurídico,
mais ligado a
sua
matéria cultural e
econômica e dela
mais
dependente. Ao
contrário,
quanto
mais
distante da
vida,
mais
abstrato,
mais
genérico,
mais
ele se demonstrará resistente e
preso à
História.
II.
Uma
segunda
questão da
Filosofia da
História do
Direito consiste
em
saber se
sua
evolução se
processa
em
razão das transformações da
vida
jurídica
ou das alterações das
normas; se
seu
objeto é
mais a
forma
como o
Direito é
vivido
ou a
regra
jurídica; e se
ela tem a
ver
mais
com a
evolução
inconsciente
ou
consciente do
Direito.
O
Direito
Natural
procura na
razão a
mudança
decisiva e
definitiva de
um
Direito
eternamente
válido.
A essa
interpretação
racional do
desenvolvimento
jurídico a
Escola
Histórica do
Direito opõe a transformação
resultante de
forças
irracionais, orgânicas e silenciosas – o
espírito do
povo,
que
encontra
sua
manifestação
fundamental no
Direito
consuetudinário. Equipara a
evolução do
Direito à
evolução da
linguagem –
embora
hoje se reconheça, no
desenvolvimento da
linguagem, a
influência
consciente dos
grandes
escritores.
Jhering contrapõe à
teoria do
espírito do
povo a
influência
consciente do
estabelecimento de
fins
jurídicos e a
consciente
luta
pelo
direito, manifestadas na
legislação.
Com o
surgimento da
jurisprudência sociológica e etnológica dá-se a
progressiva
substituição das
forças
motrizes
irracionais e
inconscientes
pela motivação teleológica
racional;
assim, Tönnies substitui a
comunidade
pela
sociedade e Henry Sumner Maine substitui o ordenamento
jurídico
fundado no
status
pelo
fundado no contractus. Neste
passo,
não se pode
esquecer
que os
homens, ao estabelecerem
seus
fins
conscientes,
com
freqüência perseguem
também
fins
inconscientes, o
que Wundt chamou de “heterogonia dos
fins” e Hegel de “astúcia
da
razão”.
Exemplo desta
situação dá-nos a
história do
tribunal do
júri.
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