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IX
A
estética
do
Direito
§ 29.
Direito e
linguagem
A
linguagem do
Direito e a
linguagem dos
juristas
são muitas
vezes criticadas
por diversas
razões: acusa-se a
linguagem da
lei de
aridez e
pobreza e a dos
juristas de
pompa e
falsidade.
I.
De
fato, a
linguagem da
lei é caracterizada
mais
pelo
que rejeita do
que
pelo
que é.
1.
A
linguagem da
lei,
em
primeiro
lugar,
não
emprega o
estilo da
persuasão,
mas exige
ausência de
afetividade e de
sentimentos. Exige a
frieza das
fórmulas
matemáticas,
embora
legisladores de
épocas
não
muito
distantes, e
também os
legisladores nacional-socialistas
em
seus
preâmbulos, tenham
empregado
todos os
recursos superemocionais da
oratória. Indignavam-se,
com
adjetivos
candentes,
em
particular, com a
monstruosidade dos
crimes
contra a
autoridade, a
religião e a
moral, procurando
conquistar
respeito a
partir da
pompa da
linguagem
majestática; na
verdade, a
única
coisa
que conseguiam
era
suscitar
dúvidas, deixando a
impressão de
que confiavam
mais
em
sua
eloqüência do
que no
poder de
sua
autoridade.
Já o
legislador
moderno está
consciente de
que
não
lhe cabe
convencer,
mas
ordenar.
2.
A
linguagem da
lei evita
também o
estilo do
convencimento. Na
época do
absolutismo
esclarecido,
todavia, e, da
mesma
forma, no
recente
nacional-socialismo, agradava aos
legisladores
mostrar
benevolência,
real
ou
aparente, revelando a ratio legis, as
finalidades da
lei,
para,
através de
sua
compreensão,
conquistar a
obediência dos
destinatários, abrindo
mão, implicitamente, da
obediência dos
destinatários
que
não conseguisse
convencer. É
característica
essencial da
lei
jurídica,
ainda
que promulgada
em
vista de
determinado
fim,
não
ser
exigível
apenas
para buscá-lo
ou
enquanto o sirva,
mas
exigir
obediência
incondicional. O
moderno
legislador
jamais utiliza a
palavra “porque”. A
linguagem
moderna da
lei
emprega a
brutalidade da
ordem
militar,
que
dispensa
toda e
qualquer
fundamentação.
3.
Finalmente, a
linguagem da
lei evita
também o
estilo
didático.
Em
longa
experiência, os
legisladores aprenderam
que
sua
missão
não é
expor
ou
ensinar o
que seja o
Direito,
mas
decidir,
em
consciência,
sobre o
que deve
ser
feito e comunicá-lo
sob
forma
legal. Na
Idade
Média,
não se fazia
distinção
entre
livros
que relacionavam
normas jurídicas vigentes
pela
força dos
costumes e
livros
que eram,
em
si
mesmos,
fonte de
regras jurídicas vigentes. O
Espelho da
Saxônia,
compilação
privada de
normas elaborada
por Eike von Repgow (1225),
era obedecido de
forma
quase
incondicional,
com a
autoridade de
um
livro
jurídico,
enquanto a Carolina (Código
Penal do
antigo
império
alemão),
embora
livro de
Direito,
era obedecida de
forma
meramente
voluntária. No
começo da
época
moderna, entendia-se
que os
códigos
apenas relacionavam
regras jurídicas vigentes
em
razão de outras
fontes,
como o
Direito
consuetudinário e o
Direito
Natural; eram considerados
tratados de
Direito
Natural,
embora revestidos de
autoridade.
Só
lentamente foram perdendo o
tom
catedrático, à
medida
que prevaleceu o
reconhecimento de
que o
legislador
não
encontra o
Direito
já
pronto,
mas deve produzi-lo
com
suas
normas.
Um
código
moderno, ao
contrário, contém
apenas
normas
que correspondem a
ordens
ou a
elas se refiram e
não
emprega
partículas, sublinhados
ou
repetições tentando
superar a
preguiça, o
esquecimento, a
desatenção de
seus
destinatários.
Despreza
até o
fluxo
estético das
frases,
que
são separadas umas das outras
sob a
forma de
artigos e
parágrafos. A
lei é dirigida a
ouvintes
com
ouvidos acurados
para
lograr o
entendimento generalizado (ius vigilantibus
scriptum).
II.
Os
grandes
discursos
forenses revestem-se de
características de
luta
pelo
Direito. Lembram
estanha
mistura de
frio e
calor;
frio,
em
relação à
exposição dos
conceitos e
calor
que os reveste,
como sói
ocorrer
apenas na
vida apaixonada dos
indivíduos.
A
arte de
falar
com
eloqüência
não é valorizada na Alemanha
como deveria
ser: “a
razão e o
bom
senso devem
ser revestidos de
pouca
arte”. O
alemão
suspeita da
oratória,
fundamentalmente
por
sua
provável inautenticidade; e a
arte da
eloqüência é, de
fato, “inautêntica”, na
mesma
medida
em
que
toda
arte
conscientemente
também o é.
Tal inautenticidade decorre do
fato de
que o
orador
não se exibe
como o faz na
vida
diária. A
questão está
em
saber se devemos
tomar o
cotidiano
como
padrão de
autenticidade da
vida,
quando
nos parece
que,
exatamente
em
situações
especiais,
que transcendem ao
cotidiano, o
homem está
mais
próximo da
realidade de
seu
ser do
que na
larga
estrada do
dia-a-dia. É o
que experimentam os
grandes
oradores
nos
momentos
culminantes de
sua
eloqüência apaixonada: sobem à
vizinhança de
Deus
ou da
idéia,
exatamente
onde o
homem deveria
sempre
viver e
tão
excepcionalmente vive.
Mas
não se deve
também
subestimar o
perigo da
grandiloqüência,
tanto
para o
orador
quanto
para os
que o escutam,
bem
como o
perigo dos
patéticos
discursos
jurídicos,
principalmente
porque os
alemães carecem do
dom dos
povos
latinos,
que sabem
compensar a
força da
eloqüência
com equivalente
dose de
ceticismo. É
necessário,
todavia, acautelar-se
contra uma
espécie de
crítica
típica de
filisteus,
que consiste
em
suspeitar de
toda
oratória,
simplesmente
por tratar-se de uma
espécie de
arte.
III.
O
conhecimento
jurídico é apreciado
também, muitas
vezes,
por
seu
valor
estético. Fala-se de “elegante”
solução de
um
problema
jurídico, tomando-se a
beleza
como
critério de
verdade.
Valores
estéticos,
como as
medidas simétricas na
elaboração de
sistemas,
números preferidos
ou rejeitados na
divisão,
aversão a
linhas quebradas e
preferência
por
curvas
sem
fraturas na
exposição
histórica e no
desenvolvimento
lógico, influenciam as
pessoas
com
sensibilidade
artística na avaliação do
conhecimento
jurídico. Esta avaliação
estética pode
representar
um
perigo,
como demonstram as
contradições
entre o
pensamento
alemão e
inglês. O
inglês repudia, no
Direito
como na
Política,
planejamentos de
longo
prazo:
espera
que os
fatos ocorram
para
aprender
com a
própria
situação;
seu
ponto
forte consiste
em
fazer o
que for
necessário,
sem
pudor
ante a
necessidade de
mover o
timão
em
retorno
ou
ante a
imagem do
ziguezague. O
alemão, ao
contrário,
quando abotoa o
primeiro
botão do
paletó de
forma errada, abotoa
também o
segundo, o
terceiro,
até o
último, na
forma escolhida,
não
apenas
para
ser
conseqüente,
mas
também
pela
necessidade
estética de
preferir a
linha traçada e
repudiar a
linha
quebrada.
Mas
elegância na
solução,
com
freqüência, é
sintoma
enganador de
correção.
§ 30.
Direito e
imagem
I.
Na
época
em
que a
arte de
ler
não
era
tão
desenvolvida,
imagens e
alegorias eram
mais compreensíveis do
que
hoje. Na
medida
em
que se deu o
progressivo afastamento da
contemplação e o
maior
interesse
pelos
conceitos, as
alegorias foram perdendo
seu
significado. Dificilmente
nos damos
conta de
que existiu uma
arte alegórica
pela
qual interessou-se
durante
séculos a
humanidade – a
emblemática –
criada
exatamente
por
um
grande
jurista, Andréas Alciatus (1492-1550). A
emblemática baseava-se na
combinação de
figuras
com
palavras,
pois as
alegorias dificilmente podiam
ser compreendidas se
não estivessem acompanhadas de
versos. A
partir de Laocoonte de Lessing a
arte da
palavra separou-se da
arte da
imagem, o
que determinou o
fim da
emblemática. Desapareceu
totalmente o
interesse
pela
alegoria.
Ela foi “congelada”.
II.
Sobre a
alegoria da
Justiça, transmitiu-nos Aulus Gellius
(130-?) uma
descrição
feita
pelo filósofo Crísipo:
forma atque
filo virginali, aspectu vehementi et formidabili,
luminibus oculorum acribus, neque humilis neque atrocis, sed reverendae cuiusdam
tristitiae dignitate (beleza e
forma virginais;
olhar
austero e
terrível;
olhar
penetrante,
nem
humilde
nem
atroz,
mas
com a
dignidade de
respeitosa
tristeza).
Conta Aulus Gellius
que
alguns
leitores
mais
sensíveis de Crísipo encontravam nesta
descritiva
mais a
imagem da
severidade do
que da
justiça. Deve-se
destacar
que esta
imagem da
justiça,
que prescinde de
qualquer
atributo
convencional, revela
apenas,
sob
forma e
expressão alegórica, o
puro
significado
que o
povo
lhe reconhecia. A
espada
já
era
então reconhecida
como
atributo de Themis e Dike e,
mais
tarde, os
romanos deram a
balança
como
atributo à aequitas. No
início da
Idade
Média, a
balança e a
espada foram unidas na
figura da
justiça.
Como
em
toda boa
alegoria, a
espada e a
balança proporcionam várias possibilidades de
interpretação: podem
significar,
juntas, o
processo e
sua
execução, o
Direito e a
força, o
Direito
Civil e o
Penal
ou as duas
partes
fundamentais do
Direito
Penal – apuração da
culpa e
aplicação da
pena – e
ainda,
finalmente, os
atributos da
justiça distributiva e da comutativa.
Mas na
medida
em
que atentamos
para
estes
atributos, vai esvaecendo-se a
imagem da
justiça,
que
tanto dizia ao
povo
grego. Interessante
representação
viva da
justiça encontra-se,
também, na
fonte
romana de Frankfurt:
com a
balança ao
alto e a
espada
para
baixo,
porém
pronta
para
ser utilizada,
caminha
ela
em
frente, a
passos
firmes,
sem se
deter,
tal
como aparece
em outras
estátuas,
para
que admiremos e interpretemos
sua
alegoria.
Albrecht Dürer deixou-nos
um
enigma na
sua
gravura
em
madeira
relativa à Reforma
em Nürnberg.
Sobre as
armas da
cidade e do
reino, sustentadas
por
um
anjo, duas
figuras estão sentadas
sobre as
nuvens e,
entre
elas, desenhada
sobre uma mesinha, lê-se “Sancta Justicia”.
Pode-se
imaginar
que se trate da
dupla
forma de
justiça – de
um
lado a comutativa, de
outro a distributiva – mas
os
detalhes
não suportam esta
interpretação. Uma delas se distingue
pela
coroa, a
espada e a
balança; a
outra,
por uma
coroa de
flores e uma
sacola da
qual
derrama
dinheiro
enquanto, da
outra
mão, ergue-se uma
labareda. A
bolsa de
dinheiro derramado representa
evidentemente o
suborno recusado e a
labareda,
conforme ensinam as
alegorias, a
aspiração
por
um
ideal.
Parece
também
que
um
conceito
tão
viril
como o de
justiça
não deveria
ser corporificado
por uma
mulher e
sim
por
um
homem,
algo
como o
arcanjo
São Miguel,
que aparece
pintado nas
imagens do
Juízo
Final
com
espada e
balança. A
imagem da
justiça de Hans Burgkmair
veste estranhas
roupas masculinas,
com
bota e bombacha.
Além da
espada,
porta
um
globo
terrestre, do
qual desponta a
balança,
como
símbolo do
domínio do
Direito
em
todo o
planeta.
É considerada
não alegórica e
até anti-astrológica a
apresentação da
justiça
feita
por Albrecht Dürer
sob
forma
masculina –
um
jovem
com
espada e
balança –
sobre o
qual está
um
leão comodamente sentado,
como se
fora uma
estrela, de
cuja
cabeça saem os
raios
como os do
sol, simbolizando o
halo da
divindade: “sol
iustitiae”.
A
venda
que
cobre os
olhos da
justiça é
posterior e está
até
em
conflito
com a
espada e a
balança,
pois
deixa os
olhos fechados,
quando
eles deveriam
observar a
balança e
orientar a
espada. Surgiu
como
um
escárnio; na
primeira
edição de uma
gravação
em
madeira de Sebastian Brants, entitulada “a
nave dos
loucos” (1495),
um deles,
por
trás, coloca nela uma
venda; e Schwarzenberg,
nos “bambergenses”, representa
todos os
membros do
tribunal
com
capas de
loucos e
olhos vendados, afirmando
que: “estes
cegos
malucos,
em
sua
vida, costumam
apenas
proferir
sentenças contrárias ao
Direito”.
Já no
desenho de Peter Vischer, o
Jovem,
que se
encontra na
casa de Goethe,
em Weimar, é a
justiça
que coloca a
venda
nos
olhos do
imperador sentado
em
seu
trono, o
que parece
sugerir
que,
entrementes, a
venda,
que começara
como
um
blefe, transformara-se
em
atributo da
justiça, na
qualidade do
juiz
que decide “sem
consideração
para
com as
pessoas”.
Já o
livro
só surgiu a
partir da
época da
recepção do
Direito
romano;
não
como
atributo da
justiça,
mas
também
como
objeto de
sátira. O
original de uma
gravação
em
madeira
mostra,
um ao
lado do
outro:
um
jurista
com
seu
livro,
um
usurário
com
sua
bolsa e uma
prostituta
com
seu
xale; e Hans Burgkmair, a
quem
já
nos referimos, representou
um
grupo de
juristas brigando
em
torno de
um
livro
aberto
sobre a
mesa. Ao
contrário, na
Ponte
Velha de Heidelberg, uma
escultura representa a
justiça apoiada
sobre
cinco
livros, uma
alegoria
relativa à
erudição dos
juristas.
III.
Durante a Reforma, foram
mais
freqüentes as
sátiras do
que as
representações sérias a
respeito da
justiça. Nas famosas
gravações
em
madeira conhecidas
como
tapetes Michelfelder,
um
juiz é apresentado
sob a
legenda “a
fraude” e, ao
lado dele, abraçadas,
três
virtudes,
entre as
quais a
justiça. No “bambergenses”,
diante do “juiz
tributário”, há
um
ladrão a
cavalo e
atrás dele o
demônio. Da
legenda consta: “muito
se
rouba na
terra e no
mar,
mas os
juizes de
tributos roubam
ainda
mais”.
Terrível
quadro de
advertência aos
juizes na
edição
oficial de
um
código.
IV.
Quadros de
advertência
como
estes abundam nas
salas de
tribunais. O
Museu
Alemão
guarda
um entalhado
em
madeira, Leinenberg:
um
juiz, sentado
entre
um
homem
rico e
um
pobre, inclinado, no
entanto,
para o
rico. O
Código da
Saxônia dispunha
que
sempre,
sobre a
cadeira do
juiz, deveria
estar representado o
juízo
final,
como
advertência ao
juiz de
que
um
dia
ele será
também julgado.
Outros
quadros
sobre a
justiça,
com
repetição do
mesmo
tema, aparecem na
maioria das
salas de
tribunais: o
julgamento de Salomão, a
calúnia de Apeles, o
processo de Cambises, a
justiça de Trajano e
outros
estímulos ao
juiz
justo e
advertências ao
injusto. Dificilmente se
encontra, no
entanto, nas
salas de
audiências dos juízes da Alemanha, a
figura do
patrono dos
juristas e das
Faculdades de
Direito –
São Ivo Helori –
que aparece
apenas no
selo de algumas
Faculdades de
Direito,
por
exemplo, na
Universidade de Freiburg.
V.
Nas
apresentações da
Dança da
Morte
nunca
falta a
figura do
juiz e do
advogado.
Sobre
ela, Hans Holbein
mostra,
em uma
gravura
em
madeira,
um
juiz de
quem a
morte
quebra a
vara da
justiça,
entre
um
tutor
fraudulento e
seu
pupilo lesado, e
um
advogado,
pago
pelo
rico
cliente,
enquanto, no
fundo o acusado
pobre assiste angustiado. No
quadro
sobre as
crianças dos
planetas, a
figura de
um
juiz aparece
sempre
entre os
filhos de
Júpiter.
Nos
almanaques
antigos é
comum apresentar-se
algum
jurista: no
almanaque Jost Ammans é
um
homem
arrogante,
elegantemente trajado,
sob
depreciativos
versos de Hans Sachs; no
almanaque de Weigel, o
jurista responde ao
cliente
que o consulta: “Cala-te,
pois
esterco
não merece
processo”.
VI.
Quando atentamos
para a
série
inumerável de
representações da
justiça e dos
juristas, notamos
que
determinados
motivos de
crítica
são nelas repetidos: a
corrupção dos juízes, a
avidez dos
advogados, a
argúcia e o
distanciamento do
povo da
parte de
ambos. Dá-se
com
elas
algo
semelhante ao
que ocorre
mais
tarde
com as
figuras humorísticas do
professor
distraído e do
aluno
vagabundo:
são
meramente
convencionais,
não se preocupam
com nenhuma
forma de
comprovação e
são utilizadas
apenas
como
ponto de
partida
para caçoadas de
toda a
ordem
ou
para
advertências
graves.
Só a
partir do
século XIX encontra-se uma
crítica
profunda e pormenorizada, utilizando a
caricatura na
crítica à
justiça,
principalmente na
arte do
maior
caricaturista da
justiça,
que foi Honoré Daumier.
BIBLIOGRAFIA:
G. Frommhold – Die Idee der Gerechtigkeit in der bildenden Kunst (A
idéia
de
justiça
na
arte
plástica);
U. Lederle – Gerechtigkeitsdarstellungen in deutschen und niederländischen
Rathäusern (Representações
da
justiça
nas
prefeituras
alemãs e holandesas), Heidelberg, 1937.
Material
gráfico:
Franz Heinemann – Richter und Rechtsweg in der deutschen Vergangenheit (Juizes
e
processos
judiciários
no
passado
alemão);
Hans Fehr – Das Recht im Bild (O
Direito
em
Imagens);
Cornelius Veth – Der Advokat in der Karikatur (O
advogado na
caricatura);
Heinert – Die Heiligen und das Rechts (O
sagrado e o
Direito);
Radbruch – Das Buch als weltliches Symbol (O
livro
como
símbolo
mundial)
em Reallexikon der
deutschen Kunstgeschichte (Léxico da
história da
arte
alemã),
tomo II; Radbruch
– Karikaturen der Justiz von Honoré Daumier (Caricatura
da
Justiça
em
Honoré Daumier), 1947.
§ 31.
Direito e
poesia
Goethe escreveu
certa
vez a
um
amigo
que
era ao
mesmo
tempo
jurista e
poeta,
que
ele servia a
dois
deuses
tão
inimigos
quanto Mamon e
Cristo.
Outros
poetas, recusados no
curso de
Direito, sentindo-se
por
isso enojados, estamparam maldiçoes
em
álbuns de
jurisprudência: “quando
tive
que
estudar
Direito,
contra os
desejos de
meu
coração...”
assim
começa uma
poesia de Uhland.
Famoso é,
também, o
divertido
suspiro de Scheffel: “Direito
Romano,
quando
penso
em ti, é
como se
meu
coração estivesse
em
um
pesadelo,
como se tivesse engolido a
mó de
um
moinho,
como se uma
seta atravessasse
meu
crânio”. Estas
citações poderiam
continuar
por
muito
tempo.
Mas
outros
poetas deram-se
bem
com a
jurisprudência e sentiram-se
até
felizes
com
ela: E. T. A. Hoffmann experimentou uma
vida
dupla
entre o
mundo da
fantasia
poética e a
insípida
jurisprudência e,
como
membro de
tribunal, enfrentou
com
firmeza de
caráter difíceis
situações
políticas.
Se
nos perguntarmos
sobre o
que explica a
freqüente
aversão dos
artistas
pela
ciência do
Direito chegaremos à “objetividade”
dos
juristas,
ou seja, à
tendência a
desconsiderar os
aspectos especificamente
humanos. O
Direito
trata,
por
exemplo, do
casamento,
mas ignora o
amor;
trata das
dívidas,
mas
não das
amizades.
Apesar disso, as afirmações dos
poetas
sobre o
Direito,
com
freqüência, têm
mais
peso e
maior
força
probatória do
que as dos filósofos do
Direito,
porque têm raízes existenciais
mais profundas,
não dizem
respeito
apenas a
idéias,
mas a
toda a
personalidade;
ou,
para
falar
como Tönnies,
não ao
acidental,
mas ao
essencial.
I.
1.
O
Direito é
tema
freqüente na
literatura.
Contos
sobre o
juiz
sábio abundam na
literatura
universal –
desde o
juiz de Cádiz
até o
japonês Ooka Tadaske, passando
por Paulis
com “Vergonha e
Seriedade”, Wickrams
com “Livreto do
Caminhão” e Hebels
com “O
pequeno
castelo do
tesouro”.
Um destes
contos é atribuído a
Santo Ivo:
um
homem
rico teria demandado na
justiça
contra
um
pobre
para
obter
indenização
pelo
fato de
este
ter diariamente se beneficiado, aspirando o
delicioso
ar de
sua
extraordinária
cozinha.
Santo Ivo teria acolhido
como justificada a
pretensão do
ricaço e condenado o
pobre a
sacar do
bolso uma
moeda de
ouro e colocá-la
sobre a
mesa: o
tilintar da
moeda seria
suficiente
para
indenizar o
perfume dos
assados. A
maioria destes
contos,
todavia,
não
são interessantes
tanto
pelo
surpreendente
final,
quanto
pela
forma
astuciosa de
diagnosticar o
tipo de
ilicitude.
Exemplar,
também, a
história do
juízo de Salomão.
Estes
contos,
nos
quais
sábios juízes chegam a
sentenças
sensacionais, tiveram refinada continuidade nas
novelas criminais
atuais,
que
apenas substituíram a
sabedoria dos juízes
pela
argúcia dos
detetives.
2.
Com
freqüência,
contos
populares tomam
como
objeto
finórios
ludíbrios do
Direito. O “Zorro” de Reineke Fuchs é
imortal. Da
mesma
forma, o
mestre dos
ladrões nas
fábulas dos
irmãos Grimm, as
histórias de “Zundelfrieder e Zundelheiner”de
Johann Peter Hebels e “A
Pele do
Castor” de Gerhart Hauptmann.
Estes
contos,
como
seus
análogos de Eulenspiegel, representam a
vingança do
homem
insignificante,
pobre,
oprimido,
contra o
rico e
poderoso; a
vingança dos
astutos
filhos de
Saturno
contra os deselegantes
filhos de
Marte; as
raposas
contra os
lobos e os
ursos. O
Direito violado
não é o
aspecto
mais
importante da
história.
3.
Da
mesma
forma, as
análises psicológicas dos
grandes
criminosos,
como “O
Criminoso
com a
Honra
Quebrada” de Schiller, “O
Anfitrião do
Sol” no
romance de Hermann Kurz (que
analisa o
mesmo
herói da
novela de Schiller) e o
famoso
livro de Feuerbach “Documentário
sobre
Criminosos
Famosos” preocupam-se
mais
em
descrever as potencialidades criminosas e os
perigos da
alma
humana do
que
analisar as
questões jurídicas mencionadas.
II.
O
Direito
como
motivo poético aparece
principalmente no
drama. A
essência da
tragédia é uma
antinomia
insolúvel e o
Direito é
construído
exatamente
sobre
antinomias e
antíteses,
por
exemplo,
ser e
dever
ser,
positivo e
natural,
legítimo e
revolucionário,
liberdade e
ordem,
justiça e equidade,
direito e
graça, etc.
Georg Jellinek chamou a
atenção
para uma
diferença
essencial
entre o
drama
antigo e o
moderno. No
antigo, o
Direito se impõe ao
indivíduo
como
um
destino
incondicional e
superior,
contra o
qual
nada pode a
insurreição
individual.
Onde parece,
como
em Antígone,
que o
indivíduo levanta-se
contra a
lei, trata-se,
em
verdade, da
disputa
entre
ordens jurídicas diversas,
por
exemplo, do
Direito
divino
contra o
humano. Ao
contrário, no
drama
moderno,
depois
que o
cristianismo descobriu o
valor
individual de
cada
alma
humana, dá-se o
conflito
entre o
Direito e a
pessoa
individual.
Extraordinário
drama
jurídico é “Medida
por
Medida” de Shakespeare, uma
comédia
sobre
tema
realmente
trágico,
não
completamente superado. Os
deslizes
judiciais do
governador Ângelo parecem
excessivamente
graves
para
que possam
ser perdoados
pela
simples
concessão da
graça. Esta,
por
natureza,
não tem
razão de
ser e adquire
sentido
em
vista de
seus
resultados:
como uma
espécie de
mistério no
mundo
moral, produz
efeitos na
alma do agraciado
exatamente
por se
tratar de
impunidade
imerecida.
Em “Medida
por
Medida”, Ângelo permanece
absolutamente
mudo
ante a
declaração de
graça e sente-se a
falta daquelas
três
linhas
que revelariam a transformação
pela
graça.
Soa de
forma
maravilhosa a
canção da
graça no “Mercador de
Veneza” de Shakespeare,
porém,
como
surda admoestação.
Novamente, o
cômico brotando do
trágico: a
tragédia de Shyloch. Jhering protestou
contra o
fato de Shylock
merecer
acusação de
ilicitude
por
abuso de
direito
quando se tratava
apenas da
interpretação
literal de
um
contrato. Kohler objetou
que, na
História do
Direito, o
Direito
antigo assume
novas
formas
por
caminhos
tortuosos,
mas
sem
conseguir
consertar a
objeção
anterior – Shylock continuou sendo considerado
culpado,
não
em
razão do
resultado,
mas
em
razão do
motivo. Na
história aproveitada
por Shakespeare, o
importante
não
era a
ilicitude,
mas uma
desconsideração
por
parte de
um
judeu de
atitudes desagradáveis e
pouco qualificadas. A
capacidade de Shakespeare, no
entanto, fez
com
que,
em
suas
mãos, Shylock deixasse de
ser uma
figura
secundária,
ridícula e irritante
para transformar-se
em uma
figura
trágica,
em
dimensão
tal
que obscurecia o
ambiente
sereno
que existia
em
torno dele. Foi
assim
que o
grande
ator Schildkraut o interpretou e representou, prestando
serviço
mais à
humanidade
que à
arte,
pois esta exigia, de
acordo
com o
espírito da
comédia,
que o
ilícito de Shylock tivesse
pouco
destaque e fosse reduzido a
um
episódio de
fácil
esquecimento,
em
segundo
plano.
Goethe –
em “Götz” – e Schiller –
em “Os
Bandidos” – começaram
sua
carreira
dramática glorificando a
rebeldia
contra o
Direito e evoluíram
para uma
visão
positiva
em
relação a
ele. A
posição de Goethe ficou caracterizada
em
sua afirmação
famosa,
ou mal-afamada,
em “O
Sítio de Mainz”: “é da
minha
natureza – prefiro
cometer uma
injustiça a
suportar a
desordem”.
Não se
trata da
defesa da
ordem
sob o
ponto de
vista
filisteu,
mas
sob o
ponto de
vista da
segurança burguesa; é
muito
mais
um
fragmento na
concepção
global do
mundo – o “cosmos”
grego interpretado, de
forma
cômica,
como
ordem do
mundo. Goethe rechaça a
justiça
revolucionária,
junto
com a
teoria da
revolução da
terra, preferindo
interpretar as transformações geológicas
mais à
Netuno,
como
trabalho das
águas, do
que a Vulcano,
com
resultado de poderosas
erupções
ardentes das
entranhas da
terra.
Sua
observação da
metamorfose das
plantas tem
por
mote
palavras do
livro de Jó: “passa
por
mim
antes
que
eu
me
dê
conta e transforma-se
antes
que
eu perceba”. Da
mesma
forma,
sua
Ética é construída
sobre o
conceito de “continuidade”, de
conseqüência, de tenacidade, de
paciência criadora.
Depois de uma
existência atribulada, fundamentou o
Direito
sobre a
vida
que prossegue
depois do
túmulo,
ou seja,
sobre a
imortalidade da
alma: “a
constância
nos
dias
terrenos assegura-nos a
vida
eterna”. O
fato de
sua
idéia de
Direito
não
pressupor
tensão
entre
ordem e
justiça, de esta
tensão
recair
exclusivamente
sobre a
ordem, demonstra
que
sua
vocação
prioritária
não
era
para o
drama.
Ele
mesmo afirmou
que
era
excessivamente conciliador
para
fazer
poesia a
partir da
tragédia e
que a irredutibilidade das
contradições trágicas
não se compatibilizavam
com
sua
pessoa, de
tal
forma
que, se tentasse
escrever uma
tragédia, sucumbiria
imediatamente.
Ao
contrário, a
idéia de
Direito,
com
toda as
suas
tensões, encontra-se no
centro da
dramaturgia de Schiller,
especialmente a
antinomia
entre a
ordem
jurídica e a
liberdade
moral.
Já no
grande
discurso do “Marquês
de Posa” destaca-se a
defesa da
liberdade da
pessoa
frente ao
Estado e
em “Guilherme Tell” lê-se a
magnífica afirmação
segundo a
qual é
necessário
elevar as
mãos aos
céus
para
alcançar os
direitos
que
ali pendem,
inalienáveis e
imorredouros
como as
estrelas.
O
maior
poeta do
Direito
entre os
alemães é Heinrich v. Kleist.
Em
seu “Cântaro
quebrado” e
em
seu “Michael Kohlhaas”
não foram superados os
excessos e as
violências de
seu
ser,
mas, no “Príncipe de
Hamburgo”, consegue
ele o
equilíbrio harmônico das
contradições antinômicas do
Direito. O
Grande
Eleitor e o
Príncipe de Hamburgo conciliam
finalmente
seus
pontos de
vista: o
Príncipe
acata a
pena de
morte
que
lhe foi
imposta
como
castigo
pela
desobediência e o
Grande
Eleitor
luta
consigo
mesmo,
até
chegar ao
belo
milagre da
graça,
como
prêmio
por
ter conseguido a
vitória
contra a
quebra da
disciplina.
Direito e
graça,
objetividade e
humanidade, Prússia e Alemanha do
Sul encontram, no
final,
um
belo
acordo.
III.
No
drama está o
conflito
entre
valores,
entre a
personalidade e a
ordem,
mas pode
também
ocorrer,
em
vez do
equilíbrio antinômico, a
superação de
um
ou
outro. O
ceticismo
mundano
ou a
paixão
religiosa podem
colocar
em
dúvida
ou
até
negar o
valor do
Direito
em
relação às
pessoas, a
objetividade
em
relação à
humanidade.
Em nenhuma
obra
literária a
corrosão
cética do
Direito é
mais
impressionante do
que na
novela “Crainquebille” de Anatole France,
que
nenhum
jurista deveria
deixar de
ler. A
negação do
Direito
pela
paixão
religiosa,
como
radical
interpretação do
Sermão da
Montanha, domina a
novela “Ressurreição”
de Tolstoi.
Todos os
juristas deveriam debater-se
interiormente
com estas
radicais
negações do
Direito. É
necessário,
para as
funções jurídicas,
ter
consciência
simultânea da
grandeza e do
caráter
problemático do
Direito.
BIBLIOGRAFIA:
H. Fehr, Das Recht in der Dichtung (O
Direito
na
Poesia);
G. Muller, Recht und Staat in unserer Dichtung (Direito e
Estado
em
nossa
Poesia),
1924; Dietlinde v. Künssberg, Das Recht in Paulis Schwanksammlung (O
Direito na
Coleção
Jocosa
de Paulo), Heildeberg, 1939; Th. Würtenberger, Die deutsche Kriminalerzählung
(Narrativas
criminais alemãs), 1941; Radbruch, Getalten und Gedanken – darin über
Mass
für
Mass
und über Goethe und das Recht (Figuras e
pensamentos,
especialmente
sobre
Medida
por
Medida
e
sobre
Goethe e o
Direito);
vários
trabalhos
de Erik Wolf e Eugen Wohlhaupter
sobre
alguns
poetas;
Ingeborg Becker, Die Todesstrafe in der Dichtung H. v. Kleist (A
Pena de
Morte
na
poesia
de H. v. Kleist), Friburgo.
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