IV

A idéia de educação no Direito Penal (1)

 

Senhor Presidente!
Autoridades!
Minhas senhoras e meus senhores!

Os senhores confiaram a tarefa de proferir hoje esta conferência, em homenagem ao homem que, há 100 anos, estimulou a fundação deste centro de recuperação de prisioneiros em Baden, a seu quinto sucessor e hoje responsável por sua cátedra. Permitam-se, então, iniciar pelas lembranças de Karl Josef Anton Mittermaier. Dificilmente se encontrará um jurista alemão tão vinculado como ele ao Direito mundial e à realidade jurídica; nenhum que como ele tenha servido tão ativamente ao progresso do Direito, inspirado pela fraternidade no mundo jurídico! Pouco afeito à doutrina, como era, jamais desenvolveu uma teoria jurídica própria. Mas a idéia de proteção social esteve sempre por trás de suas preocupações jurídico-penais; para ele, o melhor meio de proteção social, assim como o seu sentido humanitário, radicavam na educação do delinqüente.

Ao lado de Mittermaier, no entanto, precisamos também lembrar hoje um homem que atuou durante decênios à sua sombra em Heidelberg, menos favorecido pela sorte acadêmica, e que não pode ser comparado a ele no que se refere à profundidade e amplitude de sua obra, mas que lhe era superior quanto à energia pensante: Karl Röder. Este elaborou sistematicamente, até o fim, uma teoria penal fundada na idéia de aperfeiçoamento, com surpreendente ousadia para seu tempo – chegando até à proposta da pena indeterminada.

Acima de tudo, manifestou-se contrário à concepção estritamente liberal, para a qual a pena objetivava exclusivamente ao aperfeiçoamento do cidadão, à melhoria do relacionamento e não à melhoria do caráter. Na realidade, tratava somente do cumprimento da pena como forma de aperfeiçoar a conduta exterior do agente ajustando-a ao Direito, sem preocupação com a correspondente melhoria interior do delinqüente. Só o despertar e a reafirmação do hábito da justiça podem gerar garantia satisfatória para o comportamento jurídico. Por isso hoje não necessitamos mais empregar a palavra excessivamente farisaica melhoria, mas preferimos outra de conteúdo assemelhado, porém menos presunçosa – educação.

Kant afirmou que só é possível melhorar alguém a partir do pouco de bem que lhe resta. De fato, para a maioria dos delinqüentes – os delinqüentes por impulso e os delinqüentes de ocasião – a educação pode partir de sua consciência jurídica. Para a maioria dos chamados criminosos comuns, todavia, é exatamente o ato delituoso por eles praticados que pode servir como ponto de partida da educação criminal. O ladrão destrói a propriedade alheia para construir a sua; com seu ato, afirma, portanto, o direito de propriedade, a necessidade de protegê-la e tudo o mais de que ela carece, inclusive a punição ao furto e a própria punição que ele, criminoso, recebeu. O falsificador de documento pretende que o papel por ele falsificado mereça a mesma credibilidade que o original cuja credibilidade fraudou, reconhecendo, destarte, a validade e a proteção jurídica dos documentos e por via de conseqüência também a punibilidade da falsificação documental e o acerto da pena que lhe foi imposta. Desta forma, o criminoso comum está em contradição consigo mesmo. É refutado por si próprio. Com a pena, foi-lhe atribuído exatamente o que, em última instância, ele mesmo reconheceu como devido. Neste sentido escreveu Hegel que, com ela, o infrator recebeu o seu direito; foi honrado como ser racional, recebendo o melhor que desejou para si próprio. A pena é, portanto, para o criminoso comum, uma punição moral, embora diferente do que ela é para os outros homens superiores a ele, como os juízes; uma punição que reside nele mesmo, no melhor de seu ego. Sua culpa radica na contradição entre a ação e sua consciência, por isso, tornar consciente esta contradição é a primeira tarefa da educação criminal. Friedrich Wilhelm Förster disse certa vez que ninguém pode ser maior do que sua culpa antes de sofrer por causa dela. Se a pena, enquanto retribuição, é o despertar da consciência de culpa, enquanto educação, ela é também retributiva; não certamente a educação como retribuição, mas a retribuição como instrumento da educação.

Ao lado dos delinqüentes comuns, que infringem a norma jurídica com más intenções, há dois grupos de infratores que enfrentam a pena educativa com dificuldade muito maior: aqueles que infringem a regra com boas intenções e aqueles que carecem totalmente de consciência. Infrator de boa intenção é o delinqüente por convicção. Ele não está em contradição consigo mesmo. Não é refutado por si próprio. Age a partir de uma visão de mundo fechada em si mesma, à qual pode-se opor, mas não sobrepor outra. Pensa de outra maneira; não como o delinqüente comum, considerado menos valioso, de acordo com seus próprios juízos de valor. Contra ele, a pena não pode prevalecer como repreensão moral nem como forma de melhoramento, educação ou retribuição, mas apenas como instrumento de luta que o Estado ou a ordem social empregam como legítima defesa contra um inimigo interno, como uma espécie de prisão bélica em uma guerra intestina.

Refiro-me apenas aos pequenos grupos de autênticos delinqüentes por convicção, que chamamos delinqüentes por convicção positivos, para diferenciá-los de um terceiro grupo próximo deles, os chamados delinqüentes por convicção negativos; e, ao lado dos delinqüentes por convicção, aos delinqüentes por falta de convicção, decorrente de uma posição niilista no mundo dos valores. A crítica cada vez mais implacável contra nossas instituições econômicas e sociais ou, falando objetivamente, a crescente problematização de nossa situação econômica e social tem abalado terrivelmente nossos tradicionais juízos de valores. Basta relembrar algumas evidências: em Economia, a imprecisão das fronteiras entre o verdadeiro negócio e o comportamento criminoso; em Política, os não menos inseguros limites entre os instrumentos de luta permitidos ou reprováveis, a insegurança das normas relativas ao eroticamente admissível ou inadmissível, a quebra da confiança e da boa-fé no mundo jurídico, até a perturbação legislativa em relação à confiabilidade dos contratos. Na verdade, não estamos mais muito distantes da opinião segundo a qual tudo é permitido e a única coisa que justifica é o êxito – total ausência da consciência. Um experiente policial como Hagemann mostrou, na reunião do J.K.V. de Essen, como, graças à carência de valores na sociedade, a criminalidade profissional com relativa preocupação social se transforma em criminalidade completamente carente de preconceitos e escrúpulos, em criminalidade absolutamente niilista, e como isso lamentavelmente se dá em significativa parte da juventude. É a criminalidade profissional que caracteriza o cerne de nosso terceiro grupo, o grupo dos carentes de consciência, dos irrecuperáveis, ou, na linguagem atual, em respeito à bela advertência da Igreja de que não se deve perder a esperança relativamente a ninguém (nemo desesperandus est), dos dificilmente recuperáveis.

A educação destes dificilmente recuperáveis só seria possível se eles pudessem ser colocados diante de enfático convencimento da importância dos valores, de forma impressionante, irrecusável e irretratável. Mas exatamente isto é impossível neste mundo em ruínas. A crença em valores se contrapõe à ruidosa realidade social e econômica, o que não digo motivado por determinada e particular filosofia de vida: nenhum Partido, da extrema direita à extrema esquerda, deixou de reconhecer e difundir claramente esta contradição, que foi até enfatizada, de modo especialmente rude, sob o ponto de vista da mais conservadora de todas as concepções do mundo, na Encíclica Quadragesimo Anno. Qualquer afirmação de valores morais pode, por isso, ser de imediato e ironicamente contestada pela referencia à sua carência de validade na vida econômica e social. A recuperação da fé na validade dos valores depende da construção de uma nova ordem social e econômica mais justa. Até lá, deverá permanecer como é hoje: que praticamente ninguém ache justa a pena que lhe foi imposta – cometi uma ilicitude, dirá, mas, com a pena que me foi imposta, foi cometida contra mim uma ilicitude cem vezes maior. Até agora, a pena com função educativa foi inócua, principalmente para os delinqüentes mais difíceis de serem recuperados, aqueles que têm a consciência destruída em relação aos valores, não apenas porque o apelo destes valores não encontrou neles o mínimo eco, mas porque, o que é ainda pior, nem para o Juiz este apelo encontra o sólido fundamento de uma consciência inabalável.

Os dados estatísticos revelam que a aplicação do Direito Penal perde cada vez mais a confiança em si mesma, perde a boa consciência. É o terrível resultado de uma das mais significativas revelações da nova literatura criminal, o livro de Franz Exner sobre a prática da dosagem da pena pelos juízes alemães. Ele mostra a progressiva redução da dosagem das penas, a crescente rejeição das penitenciárias e sua substituição pelas prisões simples, a substituição das penas privativas de liberdade por multas, o predominante reconhecimento de circunstâncias atenuantes a serem aplicadas sobre a pena base; o emprego, enfim, de todos os meios possíveis para atenuar o castigo. Tudo com justo motivo: o profundo reconhecimento das causas sociais do delito e a certeza da política criminal relativamente ao caráter nocivo do emprego da pena privativa de liberdade; a isto se deve acrescer ainda o adormecimento da consciência dos valores, motivo pelo qual o Juiz, a quem, nas palavras de Bismarck, se confia extraordinária força humana sem justificação superior, não se sente suficientemente forte para utilizar a espada da justiça. A prova dessa motivação irracional do enfraquecimento das penas encontra-se, em última análise, na freqüência com que penas restritivas da liberdade, de breve duração, são aplicadas, sem encontrarem justificativa na política criminal; e também na inadequada leniência com que delinqüentes profissionais são tratados, até mesmo quando reincidentes. Este progressivo enfraquecimento das penas ocorre exatamente sob o domínio de teorias penais que acreditam poder garantir, em grande parte, a seriedade das penas: as teorias retributivas e intimidatórias. Elas revelaram-se absolutamente incapazes para a racionalização da dosagem de penas e, em lugar disso, como mostrou Exner, abriram caminho a motivações sentimentais, totalmente irracionais e tradicionais, para sua aplicação. A principal tarefa de uma reforma do Direito Penal deve consistir na determinação de critérios de aplicação da pena, presididos por considerações racionais de política criminal. Para tanto não basta, certamente, obrigar os juízes a adotarem formalmente nos processos critérios legais de individualização e graduação das penas, determinados pelo fato e a personalidade do agente – único efeito do § 69 do projeto. Deve-se obrigar legalmente o juiz a fazer constar da sentença, de modo explícito, não apenas o porque, mas também o paraque de sua opção por determinada dosagem de pena; se, na sua gradação, levou em conta a finalidade de melhoria do delinqüente, de segurança, de intimidação do agente, ou se, por acaso, preocupou-se com a intimidação de outros e com a mera retribuição. Assim se obrigaria o juiz a esclarecer, através de considerações finalísticas de política criminal, o vago sentimento de adequação e suficiência da pena aplicada, possibilitando aos tribunais a comprovação jurídica de tais considerações pressupostas como finalidade da sanção aplicada e a elaboração de uma doutrina adequada sobre os fins e a graduação das penas.

Não que eu considere a pena educativa menos problemática do que a retributiva! Ela está carregada de complicada problemática tríplice, quase insuperável: trata-se de educação de adultos, compulsória e punitiva. Ora, ainda não estamos preparados para a educação dos jovens, como demonstra a multiplicidade de inconvenientes de nossas instituições assistenciais e a educação de adultos oferece outros problemas, muito mais difíceis de serem resolvidos. O adulto só pode desenvolver-se por ele mesmo, através do aprendizado e da experiência; diante da manifesta intenção educativa de terceiro, costuma obstinar-se, principalmente quando se trata de educação imposta pela força e mais ainda quando ela tem caráter penal. É necessário advertir enfaticamente para o contra-senso de qualquer educação penal; o contra-senso ínsito no querer educarmediante a aplicação de uma pena. A punição em Pedagogia caracteriza-se como ato isolado no âmbito de um relacionamento marcado por recíproca confiança; a educação criminal, ao contrário, pretende educar compulsoriamente durante a aplicação de uma pena, criando, desta forma, para uma das partes, uma atmosfera de desconfiança e, para a outra, uma atmosfera de obstinação, a partir do suposto de que só a educação pode gerar resultados positivos. Reiteradamente, na aplicação do Direito Penal e da execução penal, vincula-se a idéia de educação à de pena que nela se pretende subsumir. De minha parte, acredito que o problema não esteja tanto no que diz respeito à pena quanto no adequado tratamento do delinqüente. Critico o Código Penal soviético, elaborado a partir do projeto Ferri, que não prevê penas, mas apenas medidas de segurança social, porque, muitas vezes, sob novos nomes, impõe velhas penalidades intimidatórias e retributivas, inclusive a pena de morte. Parece-me, todavia, que talvez meta mais distante já esteja sendo anunciada: não um Direito Penal melhor, mas quem sabe alguma coisa melhor do que o Direito Penal, isto é, o tratamento racional do criminoso, voltado para sua educação e para a segurança da sociedade.

Por enquanto, este tratamento racional do criminoso encontra obstáculos muito mais intransponíveis em seu caminho do que o conceito cada vez mais restritivo de pena. A arquitetura atual de presídios, como fortalezas construídas exclusivamente contra fugitivos potenciais, é reveladora, para os prisioneiros, dos objetivos de perseguição; é incompatível com qualquer idéia de educação. Essas construções são expressão de determinado espírito institucional: revelam, como objetivo da reclusão, a predominância dos fins relativos à segurança sobre todos os demais. Não devemos nos envergonhar, pois  Obermaier, o maior teórico da execução penal, há mais de cem anos, escreveu: Na minhaopinião, não devem nem podem existirnosestabelecimentospenais, emespecialnosestabelecimentosque visam à recuperação, maisperigos do que costumam ser encontrados na vidaemliberdade.

Na verdade, nós sabemos como deveria ser um estabelecimento penal moderno, capaz de cumprir seus fins educativos: semelhante a um sanatório. Ou seja: um conjunto de pavilhões, casas individualizadas, destinadas a grupos de formação cuidadosamente selecionados, tornando o mais imperceptível possível a limitação à liberdade; sem muros fortificados nem grades nas janelas. Casas fortificadas, nos moldes das atuais prisões, deveriam ser destinadas apenas ao pequeno número dos verdadeiros fugitivos. Mas, como obter os meios necessários a estas construções – e como encontrar pessoas para este trabalho com prisioneiros? Para a execução da pena não basta a consciência de dever por parte de dedicados candidatos; exige-se verdadeira dedicação e renúncia monásticas, quase o desapego à própria existência, em benefício da vida da comunidade de presidiários. Quantos serão os pais que dedicam a seus filhos tanta compreensão e tanto vigor quanto pretendemos exigir de funcionários encarregados de trabalhar na execução da pena, a benefício de estranhos, sumamente difíceis? É próprio de uma efetiva execução da pena que a sociedade em geral procure entendê-la e que, por motivos de concorrência, não crie novas dificuldades a importantes instrumentos da pena privativa de liberdade (trabalho realmente produtivo na prisão) e, por causa de preconceituosa desconfiança contra os condenados, torne praticamente impossível assisti-los. Pelo menos os legisladores não deveriam criar obstáculos à reintegração social do condenado. Vigilância policial, desmoralização, punições difamantes no presídio, deveriam desaparecer totalmente, sem deixar vestígios. Não sem rubor recordamos que tais exigências, até hoje não cumpridas, foram formuladas por Obermaier há quase 100 anos! Enquanto elas não se tornam realidades, a situação continua tal que, quanto mais remédio o paciente receba, mais seguros estaremos de que ele há de morrer – quanto mais intensa a pena aplicada ao delinqüente, tanto mais certa sua reincidência. Enquanto nossa política criminal permanecer essencialmente uma política criminal negativa, certamente voltada à melhoria, mas acima de tudo pensada como forma de evitar a pena privativa de liberdade e substituí-la por outras penalidades, em especial pela multa, estamos convencidos de que a privação da liberdade não é um remédio e, apesar de não servir para nada, de não prejudicar, é uma medida de vida e morte.

Não desconheço a vida agitada que se verifica há alguns anos em relação à execução da pena na Alemanha e vejo de bom grado pessoas importantes nela se envolverem. Rendo efusivas homenagens às esperançosas inovações introduzidas pelas normas do Conselho de Estado de 1923, que atingiram seu clímax em 1929, com a Ordenança prussiana sobre execução gradual da pena. Exatamente as palavras introdutórias desta Ordenança manifestam clara resignação ante os princípios dominantes no Conselho de Estado. Apontam como objetivo da execução escalonada das penas a recuperaçãomoral dos prisioneiros e, sobre os resultados até hoje da aplicação deste sistema, diz a Ordenança prussiana: De acordocom as experiências recolhidas atéagorasobre a execuçãogradual da pena, o sistema das pretendidas compensações escalonadas apresentou as seguintesvantagens: facilitou a disciplina e a ordem no estabelecimentopenal, mesmosob difíceis circunstâncias, motivou os prisioneiros a manterem bomcomportamento e reduziu o uso de medidas punitivas no estabelecimento. Objetivava-se um instrumento de educação para a liberdade, todavia chegou-se apenas a um excelente instrumento para melhorar a disciplina interna! Mas exatamente porque o autor daquela Ordenança não se limitou à pura contemplação das conseqüências atuais do sistema progressivo, os excessos decorrentes de seu pensamento criativo proporcionam mais confiança no futuro deste sistema. Ainda bem que foram oportunamente evitadas exageradas esperanças em relação à execução gradual da pena. Sistemas como este são freqüentemente recebidos como panacéia e em seguida, depois do fracasso, ocorre profunda desilusão: foi o que ocorreu com o trabalho nos presídios, com a reclusão celular e parece dar-se também com a execução gradual da pena. Nenhum sistema limitado a suas próprias forças será eficaz, mas cada um deles, nos limites de sua competência, pode servir como instrumento para os fins educacionais. Aquilo que Mittermaier afirmou sobre os mais famosos teóricos do sistema de execução gradual da pena de seu tempo vale ainda hoje para todos os administradores de estabelecimentos penitenciários: o sistema do senhor Obermaier é o senhor Obermaier.

Os maiores obstáculos à pena gradual são os mesmos opostos à reforma de nosso sistema penal. Podemos, como Wilhelm Kahls Hingang manter esperanças de que ela se concretize? Se a resposta for negativa, devemos decidir-nos a transferir imediatamente a valiosa carga da reforma geral deste navio encalhado para algum bote salva-vidas, acondicionando-a em uma ou mais reformas parciais. Não devemos esquecer que a motivação para o movimento reformista não radicava nas questões da parte especial, que hoje aparecem em primeiro plano, mas principalmente em exigências de política criminal a cuja realização deveria servir a reforma, contidas em duas seções da parte geral: o capítulo relativo à dosagem da pena que, além de levar em conta a espécie de pena prevista na parte especial, correspondente à gravidade do delito, deveria ajustar-se à personalidade o agente; e o capítulo relativo às medidas de segurança e recuperação, que deveriam preencher as finalidades relativas à segurança e à melhoria do agente, exigíveis daquelas penas, em paralelo com a intimidação e a retribuição. Com estas duas inovações e com uma lei de execuções penais, que desse uma forma segura às conquistas do movimento reformista, sem impedir seu desenvolvimento ulterior, estariam satisfeitas as necessidades mais prementes. Naturalmente, as leis especiais não produziriam o mesmo efeito que uma reforma geral poderia determinar: o choque psicológico que toda codificação produz; a tomada de consciência de um completo recomeço; a sinalização de que os governantes assumiram nova filosofia em relação ao Direito Penal.

Quanto mais imperfeito o Direito Penal, maior é a necessidade de medidas de assistência aos egressos dos presídios. Wilhelm Kahl denominou a assistência aos liberados o complementardeverafetivo da sociedade. Assim como a pena busca modificar a personalidade, a assistência ao liberado procura modificar as circunstâncias ambientais do crime, com o objetivo de prevenir contra a reincidência. Sua missão foi assim definida por uma figura importante: Uma vezque o homem é criadoporsuascircunstâncias, é necessário humanizá-las (Karl Marx). Eu não preciso dizer nada sobre os obstáculos, econômicos ou psicológicos que se opõem a este trabalho nem sobre a dureza de coraçãoque o cuidado com os liberados freqüentemente enfrenta.

As últimas semanas nos proporcionaram um símbolo comovente destas dificuldades. Um navio argentino cruzava o mar há muito tempo. Ao chegar em Marseille, duas companhias policiais estavam já sobre o cais, de armas em punho, para impedir que alguém deixasse a embarcação. Navegou até Gênova, mas aí, novamente, enfrentou a reação dos funcionários – sentinelas nos moles e ordens para retornar ao alto mar. Foi para Hamburg e, outra vez, a polícia portuária obrigou o capitão, depois de breve estada, a continuar a viagem. Tudo porque nele eram transportados 33 perigosos delinqüentes apátridas, aos quais todos os países recusam a acolhida.

Aprisionados em tal barco, impedidos de encontrar nova pátria, encontrar-se-ão todos os prisioneiros se as senhoras e os senhores não estenderem uma ponte de desembarque que proporcione a estes rechaçados a passagem do navio para a ordem social.

Neste ano de Goethe, quero concluir com palavras dele em Anos de Peregrinação: Quecaminhosnão terá percorrido a humanidadeatéchegar a ter moderação diante do culpado, consideraçãoparacom o delinqüente, humanidadediante do desumano! Certamente foram homenscomnatureza de deusesque, pelaprimeiravez, aprenderam esta lição, que dedicaram suasvidas a tornarpossível e rápidoesteexercício. Com estas palavras, Goethe pensava em homens como Beccaria e Filangieri, homens da Ilustração, considerada hoje superficial, à qual devemos, no entanto, o que consideramos civilização, sobretudo no Direito Penal.

Frente às ameaças de rebarbarização, permitam-me, minhas senhoras e meus senhores, afirmar, ao menos no que diz respeito a nosso setor de trabalho, os eternos valores da verdade, da justiça, da humanidade!

(1) Discurso proferido por ocasião do centenário do Centro de Recuperação Prisional de Baden, publicado no Boletim Mensal da Comissão Conjunta do Governo para ajuda judiciária.